Minas Gerais sofre com cortes de geração renovável e acende alerta no setor elétrico
As usinas solares e eólicas do Brasil registraram, em outubro, o terceiro mês consecutivo de recordes de corte de geração de energia renovável. Os cortes, também chamados de curtailment, têm aumentado significativamente desde 2023 e acontecem sempre que as usinas solares e eólicas são obrigadas a reduzir suas gerações de energia elétrica devido a fatores externos, como problemas no sistema de transmissão de energia, ou mesmo devido a imposições sistêmicas, como falta de consumo ou outras condições identificadas pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
Os cortes têm aumentado mês a mês e com eles, os prejuízos. O alerta é do diretor-geral da Volt Robotics, empresa de consultoria do setor, Donato da Silva Filho, responsável pelo estudo. De acordo com dados do ONS, monitorados e analisados pela Volt Robotics, no mês de outubro, as usinas solares sofreram cortes em 37% de seu potencial de geração, tendo mais de 1,3 mil gigawatt/hora (GWh) não escoados e perdas equivalentes a R$ 192 milhões.
Entre as eólicas, os cortes chegaram a 37,1%, com quase 4,6 mil GWh cortados, gerando um prejuízo de R$ 741 milhões. Se consideradas todas as usinas de energia renováveis no País, 5,9 mil GWh deixaram de ser gerados no mês, e o prejuízo dos geradores de renováveis somou R$ 1,1 bilhão.
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Cortes geram perdas de energia e dinheiro
No acumulado do ano, até outubro, os cortes de geração renovável registrados correspondem a 20,4% da produção que poderia ser realizada. Esse nível de curtailment já é 283% superior ao ocorrido em todo o ano de 2024, conforme mostra o estudo. Só em outubro, os cortes chegaram a 8 mil megawatts médios, o que equivale a 75% da geração produzida em Itaipu, como demonstra o diretor da Volt. “É você deixar a parte brasileira toda de Itaipu desligada e 25% da parte do Paraguai desligada durante o mês”.
Situação considerada “insustentável” pelo diretor da Volt. “Estamos apresentando a média dos cortes, mas tem usina que foi cortada em 50% ou até 60% da produção. Então, é insustentável esta sequência de recordes que estamos batendo e as usinas tendo que viver com receitas muito aquém do necessário para honrar seus compromissos”, disse Donato da Silva Filho.
No mês de outubro, os cortes de geração renovável concentraram-se no Rio Grande do Norte (43,8%), Ceará (34,9%), e Minas Gerais (30,8%). Conforme detalhou o estudo, em Minas, eles acontecem em sua maioria por razões energéticas, ou seja, causados pelo excesso de geração, quando há mais oferta do que consumo.
Medida provisória visa regular o serviço
Para o diretor da empresa de consultoria, o longo período de incentivo à geração de energia renovável no Brasil, com oferta de subsídios, sem o acompanhamento da regulação, dos órgãos de planejamento e das outras partes da cadeia do setor de energia foi um dos motivos para a situação atual.
Para resolver esta equação, o estudo da Volt propõe algumas medidas. Uma delas, abordada pela medida provisória 1304 aprovada pelo Congresso na semana passada, é o ressarcimento aos geradores pelos cortes da produção de suas usinas.
Conforme o texto aprovado no Congresso, uma das emendas prevê compensações bilionárias aos geradores de energias pelos cortes que vêm sendo impostos pelo ONS. O receio com esta emenda era que os valores ressarcidos fossem repassados aos consumidores, o que não deve acontecer num primeiro momento, conforme o estudo da consultoria Volt.
A medida provisória, que ainda precisa ser sancionada pelo presidente Lula, diz que todos os cortes serão passíveis de ressarcimento, exceto os associados à sobreoferta. Segundo os estudos, por esta regra, os valores a serem ressarcidos devem chegar a R$ 2,8 bilhões aos geradores em todo o País.
No entanto, Minas deverá ser o estado que receberá menos retorno, já que os maiores cortes são os energéticos, ou seja, produção por excesso de oferta. “As usinas de Minas devem ser compensadas abaixo do que a média do Brasil, por ter havido muito corte energético no período. As usinas mineiras devem ser compensadas em torno de 40% dos cortes que teve, enquanto a média do Brasil vai ser em torno de 45% a 50%”, afirmou.
Conta pode chegar ao bolso do consumidor
Para este ressarcimento, conforme o estudo, já existiria um volume acumulado de R$ 3,73 bilhões em todo o País oriundos dos próprios geradores em função de produções aquém dos contratos. Quando eles entregam menos energia do que os contratos estabelecem, e a produção não está veiculada a cortes do ONS, eles devem pagar pelo baixo desempenho.
No entanto, para as novas restrições poderá haver impacto tarifário, uma vez que a MP define que os futuros ressarcimentos devem ocorrer via cobrança de Encargos de Serviços do Sistema (ESS), pagos pelos consumidores na conta de luz.
Dessa forma, Donato Filho defende que os cortes deixaram de ser um fenômeno técnico para se tornar o principal entrave à consolidação da matriz renovável brasileira. “A cada megawatt-hora cortado, desperdiçamos energia limpa, dinheiro público, oportunidades de investimento e a confiança de quem aposta no futuro sustentável do Brasil”, concluiu.
Na visão dele, o que está em jogo não é apenas a operação do sistema elétrico — é a credibilidade do País como destino seguro para capital verde. “Os dados estão postos. As ferramentas existem e as soluções são viáveis. Falta apenas vontade coordenada de agir”, concluiu.
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