Economia

MPF quer barrar o leilão do Parque Linear do Belvedere

MPF quer barrar o leilão do Parque Linear do Belvedere
Crédito: Reprodução/Instagram

O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com ação civil pública para impedir que uma área pública com cerca de 50 hectares, entre Nova Lima e Belo Horizonte, seja leiloada no dia 23 de março, pelo governo federal.  

Já chamada de Parque Linear de BH pelos movimentos que defendem sua preservação, a área no bairro Belvedere pode ser vendida ao setor privado através do Programa Incorpora Brasil – Fundos Imobiliários Federais, da Secretaria de Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados (SEDDM), do Ministério da Economia.

O leilão pretende comercializar 139 ativos federais, dentre os quais se encontra a área de 19 glebas, cortada por uma linha férrea da antiga Rede Ferroviária Federal (RFFSA) e localizada na região mais valorizada da região metropolitana. E como tal, alvo de intensa especulação imobiliária: anunciada como “o destaque desta edição do feirão”, a propriedade já recebeu 38 propostas de compra do mercado.

Para o MPF, porém, essa região não pode ser leiloada por uma série de fatores e impedimentos legais, tanto ambientais quanto patrimoniais. Pertencente à Reserva da Biosfera da Serra do Espinhaço, berço de diversas nascentes, e atravessando a Estação Ecológica do Cercadinho, um dos principais mananciais de água da Capital, a área é, segundo o Ministério Público, fundamental para a sustentabilidade ambiental de Belo Horizonte e Nova Lima.

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A ação deixa claro os riscos de crescimento desordenado do local, com a construção de mais prédios em uma região já densamente povoada e com intensos problemas de tráfego. De acordo com o procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva, que está à frente da ação, “os potenciais riscos ambientais são imensuráveis”.

“Devido à sua localização topográfica, imediatamente adjacente à Serra do Curral, a região desempenha importante papel no abastecimento hídrico de toda a Região Metropolitana de Belo Horizonte”, disse Silva.

“Mesmo com eventual obtenção das licenças ambientais ordinárias, o potencial lesivo da autorização de construções de empreendimentos imobiliários no local fica evidente diante do aumento da área impermeável, o que diminuirá a capacidade de absorção da água e, em consequência, o abastecimento do aquífero”, explicou o procurador da República.

O MPF também adverte para os danos ao patrimônio cultural decorrentes da disponibilização do ramal Ferroviário de Águas Claras para a iniciativa privada, que já anunciou a possibilidade de sua remoção e construção de uma rodovia no local. Implantado na década de 1970, o antigo trem de minério circulava entre Brumadinho e a Estação Águas Claras, na divisa de Belo Horizonte e Nova Lima, e encontra-se desativado.

No entanto, leis federais e estaduais protegem linhas e ramais ferroviários, reconhecendo seu relevante interesse cultural. “Na prática, o que estamos vendo é que a SPU vem ignorando solenemente todo o arcabouço legal que incide sobre aquele patrimônio ferroviário, não tendo se desincumbido da obrigatória demonstração de impossibilidade de sua destinação turística ou cultural”, afirmou o procurador, referindo-se à Superintendência de Patrimônio da União, órgão do Ministério da Economia que é responsável pela área.

A ação do MPF ressalta que já existem diversos projetos que envolvem o aproveitamento turístico do local, com a preservação ambiental e cultural da região e do patrimônio ferroviário lá existente. Moradora do local, a jornalista Laura Lima defende que a área tem função social.

 “Ela já funciona como parque. É uma área de passagem para moradores e trabalhadores, com árvores, um mirante para contemplar a cidade, tudo isso em um local onde as pessoas fazem ensaios fotográficos, andam de bicicleta e caminham por trilhas. Queremos oficializar como Parque Linear de BH um parque que já é real para quem o utiliza”, afirma a jornalista.

Movimento começou em 2012

Junto à Associação de Moradores do Belvedere, Laura e o marido Benny Cohen lutam desde 2012 para que o local se transforme em uma área para usufruto de toda a cidade, nos moldes do High Line Park, em Nova York, coincidentemente implantado sobre uma linha férrea abandonada.

Nestes dez anos, os moradores plantaram 900 árvores no local, combateram o fogo que aparece todos os anos e fizeram mutirões de limpeza. Ao mesmo tempo, procuraram e obtiveram o apoio da Câmara e da PBH junto à SPU para o pedido de cessão com encargos do local. Segundo Laura Lima, não haveria despesas para o poder público, que seriam arcadas pela Associação em parceria com empresários.

A ação do MPF cita outros projetos propostos para a área, além da implantação da estrutura de lazer do Parque Linear. Um deles é a criação de trem turístico ligando Belo Horizonte ao Instituto Inhotim, em Brumadinho, com o aproveitamento dos trilhos ainda em bom estado no trecho.

 “O projeto federal de alienação de bens da União ao setor privado destina-se a imóveis e terrenos ociosos e abandonados, o que não é o caso da área em questão”, salientou o procurador Carlos Bruno Pereira da Silva. “É público e notório que a região da linha férrea já serve ao interesse social, funcionando de fato como parque ecológico aberto ao público, ainda que não formalizado”, completou.

Prova do engajamento popular na criação do Parque está na página do movimento no Instagram, que tem mais de 6.000 seguidores. Moradores e visitantes se manifestam através de depoimentos em vídeo, texto e fotos, inclusive belo-horizontinos famosos como Samuel Rosa, do Skank, Eduardo Costa, Cláudio Venturini e Fernanda Takai, entre vários outros.  

O presidente da Associação dos Amigos do Belvedere, Ubirajara Pires, destaca que a mobilização popular deve ser permanente. “As pessoas estão apoiando a nossa causa porque sabem como é importante a sustentabilidade para o presente e para o futuro das novas gerações, que estão crescendo em apartamentos, com falta de espaço e sem contato com a natureza. A área é do governo federal, ou seja, ela é nossa, para ser usada em benefício da sociedade”, diz.

Ele espera que o governo federal perceba a representatividade do movimento e, caso isso não aconteça, vão “continuar lutando”, como já fizeram no caso da Estação Ecológica do Cercadinho, causa anterior da associação que foi aprovada pela Assembleia e promulgada pelo governador Aécio Neves. “Vamos procurar todos os caminhos possíveis. Se necessário, iremos à Brasília, reivindicar um direito do povo de Belo Horizonte e de Nova Lima”, conclui.

O Ministério da Economia, ao qual respondem a SPU e a Secretaria de Desestatização, comunicou, através de sua Gerência de Relacionamento com a Imprensa, que não irá comentar o assunto. 

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