Mudanças urgentes: um capitalismo consciente e civilizado? (II)
Nair Costa Muls*
O reconhecimento da necessidade de mudar o modelo econômico ocidental, que só tem trazido no seu bojo uma escandalosa desigualdade social e uma inominável concentração da renda no topo da pirâmide social, tem sido generalizada, como dissemos no artigo anterior.
O mais inusitado é que esse posicionamento tem partido, em grande parte, do mundo dos negócios. Ladislau Dowbor, numa sequencia de artigos (Paradigmas para uma Economia de Francisco, in Outras Palavras, 22 e 23/10/2019) analisa com acuidade esse movimento.
Tomando, sobretudo, o estudo já citado “As novas regras para o século XXI”, do Roosevelt Institute, chama a atenção para alguns pontos fundamentais do referido estudo, que considera “um choque de realismo para que o próprio capitalismo volte a funcionar”: um choque interno de lucidez por parte de quem conhece o sistema em profundidade:
a necessidade de redução do poder corporativo e de resgate do poder público ;
o reconhecimento de que o governo é a base para as instituições e bens tangíveis da vida cotidiana de uma nação: escolas, saúde, segurança, estradas e pontes, alimentos e medicamentos mais saudáveis; ar e água mais limpos;
a prevalência do capital financeiro, fazendo das corporações uma máquina rentista, que extrai da economia ao invés de contribuir, e conversão de seu poder econômico em poder político, que torce as leis para gerar mais poder financeiro;
necessidade de um sistema financeiro público para sustentar, ordenar e estimular a qualidade dos serviços prestados pelo mercados;
os conselhos de administração das corporações deveriam abrir espaço para a inclusão de uma proporção substantiva dos trabalhadores da empresa e de uma faixa mais ampla de stakeholders, que não só os acionistas e diretores, para que se possa atender aos interesses maiores da empresa e da sociedade em geral;
Aumento das alíquotas tributárias a serem pagas pelas grandes corporações e grandes capitais;
Reconhecimento de que o processo global de avanço científico-tecnológico tem sido gerado nos sistemas públicos de ensino e pesquisa e que é obrigação moral das corporações e empresas o pagamento dos impostos devidos pelo usofruto desses conhecimentos gerados no sistema público.
Ladislau Dowbor lembra ainda dois posicionamentos sumamente importantes e significativos, pois vêm de setores tops do mundo dos negócios. O primeiro deles, de 2019, no quadro do BRT (Business Round Table), quando 181 das maiores corporações mundiais assinaram carta de compromisso, redefinindo seu objetivos ( inclusive o primeiro e o maior de todos: tudo pela potencialização dos interesses de seus acionistas), e assumindo posições de respeito aos consumidores, empregados, fornecedores e a sustentabilidade como objetivo assim como o respeito às comunidades nas quais possam estar inseridas. O segundo, a tomada de posição dos 130 maiores bancos do mundo que também assumem o propósito de alinhar suas atividades com Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em suas diferentes linhas, assim como assegurar maior transparência e uma governança interna responsável.
Se esses dois posicionamentos vão ser efetivados… veremos!… Mas o fato é esses movimentos citados se colocarem a favor da mudança de modelo econômico, defendendo uma economia viável, com retorno para os acionistas sim, mas fundamentalmente uma economia do bem comum, que possa servir à sociedade; portanto, uma economia mais justa, mais sustentável e inclusiva.
Para isso, segundo eles, é também necessário recuperar o papel do Estado no planejamento, no direcionamento dos recursos e na fiscalização correta dos lucros e impostos, pois o fortalecimento do Estado é central para o funcionamento da economia em geral! Nós outros, simples mortais, também somos responsáveis por tudo isso. Isolados, ameaçados pela doença e pela morte, podemos aproveitar a quarentena para nos repensarmos e repensarmos o mundo, exigindo e colaborando para as mudanças necessárias.
*Doutora em Sociologia, professora aposentada da UFMG/Fafich
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