Economia

Mulheres enfrentam barreiras profissionais

Mulheres enfrentam barreiras profissionais
A ausência de equidade entre os gêneros permanece nas atividades profissionais | Crédito: Charles Silva Duarte

Já entramos na terceira década do século 21 e, por mais incrível – e assustador – que pareça, o mundo inteiro ainda discute e sofre com a falta de equidade entre os gêneros no mundo do trabalho.

A terceira parte da pesquisa “Global Learner Survey”, realizada pela Pearson em parceria com a Morning Consult, que ouviu 6 mil mulheres em seis países (Estados Unidos, Reino Unido, Brasil, México, Índia e China), revela que elas ainda enfrentam barreiras na carreira, segurança e independência dignas do século atrasado. 74% das entrevistadas acreditam que todos os tipos de preconceito e discriminação ainda são pontos difíceis na hora de buscar novas oportunidades de trabalho, sendo que 65% afirmaram que a discriminação de idade é a principal questão a ser combatida.

O estudo ainda mostra que pelo menos 75% das entrevistadas nos EUA, Reino Unido, Brasil e Índia temem que as incertezas financeiras criadas pela pandemia tenham colocado muitas mulheres em situação de violência doméstica.

A boa notícia é que ao passo que a situação se tornou ainda mais crítica em muitos lugares, outras mulheres avançam por territórios extremamente ocupados pelos homens e levam diversidade para setores como tecnologia, finanças e ciências.

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O mundo das startups é um bom exemplo de como as mulheres ainda estão longe de atingir um patamar minimamente justo. Segundo o Mapeamento do Ecossistema 2021, divulgado pela Associação Brasileira de Startups (ABStartups), entre os fundadores das empresas de base tecnológica, apenas 10% são mulheres. No caso de mais de um fundador com maioria masculina, corresponde a 5,6%. Mais de um fundador e mesma proporção entre os gêneros, 4,4%. E o mesmo caso com maioria feminina, cai para 1,1%.

Para a vice-presidente da ABStartups, Ingrid Barth, a situação vem melhorando, porém ainda há um longo caminho a ser percorrido, a começar pela própria criação das crianças.

“Se você tem filhas e as cria para se interessarem sempre pelos mesmos assuntos, isso não vai mudar. Você tem que despertar a curiosidade para que ela conheça outras possibilidades. E também criar meninos que tenham os sentimentos de igualdade e equidade. As empresas devem entender que tratar as mulheres com igualdade de condições, deixar que o trabalho delas apareça, é cumprir a legislação e faz bem para os negócios. A maternidade talvez seja o ponto mais crítico. Aconteceu comigo, adiei a maternidade porque a minha empresa estava escalando. Uma empresa que tem uma postura empática em um momento tão especial, vai gerar funcionários mais felizes, engajados e fiéis”, analisa Ingrid Barth.

Pesquisa científica – A maternidade – sempre tão comemorada pela sociedade – pode se tornar um castigo para quem tem sonhos de uma carreira que chegue aos cargos mais altos. De acordo com a analista de Oportunidades e Parcerias da Fundação de Desenvolvimento da Pesquisa (Fundep), Priscila Souza, embora estejam presentes nas universidades, poucas mulheres conseguem efetivamente liderar pesquisas e chegar aos postos mais altos. E isso está bastante ligado à trajetória clássica de um cientista no Brasil.

Segundo a Organização dos Estados Ibero-americanos (OEI), o Brasil tem a maior porcentagem de artigos científicos assinados por mulheres na América Latina e na comunidade ibero-americana. Entre 2014 e 2017, o País publicou cerca de 53,3 mil artigos, dos quais 72% são assinados por pesquisadoras e a proporção de mulheres inventoras no país subiu de 11% para 17% nos últimos 20 anos, de acordo com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

“A ciência tem um fluxo de carreira que demanda muito tempo. Nas universidades públicas, para ser pesquisador, tem que ser professor, tem que dar aula obrigatoriamente. Além do tempo para o magistério, a pessoa tem que ter tempo para estruturar o projeto, alavancar recursos, conseguir equipe, fazer a coordenação técnica e financeira do projeto. Então muitas mulheres, na hora da maternidade, acabam deixando a pesquisa. Muitas abrem mão da maternidade ou deixam para mais tarde. Culturalmente ainda carregamos a figura ‘d’O cientista’. Eles estão lá, são os orientadores. A cultura machista ainda existe, embora esteja diminuindo”, afirma Priscila Souza.

Priscila Souza: poucas mulheres chegam aos postos mais altos | Crédito: Divulgação

Mercado financeiro – Nada muito diferente do setor de finanças. Embora ao longo dos séculos as mulheres já nasçam economistas fazendo a gestão da casa e gastos com os filhos, poucas investem e menos ainda tem no mercado financeiro palco da sua atuação profissional.

Para a fundadora do Ella’s e head de Growth da Galápagos Capital, Rebeca Nevares, as crenças de que matemática não é para meninas e de que mulher gasta muito – ainda não ultrapassadas – já começam a minar a atuação das mulheres no mercado financeiro na base. Até 1962, por exemplo, as mulheres só poderiam trabalhar fora de casa e abrir contas em bancos se tivessem a autorização do marido. E a dificuldade se estende, ainda hoje, até o famoso happy hour entre colegas do setor.

“Nos empoderamos desse conhecimento há pouco tempo. Essas coisas, que parecem pequenas, vão se acumulando e criam uma cultura. Só vejo movimento no mercado financeiro de acolhimento às mulheres há uns cinco anos apenas. Até aqui, a mulher estava sempre voltada para o doméstico e o marido toma conta do patrimônio. Falta educação financeira no Brasil. Se queremos mais poder, mais liberdade, precisamos lidar melhor com o dinheiro. A liberdade faz com que qualquer um tome melhores decisões. Educar uma mulher é educar uma comunidade. Ao mesmo tempo, temos que olhar para os meninos e criar homens para lidar com essas mulheres fortes e nossos aliados. Não adianta falar só de finanças, temos que trabalhar pilares como: carreira, autoestima e relacionamentos. O dinheiro é uma ferramenta para isso”, destaca Rebeca Nevares.

Rebeca Nevares: a mulher estava sempre voltada para o doméstico | Crédito: Divulgação

“Mesmo que sutil, ainda enfrentamos preconceitos”

A diferença entre o número de homens e mulheres nos cargos de alta liderança, a favor dos homens, não é explicada por distinções na motivação de ascender ou liderar. É o que revela a pesquisa “Perspectivas sobre os Desafios do Pipeline de Liderança”, realizada pela Robert Half e pelo Insper.

De acordo com o estudo, ao longo do pipeline de liderança, os profissionais enfrentam dois grandes receios em relação à ascensão: preocupações sobre competência (medo de falhar e não possuir as competências necessárias para o próximo nível) e preocupações sobre o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho. A pesquisa mostra que a discrepância na participação de mulheres e homens em cargos de liderança não está associada ao mito de que as mulheres possuem maiores preocupações em relação ao equilíbrio vida pessoal-trabalho, de que não sentem motivação para liderar, ou até mesmo de não se enxergarem como líderes. Mulheres e homens têm o mesmo nível de motivação para ascender na carreira e alcançar cargos de liderança.

De acordo com Tatiana Iwai, professora do Insper responsável pela pesquisa, ainda que a noção arraigada de “think leader, think male” (pense líder, pense masculino) venha se enfraquecendo, ela continua presente nas organizações.

“A atual menor representatividade de mulheres em posições mais altas na hierarquia não se explica por diferenças fixas e estáveis entre homens e mulheres, mas muito mais pela falta de incentivos e práticas organizacionais que realmente forneçam as condições e oportunidades para as mulheres ascenderem”, ressalta Tatiana Iwai.

A presidente do DIÁRIO DO COMÉRCIO, Adriana Muls, fez um longo caminho até chegar ao comando da empresa familiar que já se prepara para completar seu centenário em 2032. Formada em Comunicação Social com ênfase em jornalismo, em 1995, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), ela é pós-graduada em marketing pela Fundação Getulio Vargas (FGV). Após atuar em várias áreas da comunicação, como assessora de imprensa, produtora de conteúdo, atendimento em agência de publicidade e de marketing político, comunicação empresarial, acabou atuando em projetos de alta complexidade e se especializou  em comunicação para mobilização social e gestão de crise.

“Neta do fundador do DIÁRIO DO COMÉRCIO, o jornalista José Costa, tive minha primeira passagem pelo DC ainda como estudante de jornalismo, em 1992/1993, trabalhando na produção do Rotativa, jornal interno da empresa. Depois de formada, fiz alguns trabalhos como freelancer para o JORNAL DE CASA e para o DIÁRIO DO COMÉRCIO. Uma das produções mais marcantes que me lembro para uma jovem iniciando carreira, foi uma entrevista com o empresário José Alencar, que viria a ser vice-presidente da República. Mas minha opção, naquela época, foi, em primeiro lugar, ter uma experiência fora do Brasil e mais contato com o país de origem do meu pai – a Bélgica. Na volta, decidi seguir minha profissão fora do jornal. Queria ter outras experiências que ampliassem o meu olhar”, relembra Adriana Muls.

A volta ao DC aconteceu só em 2006, com o objetivo de criar o Prêmio José Costa. Em 2015 assumiu como gestora de Relacionamento e, no ano seguinte, a posição de diretora de Relacionamento. Em 2019, após um processo de sucessão, assumiu a presidência.

“Acompanhava o DIÁRIO DO COMÉRCIO – comandado pelo meu irmão, Yvan Muls, e meu tio, Luiz Carlos Costa – com muita atenção e carinho, claro. Nunca imaginei – e não era o meu objetivo – que um dia assumiria a presidência do jornal. Mas o caminho pra chegar aqui foi de muita construção conjunta. Aceitei o desafio porque entendi que era hora de dar um outro tom para o jornal. E porque havia um consenso entre nós. O objetivo era conduzir o DC e as transformações digitais sem deixar de honrar a essência e trajetória do conteúdo sempre voltado para contribuir com o desenvolvimento e fortalecimento de Minas e do Brasil. Mas era preciso mudar o tom”, pontua.

Adriana Muls: senti, sim, um olhar de surpresa de alguns | Crédito: Michelle Mulls

Apesar de acostumada com os meios jornalístico e empresarial, a nova presidente se viu alvo de alguns olhares – sempre discretos – mas ainda desconfiados. A sensação é, segundo pesquisa do Sebrae Minas, recorrente entre as mulheres que sobem na hierarquia empresarial.

O estudo mostra que 52% das empreendedoras mineiras já sofreram preconceito por serem mulheres e terem atuado em uma posição de comando. Dentre as brancas, foram 54% e, dentre as negras, 49%. E, apesar da notória representatividade feminina no setor de serviços (45,5% das entrevistadas), apenas 31% das mulheres atuam em áreas ou exercem atividades relacionadas à engenharia, tecnologia e matemática, enquanto entre os homens esse percentual chega a 53%.

A força para seguir veio da qualificação e da própria história familiar. Segundo Adriana Muls, o peso foi substituído por um enorme senso de responsabilidade vindo de um processo de sucessão bem feito, e do alinhamento que existe entre ela e o irmão no operacional e o tio à frente do Conselho.

“Quando assumi, senti, sim, a surpresa no ar em alguns ambientes. Mas também recebi muitas demonstrações de afeto e depoimentos de satisfação, de solidariedade pelo fato de uma mulher assumir o comando de um jornal. Não sei quantas há no Brasil mas, certamente, são poucas. E claro, acho que ainda, mesmo de uma forma bastante sutil, enfrentamos preconceitos. Às vezes, no desvio de um olhar que insiste em se direcionar para outro homem em algumas conversas, outras, em uma dificuldade de escuta. Mas acho também que nós, mulheres, precisamos estar o tempo todo vigilantes para não sermos também agentes de disseminação de um preconceito que está bastante arraigado na nossa cultura”, defende a presidente do DIÁRIO DO COMÉRCIO.

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