Municípios enfrentam desafios com sonegação da Cfem por mineradoras

Além de conviver com a necessidade de diversificar a economia para não depender apenas da mineração, os municípios ainda têm desafios de lidar com a sonegação das mineradoras. Uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) revelou que o setor mineral tem sonegado um valor considerável da Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem) que seriam repassadas para as prefeituras, gerando uma perda bilionária e prejuízo para as cidades.
O órgão identificou que, entre 2017 e 2022, 69,7% dos titulares de 30.383 processos ativos de concessão de lavra e licenciamento não pagaram espontaneamente os royalties. E que, nos 134 processos fiscalizados pela Agência Nacional de Mineração (ANM), em que houve o recolhimento espontâneo, o percentual médio de sonegação foi de 40,2% – o que equivale a um R$ 12,4 bilhões que não foram arrecadados considerando o período de 2014 a 2021.
Ainda segundo o TCU, pelo menos R$ 4 bilhões já foram perdidos de forma definitiva entre 2017 e 2021, por decadência ou prescrição, o que significa que não podem mais ser cobrados. Mais da metade dessa cifra corresponde a pagamentos que deveriam ser efetuados pela Vale.
Entre os municípios mais prejudicados com os valores prescritos ou decaídos, deixando de receber mais de R$ 200 milhões cada, estão três de Minas Gerais, além de um do Pará (Parauapebas). Foram eles: Ouro Preto, Mariana e Itabira, todos localizados na região central.
O conteúdo continua após o "Você pode gostar".
Vício de sonegação
Conforme o consultor de Relações Institucionais e Desenvolvimento Econômico da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (Amig), Waldir Salvador, o tribunal já havia realizado auditorias em 2010, 2012, 2018, mostrando que há um vício de sonegação endêmico na mineração brasileira. Segundo ele, o governo federal “assiste” essa situação, o que acaba se transformando em uma condição de impunidade para as empresas do setor mineral.
“A mineração faz no Brasil uma autorregulação, ela funciona como acha que deve. No caso dos royalties, as empresas pagam como querem, quando querem e se querem”, enfatiza.
“Costumamos falar na Amig, onde acompanhamos isso há anos, e temos visto piorar gradativamente, que aqueles que não pagam tributo – que não é o caso da Cfem – sonega, mas quem não paga royalties comete crime de lesa-pátria, porque royalty é o preço que o País cobra para entregar seu ativo, pois o minério é da nação e é cedido às empresas por meio de uma concessão”, reitera, ressaltando que o valor cobrado pelo Brasil é um dos menores do mundo.
Danos para as cidades
Salvador recorda que Itabira, uma das mais impactadas pela sonegação, está prestes a enfrentar a exaustão mineral, daqui a 16 anos, e ainda precisa conviver com esse tipo de prejuízo. Sobre Ouro Preto, ele cita que a cidade, além dos R$ 200 milhões, tem outros R$ 400 milhões de crédito de Cfem já apurado em atraso relativos ao período de 1996 a 2005. O consultor sublinha que um valor como esse, para um município que perdeu arrecadação nos últimos tempos, é relevante.
Falta de estrutura da ANM atrapalha a fiscalização
A Agência Nacional de Mineração é responsável por controlar os pagamentos de Cfem, entretanto, o sucateamento da autarquia atrapalha a fiscalização. Para Salvador, as mineradoras conhecem a situação da ANM e se aproveitam dessa falta de estrutura para não pagarem.
A ANM foi procurada às 15:12 desta quinta-feira (3), mas, até a última atualização desta reportagem, não havia se posicionado.
Já o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), representante de parte das mineradoras, reafirmou seu compromisso com o fortalecimento da agência no que se refere à recomposição do quadro de funcionários e à garantia de recursos financeiros adequados para seu pleno funcionamento.
“ Defendemos, ainda, o não contingenciamento dos 7% da Cfem destinados à agência, medida essencial para que a ANM possa desempenhar suas funções de forma eficaz e eficiente”, disse.
Ouça a rádio de Minas