Economia

Nova lei amplia a questão da não-concorrência de franquias

Nova lei amplia a questão da não-concorrência de franquias
Thaís Kurita: crise não justifica a quebra desta cláusula | Crédito: Divulgação - Novoa Prado Advogados

Considerado resiliente nas piores crises, nem mesmo o setor de franchising passou ileso na crise econômica deflagrada pela Covid-19. O número de lojas fechadas em 2020 deu um salto, gerando um saldo negativo de 2,6% na comparação com 2019, segundo o relatório Desempenho do Franchising 2020, divulgado pela Associação Brasileira de Franchising (ABF). Os números de 2021 ainda não foram divulgados, mas há expectativa de uma boa recuperação, apontando para uma proximidade com os patamares pré-pandemia.

Um fenômeno, porém, as reclamações e processos pelo descumprimento da cláusula de não concorrência, vem aumentando e pode ser, em parte, explicada pela crise econômica ou pode apontar para algo bastante mais grave: a desconsideração pelo instituto do contrato.

Esses casos são caracterizados pela situação em que o ex-franqueado continua operando o negócio mesmo após o encerramento do contrato e a assinatura do distrato. Os contratos de franquia têm uma cláusula de não concorrência, determinando o prazo mínimo em que o franqueado deve permanecer longe da atividade após o distrato.

De acordo com a advogada especializada em franchising do escritório Novoa Prado Advogados, Thaís Kurita, com a nova Lei de Franquias (Lei 13966/2019), ficou ainda mais claro que essa questão é fundamental para que o sistema de franchising mantenha suas características de transferência de know-how e tecnologia.

“A crise econômica não justifica plenamente a quebra desta cláusula porque dificilmente um franqueado que não consegue pagar os royalties e manter uma unidade de franquia aberta, vai ter condições de manter um negócio próprio. Em mais de 20 anos no setor nunca vi isso acontecer. Esses casos estão muito mais ligados a uma descrença na punição e um desrespeito explícito ao contrato”, avalia Thaís Kurita.

Um dos pontos mais importantes abordados pela lei é relacionado à situação do franqueado quando se encerra o contrato de franquia. No artigo 2º da lei, inciso X, diz que a Circular de Oferta de Franquia (COF) deve trazer, de forma clara e objetiva, informações que mostrem essa relação, conforme disposto:

XV – situação do franqueado, após a expiração do contrato de franquia, em relação a:

  1. a) know-how da tecnologia de produto, de processo ou de gestão, informações confidenciais e segredos de indústria, comércio, finanças e negócios a que venha a ter acesso em função da franquia; 
  2. b) implantação de atividade concorrente à da franquia;

A nova lei, vigente desde março de 2020, ampliou a abrangência da lei anterior, a 8.955/95, porque incluiu em sua redação a possibilidade de o franqueador ter preservado o know-how transferido ao franqueado, limitando sua atividade após o término do contrato ao não permitir que ele utilize os conhecimentos adquiridos na franquia para ter um negócio independente, por exemplo.

“Numa primeira situação, não é justo que o ex-franqueado continue utilizando o nome da franqueadora sem pagar os deveres estabelecidos, se valendo dos atributos da marca e não informando ao consumidor que os produtos e serviços não têm a mesma procedência, características  e qualidade. E há um segundo caso, igualmente grave e passível das mesmas punições, que é quando o ex-franqueado se vale do conhecimento adquirido em gestão para montar um negócio concorrente, como no caso de um ex-franqueado de uma rede de escola de idiomas que abre uma escola de inglês no mesmo ponto”, explica a advogada.

Quase todos os contratos preveem essa situação e, além de multa, impõem uma quarentena – via de regra cinco anos – para que o antigo parceiro possa voltar a atuar no mesmo segmento, inclusive sob a bandeira de uma outra franqueadora.

Direito do franqueado

A legislação, porém, resguarda o direito ao trabalho. No caso de um dentista, por exemplo, que deixa uma rede de franquias de consultórios odontológicos, ele pode trabalhar como dentista em outra clínica, mas não pode abrir uma clínica se valendo dos conhecimentos adquiridos em gestão na rede original.

“Quando um empreendedor entra para uma franquia, ele não recebe apenas produtos e serviços para serem comercializados. Ele recebe, principalmente, conhecimento sobre como fazer negócio, como fazer a gestão daquele empreendimento evitando erros comuns de quem está começando. O grande valor que o sistema de franchising oferece ao franqueado é ter um negócio que já foi testado e tem as boas práticas manualizadas. Uma coisa é ser professor, outra é ser dono ou gestor de uma escola, por exemplo. Por isso é considerado uma deslealdade alguém utilizar o conhecimento adquirido em uma rede para fazer concorrência a ela”.

A cláusula de não concorrência é considerada pela especialista também uma proteção ao sistema. Toda vez que alguém não cumpre a regra o prejuízo é rateado pela rede. Tem alguém usando de graça um direito que outros pagam por ele.

Outros países em que o sistema de franchising é igualmente consolidado, como no Brasil, a exemplo dos Estados Unidos, também têm cláusulas parecidas. A ideia é que um ambiente de negócios em que o desrespeito ao contrato é tolerado acaba se tornando inseguro e insalubre para empresas, empreendedores, investidores e consumidores. E isso pode e deve ser evitado.

“Primeiro tem a concorrência direta: tem alguém vendendo o mesmo produto ou serviço que você. E depois tem alguém usando direitos e serviços pelos quais você paga, ou seja, você está pagando no lugar dele. A nossa regra é ‘importada’ dos Estados Unidos. Lá, que tem um capitalismo mais desenvolvido, as questões de concorrência são avaliadas há muito mais tempo. O resultado é que o desrespeito à regra é bem menor e as punições maiores”, completa a advogada do Novoa Prado Advogados.

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