Pacote do governo deve injetar R$ 150 bi na economia neste ano

O governo federal anunciou ontem pacote de estímulo à economia que inclui medidas já anunciadas, como a liberação de recursos de contas do FGTS, antecipação do 13º salário de aposentados e pensionistas do INSS, criação de um programa de microcrédito digital e ampliação da margem de empréstimos consignados. O conjunto de ações foi chamado pelo governo de Programa Renda e Oportunidade e tem o objetivo de injetar recursos da ordem de R$ 150 bilhões na economia até o final de 2022.
A liberação de saques do FGTS deve beneficiar 40 milhões de empregados e colocar em circulação R$ 30 bilhões, com valores de até mil reais por pessoa. Esta é uma reedição de medida adotada pelo atual governo em 2020 como ação de enfrentamento à crise gerada pela pandemia da Covid-19.
“O valor fixado como limite para o Saque Extraordinário não comprometerá financeiramente o FGTS e não reduzirá as operações de apoio aos setores de habitação, saneamento e infraestrutura”, garantiu em nota o Ministério do Trabalho e Previdência, ressaltando que o fluxo projetado permite a manutenção de reserva técnica exigida para o fundo.
Construção civil insatisfeita
O que não convence o presidente do Sinduscon-MG, Renato Michel, que vê “com muita tristeza” as ações do governo. “Me parece muito equivocada esta política de usar um recurso que tem propósito específico de habitação, saneamento e infraestrutura, para injetar dinheiro na economia. Essa desvirtuação é muito ruim”, avalia Michel.
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Segundo ele, o governo deveria estar investindo na construção civil, que é uma indústria de resultados imediatos, já que não precisa de construir uma fábrica para começar a gerar emprego e renda. “Foram 500 mil empregos criados na construção nos últimos dois anos, um movimento fundamental para a retomada do pós-pandemia”, cita.
Michel diz que esse “caminho fácil” já foi testado e não criou o impacto que se esperava. Ao contrário de qualquer estímulo à construção civil, cujo PIB foi de 9,7%, bem maior que o PIB geral. Ele lamenta o que chamou de “duas pancadas” sobre as famílias de baixa renda esta semana: o aumento dos juros e o saque de recursos que constituem o funding do programa Casa Verde Amarela.
“Os juros não vão resolver o problema da inflação, que não é de demanda. E com esses mil reais do FGTS, a pessoa vai comprar alguma coisa comprada na China. Com medidas tão contraditórias, parece que eles não estão conversando. Pois não faz sentido aumentar os juros para conter o consumo e injetar dinheiro na economia para aumentar o consumo de uma forma artificial”, questiona Michel.
Se o governo quisesse fomentar a economia, diz o presidente do Sinduscon-MG, deveria baixar as taxas de importação dos materiais da construção civil, que tiveram uma inflação de 50% nos últimos dois anos. “O índice nacional da construção civil (INCC) subiu 17% em 12 meses. Só em janeiro, o aumento foi de 4,74%, o que está tirando do mercado 5 milhões de famílias que poderiam adquirir a casa própria”, lamenta. Prova disso é que os imóveis de baixa renda, que chegaram a representar 50% das unidades lançadas pelas incorporadoras, hoje não chegam a 30%.
Antecipação do 13º
O governo anunciou também a antecipação do pagamento do 13º do INSS, medida que foi tomada em 2020 e 2021, em meio à pandemia. O pagamento do benefício deve injetar na economia R$ 56 bilhões em duas parcelas de R$ 28 bilhões, a serem pagas em abril e maio.
Para o economista da Associação Comercial e Empresarial de Minas (ACMinas) Paulo Casaca, é complicado chamar de pacote de estímulo medidas como o saque do FGTS ou a antecipação do 13º dos aposentados. “Não é dinheiro novo. São recursos que já existem e entrariam na economia mais à frente. São medidas positivas, é claro, aquecem a economia no curto prazo. Mas o 13º vai faltar no final do ano”, observa.
Segundo Casaca, se elas vão surtir efeito ou não, vai depender dos desdobramentos da guerra entre Rússia e Ucrânia e como ela vai impactar o mundo e o Brasil nas próximas semanas. Se o petróleo e o trigo vão continuar a aumentar, por exemplo, refletindo-se em mais aumento dos preços.
“Medidas emergenciais que poderiam atenuar a alta dos preços dependem da capacidade do governo de obter recursos. Eu não faria isso subsidiando o preço na bomba. O ideal seria um auxílio concedido às famílias mais pobres nos moldes do auxílio emergencial, para mais pessoas. Talvez um auxílio gás”, sugere o economista.
“Vejo este pacote mais como um movimento político, de resultados efêmeros. Efetivo mesmo, se houver espaço fiscal, seria alguma redução tributária. Óbvio que esta não é uma medida de curtíssimo prazo, mas o País precisa de uma reforma tributária que troque esses ICMS, PIS, Cofins por um imposto de valor agregado”, conclui Casaca.
A antecipação do 13º salário aos mais de 36 milhões de aposentados e pensionistas do INSS agrada ao comércio. Entidades como a Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH) comemoraram a notícia. “Esses recursos chegam em momento essencial, já que o cenário inflacionário vem sufocando a capacidade de pagamento e o poder de compra das famílias e muitos trabalhadores estão endividados”, destacou o presidente da CDL-BH, Marcelo de Souza e Silva.
De acordo com o dirigente, a renda em circulação pode aquecer o comércio e também reduzir a inadimplência. “Tradicionalmente as pessoas que estão endividadas utilizam o 13º salário para quitar seus débitos. Nosso conselho para este momento é que o dinheiro seja utilizado para quitar as dívidas que apresentam maiores juros, como cartões de crédito e as básicas como água e luz, pois esses são os principais débitos atuais dos belo-horizontinos. Já para os que não estão endividados, é um bom momento para adquirir bens de valor que estejam desejando há algum tempo”, aconselha Souza e Silva.
O presidente da CDL-BH lembra um fator importante: 91% dos brasileiros com mais de 60 anos contribuem financeiramente para o sustento da casa e 52% são os principais responsáveis, como revelou última pesquisa da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) e Serviço de Proteção ao Crédito (SPC Brasil). “Esses aposentados são arrimo de família, e proporcionar a esses provedores a antecipação de renda vai permitir que eles paguem suas dívidas e consumam, o que, certamente, vai refletir positivamente no comércio”, finaliza.
Com especialização em Direito Financeiro pela FGV, e Empreendedorismo, pelo MIT, o diretor da Byebnk Investimentos, Theo Lamounier, tem dúvidas se a antecipação do 13º produzirá os efeitos esperados. “É um dinheiro que já seria pago ao longo do ano e está sendo antecipado em um momento fraco do varejo para tentar reaquecer a economia. Antecipa-se uma receita a pessoas que gastarão de uma maneira não planejada e podem acabar fazendo um gasto errado. Podem por exemplo acabar consumindo com o dinheiro, ao invés de pagar uma dívida”, argumenta Lamounier.
Ele vê com bons olhos a liberação do FGTS, que considera uma medida positiva. “É um dinheiro do trabalhador que fica retido e que não seria acessado nesse momento, então é um dinheiro novo injetado na economia”, diz.
Para o operador do mercado financeiro, tais medidas surtirão efeito nos dados macroeconômicos, já que é mais dinheiro colocado na economia. “A dificuldade, nesse momento, é saber se, além do dado macroeconômico, a microeconomia, onde as pessoas estão se movimentando, está se beneficiando ou não. Se o consumo gerado por esse dinheiro terá o condão de melhorar a vida das pessoas”.
Medida emergencial na economia nunca deve ser adotada, desaconselha Lamounier. “A economia tem seus próprios ciclos, suas próprias reações, não é organismo de ação e reação direta. Quando se faz algo em termos emergenciais, não se consegue, necessariamente, que essa ação, mais na frente, tenha os efeitos esperados. O que deveria ser feito é um planejamento para melhorar a economia a médio e longo prazos, que teria um efeito duradouro e, de fato, melhoraria a vida das pessoas”, conclui.
Empréstimo consignado
Uma medida provisória ampliará a margem de empréstimo consignado dos atuais 35% do valor do benefício para até 40%. Segundo o governo, além dos aposentados e pensionistas do INSS, a MP autoriza que cidadãos que recebem o benefício assistencial do BPC ou que participem do programa Auxílio Brasil também tenham acesso a essa modalidade de empréstimo. A estimativa oficial é de que as mudanças viabilizem cerca de R$ 77 bilhões em empréstimos consignados para esses públicos.
Também foi lançado novo programa de microcrédito, chamado de SIM Digital, que será voltado a pessoas físicas e jurídicas com renda ou receita bruta anual de até R$ 360 mil. A medida não tem impacto fiscal e contempla R$ 3 bilhões em recursos do FGTS para aquisição de cotas do Fundo Garantidor de Microfinanças (FGM), que será usado como garantia.
As medidas do pacote não impactam as contas do governo. No caso da antecipação do INSS, os recursos já estão previstos no Orçamento de 2022 e haverá apenas uma mudança no calendário de pagamento. Os recursos do FGTS sairão das contas dos trabalhadores. O novo limite para consignado também não afeta o cofre do Tesouro (Com informações da Reuters).
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