Privatização da Eletrobras pode onerar energia

O Brasil está na contramão de países europeus que buscam retomar o controle sobre empresas do setor elétrico. É o que aponta o engenheiro e ex-presidente da Centrais Elétricas Brasileiras (Eletrobras) Aloisio Vasconcelos, após a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) que autoriza o processo de desestatização da empresa. Com a votação encerrada na noite da última quarta-feira (18), o governo federal, que atualmente detém 72,22% da empresa de economia mista, pode ofertar parte de suas ações à iniciativa privada.
Na avaliação de Aloisio Vasconcelos, o modelo utilizado para a desestatização foi razoável. O contraponto, no entanto, está no valor de venda do patrimônio da Eletrobras e, sobretudo, em relação à gestão das águas. “Alemanha, França e Inglaterra estão em processo de estatizar novamente suas empresas. O Brasil está contrário a essa tendência. E isso gera uma preocupação que todo o mundo tem: o controle dos rios. Nas mãos do Estado, isso nunca deu problema”, afirma Vasconcelos.
Ainda de acordo com o engenheiro, as experiências de desestatização no mundo mostram que os custos operacionais sobem, o que, para ele, é um ponto preocupante do lado da população, que pode sentir o repasse dos custos da energia elétrica. Contudo, o especialista destaca que ainda não é possível prever o futuro dos preços para o consumidor cativo.
Efeito sobre as cotas
Conforme explica a pesquisadora Rosana Santos, da Fundação Getulio Vargas – Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura (FGV Ceri), juntamente, ainda que os impactos não possam ser mensurados, a capitalização da Eletrobras terá um efeito sobre as cotas que foram estabelecidas no passado, o que pode gerar mudanças nas tarifas a depender da situação hidrológica no País.
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Caso a desestatização se confirme, os consumidores cativos deixarão de sentir os efeitos da hidrologia, já que a energia gerada pelos ativos da Eletrobras é alocada para as distribuidoras de energia com valores mais baixos. Com a capitalização, essas cotas passadas às distribuidoras poderão não existir mais. Hoje, vale lembrar, as distribuidoras assumem o risco hidrológico, já que a Eletrobras repassa a energia em valores menores.
A partir das eventuais mudanças, a elétrica deverá vender a energia direto no mercado e o risco hidrológico ficará com a própria Eletrobras. “Para o consumidor é uma vantagem se livrar do risco. Em um ano de hidrologia ruim, isso será benéfico. Mas em um ano de hidrologia positiva, não fará tanta diferença”, afirma a pesquisadora.
Para o sócio-diretor da Enecel Energia, Raimundo de Paula Batista, o preço da energia pode sair mais caro ao consumidor cativo, já que as empresas que distribuem a energia nos estados, como é o caso da Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), irão comprar energia mais cara em casos que for necessário barrar o desabastecimento. Ele aponta, ainda, que em um primeiro momento os novos acionistas estarão focados em recuperar o dinheiro investido na compra das ações, o que reforça a ideia de tarifas mais altas para aqueles que compram energia e, consequentemente, para o consumidor.
A preocupação se estende à possibilidade de falta de investimentos em projetos sociais ou de expansão: “o grupo de usinas operado pela Eletrobras evitou que a gente tivesse um problema mais grave, porque as usinas hidrelétricas do Norte do País foram importantes quando tivemos uma crise hídrica e energética. O grupo também participou de grandes projetos de transmissão. E nós não sabemos se isso vai continuar”, afirma Raimundo.
O processo de capitalização
Rosana Santos também diferencia o modelo no qual a Eletrobras será submetida após a decisão do Tribunal de Contas da União. Nesse caso, o governo federal irá diluir sua participação na sociedade de economia mista por meio da venda de ações. A ideia, segundo a pesquisadora, é que a participação do Estado deixe de ser majoritária e chegue a um total de até 45%.
Ela acrescenta, ainda, que o processo prevê que nenhum dos acionistas tenha mais de 10% de poder de voto – e não de ações. Dessa forma, acredita-se, no mercado, que já que uma empresa não pode comprar o controle, como é possível em modelos de privatização, é possível que uma grande empresa não seja atraída para a oferta de ações. Nesse sentido, Rosana Santos afirma que, comumente, fundos de investimentos e de pensões é que devem se interessar pelas mesmas.
Ainda segundo a pesquisadora da FGV, a expectativa é que a oferta aconteça em junho, caso o Governo consiga cumprir ajustes pedidos pelo TCU nas formas de cálculo. Outro ponto de atenção está na possibilidade de profissionais entrarem com ação na Bolsa de Nova York contra a desestatização e postergar o processo, dificultando a conclusão devido à aproximação com o período eleitoral.
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