Quem lidera oposição a Bolsonaro?

O “povo brasileiro’’ definiu, nas urnas, Bolsonaro para governo e PT para “oposição’’. O que não impede que outras forças também façam “oposição’’.
A “situação” vai se desenhando pelos partidos e legisladores eleitos, que aderem ao novo presidente, pela pauta política renovada e pela composição dos ministérios. Processo mais concreto e captável pelo senso comum! Mais fácil de se perceber!
Mais complicada é a formatação da “oposição”. A primeira interrogação é se vai continuar a tentativa de ser o PT, a força hegemônica da esquerda brasileira, dificultando, como aconteceu no segundo turno, a criação de uma verdadeira frente, em defesa da “democracia’’, já que tantos estão vendo por aí uma ditadura nascendo, suplicando por uma “resistência’’ democrática.
Quatro partidos, a meu ver, emergem como possíveis catalisadores da esquerda brasileira, na oposição, além do PT: o PDT de Ciro, Sirley Soalheiro, Heringer e Luppi; o PSB de Carlos Siqueira, Júlio Delgado e Vilson da Fetaemg; o PCdoB de Manuela; e o Psol de Luiza Erundina e de Dirlene Marques, ex-candidata a governadora. Maiores condições de fazer convergir esse campo político tem Ciro e seu PDT, se por um milagre conseguirem unificá-lo. O mais provável é que se formem vários núcleos oposicionistas com suas respectivas hegemonias. O bom observador da política sabe que unir historicamente a esquerda sempre foi uma tarefa difícil. Só se consegue impondo um “pensamento único”. O que liquida com a democracia, tão valiosa quanto a unidade.
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É normal que cada partido sonhe com hegemonia. Mais complicado é encontrar um, que opere com o conceito de “hegemonia democrática’’, elaborado por Antonio Grammsci, nos porões da ditadura fascista italiana: liderança com plena visão de liberdade e capacidade de respeitar as partes, sem prejudicar a caminhada do todo. Para isso é preciso saber ouvir os aliados e não dominá-los por métodos escusos e pela força de ser mais forte. E saber escutar e entender os adversários, antes de criticá-los com firmeza e alvejá-los.
Quanto mais acesa for a vontade política (?) do poder pelo poder, mais dificuldade terá a agremiação em incorporar a “hegemonia democrática’’. Esse escriba viveu, na pele, por 28 anos, 12 como deputado federal, a experiência de uma agremiação política vigorosa e popular que ajudou a fundar, que infelizmente terminou por cristalizar internamente, a hegemonia forte de uma só tendência, a do Lula. Chegando ao governo, não teve a sabedoria Grammsciana de acolher os aliados, muito menos de ouvir o que pensam e dizem os adversários. Pelo contrário, perdeu quadros valorosos como Vladimir Palmeira, Eduardo Jorge, Marina Silva, Sandra Starling, Luiza Erundina, Hélio Bicudo, Cristovam Buarque, Heloísa Helena, Chico Alencar, Molon, João Paulo Pires de Vasconcelos e Zé Maria entre outros. O que escreveu o prisioneiro político italiano é valido para todos os campos ideológicos da política – em todos os tempos.
Tudo indica que Ciro Gomes e o PDT de Brizola, João Goulart, Darcy Ribeiro, Getúlio e outros venham a ocupar um lugar de destaque na política brasileira, alcançada ou não a sonhada unidade da esquerda nesse processo. O Trabalhismo, com avanços e recuos, é algo bem presente na alma do Brasil, como o foi e é na Inglaterra. Getúlio nunca perdeu o status de estadista e seu cantinho especial no coração de cada trabalhador e trabalhadora brasileiros e seus filhos. Sua “carta”, após ter sido expulso da vida política e da vida tout-court, entrou para a história e ele para os corredores do Infinito, que acolhem os amantes dos pobres. “Bota o retrato do velho outra vez: deixa no mesmo lugar”.
Resta saber se Ciro e o PDT estão dispostos a impulsionar, no enfrentamento com o conservadorismo, bolsonariano, um novo papel inédito na política contemporânea: um “partido-movimento’’ capaz de unificar, sem prepotência, hegemonia e controle excessivo, siglas, militantes e movimentos sociais, em busca de um horizonte iluminado e libertário da Nação brasileira. Inch Allá!
Tilden Santiago
Jornalista, embaixador e militante
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