Reajuste de combustíveis impacta o transporte

As filas de motoristas desesperados nos postos de combustíveis de Belo Horizonte não foram a única reação dos brasileiros diante dos reajustes nos combustíveis anunciados ontem pela Petrobras. Nos postos, eles quiseram se adiantar aos aumentos nas refinarias, de 18,8% na gasolina e de 24,9% no diesel, tentando encher o tanque antes que os novos preços chegassem às bombas.
Ao mesmo tempo, os sindicatos e associações que representam setores diretamente impactados pelos aumentos passaram a tarde em reuniões, discutindo as providências a tomar para garantir a sustentabilidade de suas atividades. A primeira a se manifestar foi a Associação Nacional das Empresas de Transportes Públicos (NTU), que adiantou: o reajuste de 24,9% do óleo diesel terá um impacto médio de 7,5% no custo das empresas operadoras de transporte coletivo.
Segundo a NTU, os reajustes acumulados do diesel já aumentaram os custos do transporte público por ônibus em 10,6% só este ano e terão que ser repassados às tarifas caso não sejam compensados pelo poder público. O novo reajuste aumentou a participação do diesel no custo geral das operadoras do transporte público de 26,6% para 30,2% – ele é o segundo item que mais pesa no valor da tarifa, depois da mão de obra.
“A guerra da Ucrânia está servindo como justificativa para aumentos abusivos e inoportunos; o Brasil precisa de uma nova política de preços para os combustíveis, que traga previsibilidade aos agentes econômicos e aos consumidores. Existem algumas propostas em debate no Congresso Nacional para conter o reajuste dos combustíveis, que podem ser melhoradas. Mas nem elas avançam, pela falta de consenso interno e de articulação do governo”, afirmou o presidente da entidade, Francisco Christovam.
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A associação propõe a adoção de duas medidas para resolver o problema: em primeiro lugar, a desoneração de todos os tributos que incidem sobre o diesel e demais insumos utilizados pelo transporte público, que representam, somados, uma carga tributária de 35,6%, extremamente elevada por incidir sobre um serviço essencial utilizado principalmente pela população de menor renda.
Em segundo lugar, o uso da parte que cabe ao governo federal, dos resultados gerados pela Petrobras, para compensar as perdas das empresas. Só no ano passado, sustenta a NTU, a Petrobras teve um lucro líquido recorde de R$106,6 bilhões e o governo federal ficou com 36,7% desse resultado — que tende a aumentar com os novos reajustes de preços.
Já a Federação das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado de Minas Gerais (Fetram) soltou um alerta: o aumento de 25% dos combustíveis vai levar o sistema de transporte público ao colapso, restringindo suas operações em alguns horários nos próximos dias.
A Fetram destacou que os reajustes do óleo diesel, de novembro de 2020 até agora, chegam a “incríveis 101,83%” – o que afetará diretamente a vida de 43 milhões de passageiros em todo o Brasil que dependem deste serviço todos os dias. “A operação ficará inviável economicamente em várias cidades brasileiras, devendo se restringir a horários de pico e deixando de operar em algumas localidades nos horários deficitários”, diz a nota.
Transporte de cargas
O Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas e Logística de Minas Gerais (Setcemg) também divulgou um alerta a seus associados. “As empresas não podem deixar de repassar. O setor não suporta mais esse aumento e não tem condição de pagar a conta sozinho”, afirmou o presidente do sindicato, Gladstone Viana Diniz Lobato.
Diante de uma rentabilidade, segundo ele, próxima de zero, a orientação às transportadoras é a de que, confirmados os aumentos (que variam dependendo da região), apliquem um reajuste no frete de no mínimo 10%. “O diesel está com uma defasagem de 40% e o governo evita o repasse total, pois ele provocaria um aumento de mais de 2% na inflação. Ao mesmo tempo, o Congresso adia constantemente a votação das medidas que poderiam solucionar a questão”, lamenta Lobato.
No alerta encaminhado aos associados, o Setcemg adverte sobre as consequências da guerra entre Rússia e Ucrânia. Para o transporte, a consequência imediata pode ser um aumento brutal do combustível ou até mesmo um racionamento provocado pela falta do produto ou por um desequilíbrio de preço, diz a nota.
Para os transportadores, o mercado, como um todo, deve se preparar para atravessar esta fase de dificuldades e indefinições atuais e as que estão por vir. “As transportadoras devem repensar seus projetos atuais e futuros de expansão, investimentos, compras e vendas a prazo e criar alternativas para superar as adversidades – os juros poderão aumentar e o fluxo financeiro pode ficar mais apertado e caro”, destaca a nota do Setcemg.
Conselho alerta para recomposição do preço do frete
O Conselho Nacional de Estudos em Transporte, Custos, Tarifas e Mercado da NTC&Logística, entidade nacional do transporte de carga, já havia constatado, em fevereiro, a necessidade da recomposição do preço do frete em razão dos aumentos dos insumos do transporte. Na ocasião, foram apurados os índices a serem aplicados no serviço de cargas fracionadas (18,58%) e na carga lotação (27,65%).
“O aumento de hoje do preço do diesel, da ordem de 24,9%, acarreta a necessidade de reajuste adicional no frete de, no mínimo, 8,75%, fator este que deve ser aplicado emergencialmente nos fretes, acumulando um reajuste total de 28,96% na carga fracionada e 38,82% na carga lotação”, orienta a NTC, em nota divulgada ontem.
A NTC trabalhava até então com a perspectiva de que, com a previsão de término da pandemia, os preços voltassem a ficar mais estáveis. Porém, a guerra entre Rússia e Ucrânia mudou o cenário ao acarretar intensa elevação do preço do barril de petróleo, com graves reflexos no diesel.
Fazendo com que o conflito deflagrado no Leste europeu, a mais de dez mil quilômetros, chegasse aos motoristas desesperados que se perfilaram nos postos de gasolina de Belo Horizonte. “A Rússia é um dos três maiores produtores de petróleo do mundo e o mercado internacional depende em grande medida dessa commodity. A escalada dos preços ocorre em razão da crescente preocupação da sociedade internacional com o iminente déficit no fornecimento de energia para o restante do mundo”, analisa a professora da Estácio e doutora em relações internacionais Erika Calazan.A oferta mundial já não consegue acompanhar a demanda do mercado, com a crescente flexibilização das medidas restritivas contra a Covid-19, e como o petróleo é uma commodity os preços estão atrelados à oferta e à procura no mercado internacional. “Assim, qualquer ação que prejudique a oferta do produto, durante um período de grande demanda, pode acarretar em um grande desequilíbrio no mercado e, consequentemente, a alta dos preços”, conclui a professora.
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