Reforma do setor elétrico traz apreensão para o mercado livre de energia

Com a previsão de que o texto da proposta de reforma do setor elétrico seja encaminhado à Casa Civil ainda neste mês, o segmento de energia enfrenta um período de apreensão com as novas normas que podem surgir. Além disso, o Ministério de Minas e Energia (MME) prevê um ajuste das tarifas de energia, ampliando a tarifa social e simplificando as regras do segmento que poderão beneficiar a população ou, por outro lado, fazê-la arcar com mais custos.
As propostas ainda estão em discussão no âmbito do governo federal e devem ser encaminhadas para o Congresso Nacional posteriormente. Segundo o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, mais de 60 milhões de brasileiros serão beneficiados com gratuidade de consumo de até 80 quilowatts (kw) por mês. A proposta de reforma também prevê a abertura do mercado para a baixa tensão a partir de 1º de março de 2027 para indústria e comércio e, a partir de 1º de março de 2028, para os consumidores residenciais.
Entretanto, a vice-presidente de Geração Distribuída (GD) da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Bárbara Rubim, considera que existem alguns pontos de atenção que não podem passar despercebidos pelos players do setor.
“O primeiro é a abertura do mercado livre para os consumidores de baixa tensão, que é uma tendência e sem dúvida alguma vai acontecer no Brasil como aconteceu e tem acontecido em diversos outros países do mundo. Mas, questionamos se as normas necessárias para isso já estão no lugar, se as definições tarifárias necessárias estão sendo feitas e, principalmente, sobre a infraestrutura envolvendo os medidores de energia desses consumidores”, enumera.
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Outro ponto destacado por Bárbara Rubim é que, após a afirmação do ministro, houve uma reação de parlamentares no sentido de acreditar que não existe clima político para a aprovação dessa reforma, ou pelo menos não da reforma integral como é pretendida.
“Isso nos leva a crer que pelo menos parte dessa reforma deve ficar postergada. Outro ponto muito importante é que uma reforma como esta necessariamente requer uma mudança de estrutura tarifária dos consumidores de baixa tensão. E se essa mudança de estrutura não for acompanhada de uma revisão tarifária crítica e ampla, isso vai levar à alta na tarifa dos consumidores que têm um consumo menor”, alerta.
Ela também lembra que, ainda que a abertura aconteça, a migração efetiva de um consumidor para o mercado livre de enegia é opcional. “Ao tomar a decisão de migrar, o que vemos em outros países do mundo como nos Estados Unidos, Alemanha, Itália ou França é que, em geral, existe uma janela de mais ou menos 10 anos entre a data de abertura do mercado e a migração de cerca de 50% da base de consumidores. Ainda que a abertura aconteça não vamos ver uma migração em massa do dia para a noite”, avalia.
Na visão da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia Elétrica (Abraceel), as medidas, em geral, são positivas, principalmente porque enfrentam uma questão pendente e aguardada há três décadas no Brasil: a universalização do acesso ao mercado livre de energia elétrica, dando a todos os consumidores, inclusive aos residenciais e pequenos negócios, o direito de fazer a portabilidade da conta de luz e assim poder escolher o fornecedor e as características desse fornecimento, o que, na ponta do lápis, pode render economia mensal de até 30% da fatura elétrica.
Para o presidente-executivo da Abraceel, Rodrigo Ferreira, “a proposta busca dar a todos o mesmo direito. Qual justificativa para, por exemplo, apenas uma parte da indústria ter acesso ao mercado livre de energia?”, questiona, já que o acesso ao mercado livre de energia é restrito apenas ao Grupo A, que reúne consumidores de energia em média e alta tensão, parcela que representa menos de 1% de todos os consumidores.
Segundo Ferreira, a busca por maior igualdade de direitos é um ponto forte no projeto apresentado pelo MME. “O setor elétrico é repleto de desigualdades e elas afetam a desigualdade social do País como um todo. É um momento para corrigir isso”.
Assim, a liberalização do mercado de energia para os consumidores do Grupo B pode gerar uma economia de R$ 35,8 bilhões por ano na conta de energia elétrica, em comparação ao valor desembolsado atualmente, redução média de 23% a preços de 2023, o que contribuirá para aliviar a pressão inflacionaria, aponta o dirigente.
De acordo com o presidente da CMU Energia, Walter Fróes, o setor elétrico nacional está enfrentando um momento extremamente confuso. “Todo dia se fala sobre a regulamentação do setor elétrico. Desde a origem, acreditei que o mercado livre iria bater de frente com a geração distribuída, que ocupou um espaço fantástico no mercado. Mas esse anúncio de mudança acaba gerando muita instabilidade e alguma apreensão, o que limita até o investimento, porque as pessoas não sabem para onde vai o mercado”, observa.
O executivo ainda avalia que o mercado livre vai enfrentar dificuldade para penetrar no segmento de baixa tensão, uma vez que hoje a alta tensão está toda liberada, com o varejista, desde o ano passado. E hoje existe um volume enorme, com mais de 30 GW de plantas de geração distribuída e ofertas de desconto na casa de 15%, 20%, próximo da média do mercado livre.
“Então, quando chegar na hora da baixa tensão, existirão as complexidades inerentes ao mercado livre. Você tem que estar ligado à Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) quem tiver demanda acima de 500 kW e, abaixo disso, a uma comercializadora varejista. Ainda terá alguma complexidade, mesmo sendo mais simples que o atacadista, mas tem”, destaca.
Enquanto isso, com a geração distribuída o consumidor pode, através do seu celular aderir a um consórcio e receber energia com desconto na conta. “Então, eu acho que não vai ser uma competição fácil para o mercado livre de energia se expandir em baixa tensão”, reforça.
A Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig) afirma que está se preparando para a abertura do Mercado Livre de Energia para o grupo B, observando atentamente as regras e diretrizes que poderão ser estabelecidas pelos órgãos reguladores. Em nota, a empresa destacou a ampla experiência na comercialização de energia e afirmou que “acompanha de perto as discussões e evoluções regulatórias, analisando os impactos e oportunidades que eventuais mudanças no cronograma podem trazer para o setor.”
A ampliação do acesso ao mercado livre representa um passo significativo na modernização do setor elétrico brasileiro. “A Cemig posiciona-se de forma alinhada às normativas da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e da CCEE, estando pronta para ajustar suas operações e continuar oferecendo soluções competitivas e seguras para todos os seus clientes”.
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