Reaproveitamento de rejeitos desperta pouco interesse

Não é de hoje que alternativas de utilização de rejeitos minerais são estudadas pela academia brasileira como forma de minimizar ou até mesmo dar fim às temidas barragens de depósito dos subprodutos do beneficiamento do minério de ferro. Somente na Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) são inúmeras as pesquisas, teses e patentes que propõem opções para a destinação dos resíduos. A principal delas indica o uso dos componentes dos rejeitos na construção.
“Temos várias frentes de trabalho neste segmento. Essa, especificamente, substitui até 100% de todos os materiais naturais da construção civil por rejeitos do minério de ferro, com produtos de mesma qualidade e custo até 25% menor. Tudo isso com o uso dos rejeitos em seu estado natural, sem tratamentos químicos ou aditivos”, explicou o coordenador do Grupo de Pesquisas Reciclos-CNPq da Ufop, Ricardo Fiorotti.
Segundo ele, embora economicamente viável e eficiente, a técnica não despertou o interesse das mineradoras, sob o argumento de que as barragens são suficientes e seguras. Já empresas de construção civil se interessaram pelo trabalho. “Tentamos emplacar o modelo junto a Vale, Anglo American e Samarco, mas nunca conseguimos”, disse.
Por meio de nota, a Samarco informou que sempre manteve contato próximo com as universidades, dentre elas a Ufop. A mineradora disse que, desde 2005, estuda o aproveitamento dos seus rejeitos, desenvolvendo aplicações, algumas, inclusive, já testadas.
“A Samarco já realizou alguns projetos-piloto utilizando o rejeito para produção de blocos intertravados em obras internas e externas. Em 2016, a empresa utilizou o sedimento dragado em Candonga para produção do piso da praça principal de Barra Longa e da avenida Beira Rio, locais impactos pelo rompimento da barragem de Fundão”, citou no documento.
A Anglo American disse que já realiza estudos laboratoriais sobre filtragem de produção e disposição a seco de rejeitos. Segundo a mineradora, a previsão é de que a efetiva implantação desses processos na produção se dê no médio prazo, entre cinco e dez anos. “A Anglo American também acompanha a produção de pesquisas acadêmicas sobre o tema no âmbito nacional e internacional”, comentou.
Já a Vale, proprietária da barragem 1 da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), que se rompeu há uma semana, não respondeu até o fechamento desta edição.
Com o estouro da barragem, 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos vazaram pela região, fazendo desaparecer o refeitório, que estava lotado de funcionários no momento da tragédia, e o centro administrativo da empresa, deixando pelo menos 110 mortos e 238 desaparecidos.
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Projeto – De maneira mais detalhada, o professor da Ufop ressaltou que são duas as linhas principais testadas pelo grupo para a transformação dos rejeitos em materiais de construção. A primeira busca utilizar o rejeito “in natura”, um pouco desidratado para ser usado como matéria-prima de artefatos para a construção. “Esse produto pode ser usado como adição a concretos, a argamassas e na fabricação de tijolos de concreto e utilizado na pavimentação de ruas e estradas”, detalhou.
Além disso, a equipe também secou o rejeito e conseguiu separar em três frações diferentes: uma de minério de ferro, uma de areia e, outra, de argila. “Assim, conseguimos extrair três importantes matérias-primas. O minério poderia voltar para as próprias mineradoras, a argila poderia ser utilizada para dar pigmento em cerâmicas e a areia – de ótima qualidade –, designada para as construções”, exemplificou.
A partir das pesquisas, já foram produzidos concreto, cimento, argamassa, tijolos e bloco de pavimentação, ladrilhos hidráulicos, tinta, entre outros. E os pesquisadores asseguram que todas as produções são idênticas ao convencional. A única diferença está na cor, que é avermelhada.
“Não queremos nenhum financiamento, a intenção é beneficiar a sociedade, propondo soluções para não deixar que estes acontecimentos caiam no esquecimento e que novas tragédias aconteçam”, concluiu se referindo ao rompimento das barragens de Fundão (2015) e Brumadinho.
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