Remessas entre filiais e matriz não geram ICMS

O simples deslocamento de mercadorias de uma filial para outra ou da matriz para filial não produz fato gerador de ICMS, já que não há transferência de riqueza a ser tributada. Trata-se de remessa entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, sem natureza de circulação econômica, diz a sentença do juiz Marcelo da Cruz Trigueiro, distribuída à 3ª Vara de Feitos Tributários do Estado da Comarca de Belo Horizonte, em resposta a mandado de segurança coletivo impetrado pela Associação Nacional dos Contribuintes de Tributos (ANCT), com sede em Brasília (DF).
A ANCT é uma instituição da sociedade civil, sem fins lucrativos, com foco nos direitos dos contribuintes. Segundo seu presidente, Luís Manso, a decisão se aplica especificamente a empresas que tenham matriz e filiais dentro ou fora de Minas Gerais. “Nessas situações, não há transferência de titularidade da mercadoria, ou seja, não há comercialização, compra e venda e não há incidência de ICMS. O impacto da decisão é relevante, pois beneficia mais de mil empresas em Minas”, avalia o dirigente, referindo-se às empresas filiadas à associação.
“A ANCT entrou com a ação em 2021 e, tecnicamente, ela retroage a 2016. Esse recurso volta para o contribuinte na forma de crédito e quando houver compra e venda real, ele pode utilizá-lo para liquidar os seus tributos vindouros”, explica Manso.
Em sua decisão, o juiz Marcelo da Cruz Trigueiro deixa claro que não existe aí uma operação mercantil ou circulação de mercadorias. “O que houve foi apenas a transferência de bens entre estabelecimento do mesmo contribuinte, ou seja, não houve isenção ou não incidência, pois sequer houve fato gerador do ICMS”, apontou.
Para a advogada Patrícia Gaia, mestre em Direito Empresarial e sócia no escritório Sacha Calmon, essa decisão vem atender a uma discussão bem antiga, na qual os contribuintes apontam a impossibilidade de cobrar o tributo, porque não há fato gerador, ou seja, uma operação de circulação jurídica da mercadoria em que haja mudança de sua propriedade.
“Essas transferências são muito comuns. Podem ser de simples reposição do estoque de uma filial para outra ou, no caso da indústria, quando o insumo ou matéria-prima é transferido para o local onde acontece a industrialização. O contribuinte emite uma nota simplesmente para documentar a operação de saída do estabelecimento A para o estabelecimento B”, explica a advogada.
Aliás, diz ela, a circulação de mercadorias prevista na Constituição da República – art. 155, II – refere-se à circulação jurídica, que pressupõe justamente um ato de mercancia e a transferência da titularidade.
Ela lembra ainda a súmula do STJ, a 166, firmando o entendimento de que não há fato gerador de ICMS quando o que existe é um simples deslocamento de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte. Antes da decisão do STF, várias associações entraram com medidas judiciais questionando a cobrança – no caso da ANCT, um mandado de segurança coletivo.
Essa decisão vai se aplicar, por exemplo, a situações em que determinadas empresas possuam estabelecimentos em municípios distintos e precisem desmembrar suas atividades, transferir mercadorias de uma unidade para outra, sem qualquer alteração da titularidade.
“O Estado pode recorrer, mas com chances remotas de reverter ou reformar a sentença”, acredita Patrícia Gaia. Procurada pelo DIÁRIO DO COMÉRCIO, a Secretaria de Fazenda de Minas Gerais informou que ainda não foi notificada sobre o caso. Como o processo está na Justiça, a SEF aconselhou a procurar a Advocacia-Geral do Estado, que, por sua vez, declarou não ter sido intimada da decisão.
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