Setor de saneamento não está preparado para mudanças climáticas

A emergência climática deixou de ser previsão de cientistas para se tornar parte do cotidiano de todos. Com eventos cada vez mais severos e recorrentes relacionados à água, como secas e enchentes, o Instituto Água e Saneamento (IAS) aponta que o setor ainda não está preparado para este cenário e precisa de uma integração com a agenda ambiental.
Além da contribuição com a agenda ambiental, a articulação de iniciativas voltadas para o tema se faz necessária para a manutenção da economia, da segurança e da saúde pública local. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) aponta que Minas Gerais possui a segunda maior população em áreas de risco do Brasil (1,3 milhão) e nos últimos anos registra marcas históricas em volume de chuvas, impactando diretamente famílias e empresas em mais de 130 municípios.
Em contraste, a situação da seca se intensificou no último ano e refletiu diretamente no aumento do preço de alimentos, como o café. Em agosto, a Defesa Civil do Estado contabilizou 135 municípios em situação de emergência – grande parte localizada nas regiões Norte, Vale do Jequitinhonha e Vale do Mucuri.
Com o cenário cada vez mais imprevisível, a diretora-executiva do IAS, Marussia Whately, destaca que o momento é de pensar em soluções de integração que sejam capazes de planejar medidas a nível nacional. “A situação hoje no Brasil é muito fragmentada, não temos um sistema nacional de saneamento assim como temos de saúde e meio ambiente. Além disso, o Novo Marco Legal de 2020 voltado para concessões fragilizou mais ainda mais essa integração”.
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Segundo o Instituto, 18 estados brasileiros já contam com concessões privadas de grande porte, levando um maior dinamismo para o setor, porém, não necessariamente pautado em diretrizes políticas. “É urgente colocarmos essa integração como prioridade e fazer com isso seja adotado de forma transversal na gestão pública. Isso pode resultar de fato em uma estratégia nacional para que o saneamento se torne uma política pública de estado”, pontua a executiva.
Cidades-esponja e metrópole em adaptação: referências globais podem ser aplicadas no País
A partir do repertório, a proposta é aproximar as agendas do meio ambiente com saneamento e construir ações baseadas em referências globais, como o plano metrópole em adaptação (PlaNYC), de Nova Iorque e as cidades-esponja na China. As iniciativas de adaptação envolvem intervenções urbanísticas que absorvem a água da chuva para recarregar os aquíferos e lençóis freáticos, além da criação de parques e casas acessíveis e sustentáveis, especialmente para populações vulneráveis.
O documento reforça a importância do planejamento de implantação de serviços básicos, infraestrutura, diversificação dos meios de subsistência e emprego, fortalecimento dos sistemas alimentares e adaptação comunitária. Além disso, são propostas medidas de melhorias relacionadas ao saneamento, como otimização na retenção natural de água por meio da restauração de áreas úmidas e rios, o planejamento do uso do solo, como a criação de zonas de proibição de construção e a gestão de florestas para reduzir o risco de enchentes.
As medidas são segmentadas em três frentes principais de atuação: adoção da economia circular (reduzir-remover-reutilizar-reciclar), soluções baseadas na natureza e respostas específicas a inundações.
Ações devem ser pensadas a longo prazo
Entre os maiores desafios observados nos últimos anos, está o fato de grande parte das ações estar focada em riscos imediatos e de curto prazo, o que limita o potencial de adaptações transformadoras. Além disso, boa parte dos procedimentos é fragmentada, de pequena escala, específicos de um setor e idealizados para responder impactos atuais ou riscos de curto prazo.
Na avaliação da executiva, o setor nos últimos anos avançou de forma considerável, porém, ainda se faz necessária uma construção de acordos, diretrizes, instrumentos, que ajude a avaliar o setor a médio e longo prazo. “O setor de saneamento hoje conta com muitos atores, atribuições que se sobrepõem a estados e municípios e uma lei federal da década de 2000, que apesar de revisada em 2020, ainda foca apenas em água e esgoto, além de enfraquecer o protagonismo dos municípios”.
Para dar continuidade ao tema, em breve haverá uma consulta pública no sistema de participação social do governo federal para a disponibilização de planos setoriais. Ao todo, serão 45 dias de consulta com a expectativa de fomentar diálogos e viabilizar soluções a nível nacional.
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