Sindifisco-MG denuncia perda bilionária por ano com sonegação de mineradoras

Cerca de R$ 7 bilhões em impostos estariam sendo perdidos anualmente em Minas Gerais devido a manobras fiscais cometidas por mineradoras no Estado. O esquema foi denunciado pelo Observatório Econômico do Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de Minas Gerais (Sindifisco-MG) em coletiva de imprensa nesta terça-feira (30), em Belo Horizonte.
As empresas citadas pelo sindicato são Vale e Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Elas foram procuradas pela reportagem do Diário do Comércio, que não obteve retorno até a publicação da matéria.
De acordo com a entidade, as perdas são da sonegação de royalties da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (Cfem) e foram estimadas no período entre 2019 e 2023, totalizando R$ 35 bilhões (ou R$ 7 bi/ano) no período, segundo o economista, auditor fiscal aposentado e especialista em Finanças Públicas, Francisco Soares Diniz, que participa dos estudos com o Sindifisco-MG.
A investigação sobre o caso teve início há quatro meses e, ainda conforme o sindicato, não tem relação com a deflagração, pela Polícia Federal, há duas semanas, da Operação Rejeito, que apontou um esquema de extração ilegal de minério de ferro na Serra do Curral, em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
Como funciona o esquema de sonegação, segundo o Sindifisco-MG
De acordo com a entidade, as empresas envolvidas no esquema conseguiriam evitar o pagamento de impostos com algumas manobras como a prática de subfaturamento de exportações, omissão de produção, atrasos e disputas jurídicas, entre outros. Veja abaixo:
- Subfaturamento de exportações: mineradoras vendem minério no papel por preço baixo a subsidiárias em paraísos fiscais e revendem no exterior pelo preço real, reduzindo o royalty pago no Brasil;
- Omissão de produção: empresas declaram menos toneladas do que realmente extraem. Sem fiscalização técnica, grandes volumes saem sem pagar royalties;
- Mistura e ‘esquentamento’: minério ilegal é misturado com produção legal, principalmente no ouro, burlando a cobrança;
- Atrasos e disputas jurídicas: mineradoras arrastam processos por anos e pagam apenas o devido com multas brandas, tornando a sonegação vantajosa.
Secretaria de Estado de Fazenda e ANM estariam enfraquecidas
Essas manobras fiscais estariam acontecendo porque o trabalho da Secretaria de Estado de Fazenda foi enfraquecido pelo governo estadual, conforme explica o presidente do Sindifisco-MG, Matias Bakir Faria Freitas. Segundo ele, enquanto em outros estados há fortalecimento do trabalho fiscal, em Minas Gerais não há iniciativa para estruturação da pasta, impedindo que os auditores fiscais combatam a sonegação.
“Essa é a denúncia: a Secretaria de Estado da Fazenda está sendo desmontada pelo governo do Estado. Nós temos, inclusive, vários setores complicados, carentes de fiscalização, e hoje não temos estrutura, nem a que já tivemos, para fazer o combate à sonegação”, diz Freitas.
Parte da investigação desde o início, o economista, auditor fiscal aposentado e especialista em Finanças Públicas, Francisco Soares Diniz, completa que, além da situação precária na Fazenda em Minas Gerais, a Agência Nacional de Mineração (ANM) também sofre com problemas. Segundo ele, a ANM tem, atualmente, 30 mil processos em fila para análise e somente quatro fiscais com competência legal para tratá-los.
Ele problematizou ainda a forma de pagamento da Cfem. “Essa perda da capacidade de fiscalizar do Estado abriu uma avenida para a sonegação da Cfem, que é um tributo parafiscal de autodeclaração. Então, as mineradoras declaram o que querem em termos de quantidade, sendo que 85,9% das exportações ou 272 milhões de toneladas de minério vão para a Suíça, um paraíso fiscal”, explica Diniz.
Sindifisco-MG propõe novo imposto
Para combater a perda, o Sindifisco-MG propõe o fortalecimento do trabalho dos fiscais da Fazenda e a criação da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) para a área mineral. Atualmente, já existe a Cide-Combustíveis, que incide sobre a importação e a comercialização de petróleo e derivados.
Segundo o sindicato, a Cide Mineral poderia recuperar até R$ 30 bilhões adicionais por ano no Brasil, sendo R$ 13 bilhões somente em Minas, o que seria suficiente, conforme a entidade, para equilibrar metade do déficit estadual, além de financiar educação, saúde, infraestrutura e diversificação econômica nas regiões mineradoras.
Como seria a Cide Mineral, segundo o Sindifisco-MG
Contribuição sobre a receita da mineração
- Alíquotas de 7% para ferro, 6% para outros minérios e 2% para ouro;
- Recursos destinados majoritariamente (95%) a estados e municípios mineradores;
- Potencial de arrecadação em Minas Gerais: cenário atual (com evasão): R$ 6,6 bilhões/ano.
Sindifisco-MG vai entrar com ação nos tribunais de conta do Estado e da União
Presente na coletiva de imprensa, a deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), declarou que irá propor debates na Casa para a criação de um projeto de lei complementar para instituir a Cide Mineral, e que a denúncia do Sindifisco-MG será levada aos Tribunais de Contas do Estado e da União.
“O petróleo representa uma grande arrecadação para municípios e estados por meio dos royalties. Já a mineração, por só ter a Cfem, gera um prejuízo enorme para os estados e para os municípios minerados. Enquanto o Executivo e o Legislativo ficarem protegendo as mineradoras, e a bancada legislativa atuando para que elas não paguem impostos, a gente vai ter problemas de privatização, de crise fiscal, de ausência de pagamento de salários de servidores”, declarou.
Outro lado: posicionamentos de citados
Em nota, a Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais (SEF) negou acusações sobre falhas na arrecadação de tributos da mineração e afirmou que o planejamento fiscal é realizado com transparência e tecnologia avançada. Segundo a pasta, a arrecadação de ICMS no Estado vem crescendo acima da média nacional: passou de R$ 37,1 bilhões em 2015 para R$ 81,5 bilhões em 2024, alta nominal de 119,7%, enquanto os quatro estados mais desenvolvidos registraram 92,6% no mesmo período. A SEF destacou ainda a realização de concurso público com a contratação de 431 novos auditores fiscais para reforçar o quadro. Leia a nota completa no fim desta reportagem.
A ANM afirmou que reconhece que a fiscalização da Cfem é um desafio estrutural com altos índices de inadimplência e sonegação. Por isso, para enfrentar o problema, a agência declarou que tem adotado medidas como a nomeação de 216 novos servidores, sendo 41 deles voltados à arrecadação e fiscalização, a criação da Plataforma de Gestão de Recursos Minerais em parceria com o Serpro, a integração de bases fiscais e a reestruturação da área de arrecadação com coordenações específicas para inteligência e estratégias fiscalizatórias. A ANM ainda disse estar comprometida em modernizar os mecanismos de controle, ampliar a transparência e garantir que a Cfem seja recolhida de forma justa e eficiente.
O IBRAM lamentou a denúncia “genérica” apresentada pelo Sindifisco-MG e a ausência de quem, como e quanto sonegam. Em especial quem são e onde estão os ditos sonegadores. “No que se refere às empresas associadas, o IBRAM desconhece que operem em ‘paraísos fiscais’. Algumas destas companhias possuem filiais, todas legais e observadoras das regras locais e dos seus respectivos compliances. O IBRAM afirma que sempre se posicionou contra sonegação em qualquer atividade, defende que a fiscalização deve ser feita com rigor e as organizações que porventura adotem tal prática devem estar sujeitas às sanções legais”.
Nota completa da Secretaria de Estado de Fazenda de Minas Gerais (SEF)
A Secretaria de Estado de Fazenda (SEF) refuta as informações infundadas e irresponsáveis sobre arrecadação de tributos em Minas Gerais, relacionados a empresas de mineração. O planejamento fiscal é devidamente realizado pela Secretaria, com transparência e conforme todas as deliberações legais. A SEF utiliza tecnologia avançada para o eficiente acompanhamento da arrecadação do Estado, considerando os tributos a receber de todos os setores, sem exceção. A arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) em Minas Gerais tem crescido e ampliado a participação do estado no “bolo nacional”, conforme dados do Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi), divulgados no site do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz). O estudo mostra que em 2024 Minas Gerais alcançou 10,1% na participação nacional, enquanto em 2015 o número chegava a 9,5%. O crescimento percentual foi de 5,7% na comparação entre os anos. Essa comparação se deu com os quatro estados mais desenvolvidos economicamente: São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Paraná. Em 2015, o volume arrecadado de ICMS em Minas Gerais foi de R$ 37,1 bilhões, sendo que em 2024, o montante chegou a R$ 81,5 bilhões, com um crescimento nominal de 119,7%. Já o “top 5” arrecadou R$ 241,2 bilhões em 2015 e R$ 388,9 bilhões em 2024, o que representou um crescimento nominal de 92,6%. Na comparação com a média do Brasil, se observa que a variação entre 2024 e 2015 foi de 107,8%, ou seja, Minas Gerais obteve um crescimento maior que o “Top 5” e que a média nacional. Ressaltamos ainda que para reforçar a equipe de profissionais, a SEF realizou concurso público, recentemente, incluindo outros 431 auditores fiscais nos quadros da secretaria.
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