Tarifa zero: proposta mobiliza apoios e resistências em BH

Belo Horizonte pode se tornar a primeira capital do País com tarifa zero ao usuário do transporte público municipal. O Projeto de Lei (PL) 60/2025, que será votado na próxima sexta-feira (3) em primeiro turno na Câmara Municipal de Belo Horizonte (CMBH), mobiliza opiniões divergentes e acende debate sobre os impactos econômicos, sociais e estruturais da medida.
A proposta, de autoria da vereadora Iza Lourença (Psol), prevê a criação da Taxa do Transporte Público (TTP) às empresas com mais de dez trabalhadores, dispensando o pagamento do vale-transporte. O valor definido é de R$ 185 por trabalhador ao mês, montante que seria capaz de gerar uma arrecadação superior a R$ 2 bilhões por ano, acima do que o sistema recebe atualmente.
À frente do movimento, o urbanista e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Roberto Andres, avalia que a tarifa zero é uma política possível, com alta aprovação popular em 138 cidades brasileiras onde já foi implementado. Se aprovada, ele destaca que a medida promete beneficiar um ecossistema de serviços na capital mineira, elevando entre 20% a 30% as vendas do comércio, além de reduzir substancialmente o tráfego nas vias.
Com a implementação da tarifa zero, a expectativa é injetar fôlego na capital mineira, reduzindo barreiras de custos de mobilidade, levando mais pessoas às ruas. “O comerciante vende mais, o dono da empresa de ônibus simplifica a operação, o motorista poderá dirigir com tranquilidade. É um ganha-ganha para a cidade”, acrescenta Andres.
Sobre eventuais custos a partir da alta demanda, o urbanista destaca que o aumento de passageiros não será proporcional ao aumento de custo do transporte. “Acreditamos que boa parte dos novos usuários serão alocados em espaços que hoje ficam ociosos no entrepico”, ressalta.
Um estudo técnico produzido por economistas da UFMG corrobora com a proposta e minimiza os impactos para as empresas. Segundo a pesquisa, a contribuição mensal prevista para o financiamento da tarifa zero em Belo Horizonte representaria um aumento de 0,91% da folha salarial das empresas.
Para microempresas, que serão isentas de contribuição, o impacto é avaliado como positivo e deve beneficiar cerca de 80% dos negócios no município. “O risco de ‘fuga’ de CNPJs seria insignificante, especialmente diante das vantagens de operar em uma capital bem estruturada e com uma força de trabalho abundante”, comenta a economista e professora da UFMG, Ana Hermeto.
Fiemg e CDL/BH temem impactos econômicos com nova taxa
Em contraponto à proposta da tarifa zero, um estudo elaborado pela Gerência de Economia e Finanças Empresariais da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg) alerta que a criação da TTP poderá prejudicar a economia da capital mineira. Os prejuízos, segundo a entidade, podem chegar a R$ 3,1 bilhões no faturamento das empresas, em um cenário de aumento de 100% na demanda após a implementação.
Além disso, o estudo indica que a medida prejudicaria 55,3 mil empregos formais, R$ 1,1 bilhão na massa salarial e R$ 398 milhões na arrecadação de impostos ao duplicar a demanda. Com o impacto, a estimativa é redução de 2,1% no Produto Interno Bruto (PIB) municipal, ampliando em até 3% a inflação em um período de um a cinco anos.
O economista da Fiemg, João Pio, pontua que, a longo prazo, a tarifa zero em Belo Horizonte teria um impacto negativo, com efeito diferente da proposta esperada. Segundo ele, se considerarmos apenas as empresas com dez ou mais empregados, a arrecadação da TTP seria suficiente para cobrir os custos atuais do sistema.
No entanto, após a implementação da tarifa zero, em um intervalo de um a dois anos, a demanda tende a crescer até 400%. “É evidente que haverá aumento da procura, e, consequentemente, elevação dos custos do transporte”, alerta.
Como consequência, ele argumenta que o aumento no custo de produção tende a desestimular investimentos, gerando um ciclo vicioso que impacta empresas e a cidade como um todo. “Quando há aumento no custo, parte é transferida no preço do produto, elevando custos”, comenta.
Com relação ao impacto positivo para o comércio, o economista disse que a entidade não identificou efeitos que comprovem uma maior tendência ao consumo. Como solução, ele reforça a importância de um transporte mais acessível a partir de investimentos em infraestruturas, que ainda são deficitárias. “Investir em infraestrutura deficitária pode resultar em tarifa mais acessível. Acreditamos que jogar o custo para o setor produtivo não seja o melhor caminho”, avalia.
Em nota, a Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH) reforçou a importância do debate sobre a melhoria da mobilidade urbana em Belo Horizonte, porém exigiu “mais estudo e amadurecimento” no que tange ao projeto de tarifa zero em Belo Horizonte. A entidade disse ser fundamental a avaliação de dados, impactos jurídicos e econômicos, sem transferir custos para quem gera emprego e renda.
“Antes de decidir quem paga a conta, é preciso discutir como melhorar o sistema: mais integração com a região metropolitana, menos atrasos, mais segurança, modernização da frota e transparência na gestão. Só assim teremos soluções equilibradas, sustentáveis e que realmente atendam à população”, conclui o presidente da CDL/BH, Marcelo de Souza e Silva.
Ouça a rádio de Minas