Economia

Desocupação diminui, mas não garante pleno emprego no País; entenda

Precarização e informalidade estão entre os fatores que impedem atingir esta classificação no Brasil, apontam especialistas
Desocupação diminui, mas não garante pleno emprego no País; entenda
Foto: Reprodução Adobe Stock

A taxa de desocupação no Brasil caiu para 6,8%, segundo dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Foi o menor índice para um trimestre encerrado em julho na série histórica, iniciada em 2012. O desempenho positivo do mercado de trabalho se tornou uma preocupação do presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, que chegou a falar em sinalização de pleno emprego e seu impacto na inflação do País.

No entanto, segundo especialistas, não bastam números baixos de desemprego para chegar ao pleno emprego, já que o conceito é complexo. Além disso, a “informalização” e a precarização do mercado de trabalho dificultam a viabilização do pleno emprego no País. “A Organização Internacional do Trabalho, a OIT, na sua declaração de 1999, afirma que o pleno emprego é fundamental para a erradicação da pobreza e da fome”, destaca a economista e professora de MBAs da Fundação Getulio Vargas (FGV), Carla Beni.

A presidente do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais (Corecon-MG), Valquíria Aparecida Assis, diz que fatores estruturais e transformações recentes no mercado de trabalho impedem a condição de pleno emprego no Brasil, entre elas, os baixos salários oferecidos por alguns setores. “Isso desestimula os trabalhadores a aceitarem as vagas formais, contribuindo para o aumento do trabalho informal, como é o caso da ‘uberização’”, diz.

Ela também aponta que a falta de qualificação de muitos trabalhadores impede que eles ocupem postos, com destaque, para os mais especializados e com melhores salários.

Conceito complexo – A professora da FGV explica que o conceito de pleno emprego na ciência econômica passa por escolas de pensamento e definições que são distintas. Ela acrescenta que a quantificação do pleno emprego também é muito complexa. Em países desenvolvidos da Europa e nos Estados Unidos, por exemplo, em tese, taxas de 4% a 5% seriam classificadas como uma situação de pleno emprego. E em países em desenvolvimento, como o Brasil, entre 6% e 7%.

Carla Beni
A professora da FGV, Carla Beni, lembra que o pleno emprego é fundamental para a erradicação da pobreza | Crédito: Jean Menezes de Aguiar / FGV

Ela diz que, de modo geral, o pleno emprego pode significar que num determinado momento a população economicamente ativa realiza a atividade máxima que ela é capaz de realizar, ou seja, a pessoa que procura um trabalho, encontra sem muita dificuldade e com um salário base da categoria. “Não é com qualquer salário. E esse conceito tem uma situação onde não existe nenhuma forma de desperdício, nem de capital, nem de trabalho”, diz.

“É importante observar que não existe desemprego zero em nenhuma situação, em país nenhum e nem nos modelos teóricos. Afinal, sempre tem parte da população em transição de trabalho ou que simplesmente resolveu não trabalhar por algum período”, ressalta.

Taxas baixas – A pesquisadora da Fundação João Pinheiro (FJP) Nícia Raes destaca que as taxas de desemprego de 6,9% no Brasil e de 5,3% em Minas Gerais no segundo trimestre deste ano são baixas, no entanto, não asseguram a classificação de pleno emprego. “Embora uma taxa de 6,9% seja relativamente baixa comparada com níveis históricos e outras economias, o conceito de pleno emprego foi criado pensando em uma economia mais homogênea do que a brasileira, outro contexto de inserção no mercado de trabalho e de Sistema Público de Emprego”, observa.

Ela explica que em mercados de trabalho complexos e heterogêneos como o brasileiro, fatores como a informalidade, desigualdades regionais e o subemprego podem influenciar a interpretação do pleno emprego. “Em 2008-2009, assim como no momento atual, tivemos um período de taxas de desocupação mais baixas, mesmo assim, não é possível dizer que alcançamos o pleno emprego”, diz.

A pesquisadora da FJP observa que a taxa de informalidade no Brasil atingiu 38,6% da população ocupada no segundo trimestre de 2024 e 36,6% em Minas Gerais. “Isso significa que parte expressiva de nossos postos de trabalho não oferecem direitos ou apoio, benefício ou suporte social em momentos de necessidade, como a perda de emprego, acidente de trabalho, dentre outros”, frisa.

“O trabalho informal, o subemprego, taxas de subutilização de força de trabalho, déficit de trabalho decente são dimensões fundamentais para se pensar a questão do pleno emprego”, diz.

Mercado de trabalho positivo, mas sem pleno emprego

A economista e técnica do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), em Minas Gerais, Fátima Guerra, ressalta o bom momento do emprego no País. “O Brasil já retomou a situação que tinha antes da crise de 2014, voltou aos níveis de desemprego existente lá naquela época. É um sinal muito positivo da economia e que a gente tem que celebrar”, diz.

A última pesquisa do IBGE mostra que a taxa de desocupação no País recuou 0,7 ponto percentual (p.p.) em relação ao trimestre de fevereiro a abril de 2024 (7,5%) e caiu 1,1 p.p. frente ao mesmo trimestre móvel de 2023 (7,9%).

Apesar dos resultados positivos, ela ressalta que pleno emprego, que não é o caso do Brasil, não envolve apenas o aspecto quantitativo. “Não é só o valor da taxa. Pleno emprego em economia é o pleno aproveitamento dos recursos disponíveis, seja em termos de trabalho, em termos de capital, é o pleno aproveitamento dos fatores de produção”, observa.

Fátima Guerra ressalta que o mercado de trabalho brasileiro é estruturalmente heterogêneo, desigual e com várias diferenças regionais, entre sexos, entre raças, além da informalidade elevada. Ela explica que há também situações que ocultam o trabalho precário, como o empreendedorismo por necessidade, por falta de opção, além da subocupação.

“Pleno emprego, na minha concepção, não cabe num cenário como esse. Infelizmente, porque o pleno emprego é uma coisa boa e que deve ser perseguida na economia. E hoje em dia, ela está sendo usada como um fantasma, porque o mercado usa o discurso do pleno emprego para assustar, dizendo que está faltando mão de obra, que os salários vão aumentar e que isso vai pressionar o custo das empresas, vai pressionar a inflação”, analisa.

Ela destaca que o pleno emprego existe para criar a riqueza, combater as injustiças sociais e distribuir renda, contribuindo para o desenvolvimento do País. “Infelizmente não estamos em pleno emprego ainda porque as desigualdades que caracterizam o nosso mercado de trabalho são muito grandes”, observa.

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