Comércio de Brumadinho ainda vive à sombra da tragédia que ocorreu em 2019

Em 25 de janeiro de 2019, Brumadinho foi palco da maior tragédia humanitária da história do Brasil. No fatídico dia, a barragem da Mina Córrego do Feijão, operada pela Vale, se rompeu, deixando 270 mortos, incluindo duas mulheres grávidas, e um rastro inestimável de destruição. Passados seis anos do desastre, o comércio vive uma situação crítica.
A empresária Melissa Gomes, dona da Casa do Fiat, um centro automotivo com oficina e venda de autopeças, diz que o sentimento de desesperança da época do ocorrido permanece. Ela enfatiza que as perdas financeiras e psicológicas foram enormes e seguem até hoje.
“A gente tenta se restabelecer financeiramente e apagar um pouco do que foi tudo aquilo, mas é totalmente impossível. Tudo nos abala. Nada na vida do comerciante e das pessoas comuns em Brumadinho foi o mesmo desde 2019. É um sentimento desolador”, pondera.
O vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Brumadinho, Antônio Vieira, lembra que o comércio local retraiu significativamente após a tragédia e que, quando as obras de reparação começaram, houve um boom no consumo, sobretudo de bens de primeira necessidade. O executivo frisa, porém, que, logo depois, o setor voltou a ficar enfraquecido.
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Ele explica que, quando a mineradora iniciou o pagamento do auxílio emergencial, posteriormente substituído pelo Programa de Transferência de Renda (PTR), o dinheiro movimentou a economia da cidade. Entretanto, em um segundo momento, a injeção de recursos cessou e a entidade observou que o motivo foi o endividamento populacional.
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Segundo Vieira, a CDL concluiu que o valor recebido estava sobrando nas contas dos moradores e que eles passaram a gastar fora do município. Além disso, como a quantia caía diretamente nos bancos, as instituições começaram a oferecer empréstimos, as pessoas aceitaram e, por não terem uma educação financeira adequada, acabaram se endividando.
Os comerciantes de Brumadinho sentem o reflexo desse cenário, conforme o executivo. Ele pontua que, ao longo desses seis anos, não houve movimentos por parte do poder público e de entidades, com exceção da Câmara de Dirigentes Lojistas, tanto para valorizar o comércio local quanto para preparar a população para administrar melhor seu dinheiro.
“A nossa maior preocupação agora é o aumento da inadimplência, porque as pessoas estão endividadas no banco e continuam, de certa forma, gastando, mas uma hora vão ter que escolher o que vão pagar”, afirma, destacando que a prefeitura, associações e sindicatos precisam somar forças para investir na educação financeira dos residentes do município.

Empresários da cidade não veem o dinheiro do programa circular
A realidade citada pela CDL é reiterada por comerciantes. Eles afirmam que não veem o dinheiro do programa de transferência de renda realmente circulando em Brumadinho.
Dono da Clerin Tintas, estabelecimento que comercializa tintas automotivas e imobiliárias, Clério Custódio afirma que o comércio local ainda sente os impactos do rompimento da barragem. O empresário reitera que os valores que foram pagos pela mineradora poucos meses depois da tragédia, chegaram a aquecer o setor, mas o cenário logo mudou.
“Todo mundo imagina que estamos nadando em um rio de dinheiro. Os pagamentos retroativos da Vale, no início, fizeram sucesso e aqueceram bastante o comércio, mas, de uns tempos para cá, a gente quase não vê o reflexo desse dinheiro”, salienta. “A impressão que temos é de que o pessoal se endividou com o dinheiro da reparação”, ressalta.
Melissa Gomes sublinha que o movimento na Casa do Fiat é positivo na primeira semana do mês, porém, nas demais é fraco, justamente porque a população está endividada.
“O endividamento aumentou porque, no início, quando a Vale liberou muito dinheiro, as pessoas pegaram esse dinheiro, gastaram e se endividaram, fazendo empréstimos que não conseguem pagar. Ou seja, o auxílio que elas recebem hoje é apenas para o sustento, para pagar água, luz e comida, não tem giro para o comércio”, menciona.
Proprietário da Nova Copiadora, estabelecimento que oferece serviços de impressão, cópia, plotagem, adesivagem e confecção de banners, Leonardo Bruno Rezende também acredita que a população de Brumadinho se endividou, seja por exageros ou por não ter ajuda para usar o dinheiro corretamente. Ele diz que o cenário deve piorar quando o PTR terminar.

Com o fim da transferência de renda, comerciantes temem por cidade fantasma
Como sinalizado por Rezende, o término do programa de transferência de renda de Brumadinho está se aproximando e tem preocupado os empresários do setor comercial.
Concebido em novembro de 2021, o PTR foi criado para garantir uma renda mínima mensal aos atingidos, direta ou indiretamente, pela devastadora tragédia que assolou a cidade.
A previsão atual é que o programa seja encerrado em abril de 2026, contudo, a data ainda pode ser alterada. A Fundação Getulio Vargas (FGV), responsável por administrar os recursos, disse, recentemente, que o ingresso de mais pessoas que o previsto pode reduzir o prazo, enquanto um rendimento maior dos recursos investidos pode aumentá-lo.
Vale ressaltar que o prazo de encerramento já foi alterado em relação a projeção inicial, que era de término em outubro de 2025. Segundo a instituição, o rendimento das aplicações no fundo de investimento criado exclusivamente para o PTR possibilitou a extensão.
Em novembro de 2024, a FGV anunciou que, a partir de março deste ano, ocorrerá um ajuste nos valores de pagamentos. De acordo com a fundação, a redução gradativa está prevista no edital de chamamento público do programa e visa evitar a interrupção abrupta do recebimento do benefício, permitindo a adaptação das famílias ao fim do PTR.
Para Melissa Gomes, a situação do comércio, que já é difícil, tende a piorar com a diminuição das parcelas e, posteriormente, com a extinção do programa.
“Entre os comerciantes, estamos dizendo que, quando o auxílio acabar, Brumadinho vai virar uma cidade fantasma, porque as pessoas não terão como se sustentar”, lamenta.
A empresária salienta que o problema não está relacionado apenas à questão financeira. Segundo ela, o psicológico de boa parte da população está abalado, as pessoas estão dependentes de remédios e não têm condições de trabalhar. Melissa Gomes enfatiza que há todo um trabalho de cuidado com os moradores a ser feito, mas que a mineradora não o fez.
“Infelizmente, a Vale não ajudou Brumadinho o tanto que a cidade precisava. O comércio está enfraquecido e desesperançoso, porque o dinheiro não gira mais, as pessoas não estão bem financeiramente e nem psicologicamente”, afirma a proprietária da Casa do Fiat.

Vale reitera iniciativas à saúde emocional dos atingidos
Procurada, a mineradora diz, em nota, que os esforços voltados à saúde emocional foram estendidos a todos os moradores de Brumadinho após o rompimento da barragem. A empresa ressalta que, em 2019, assinou um acordo de cooperação com a prefeitura para repasses destinados à ampliação da assistência de saúde e psicossocial no município.
A Vale também destaca que implantou o programa Ciclo Saúde, que fortaleceu a Rede de Atenção Básica em Brumadinho e em outras cidades afetadas. Conforme a companhia, mais de 2.500 profissionais da área de saúde foram capacitados e mais de 5.000 equipamentos foram entregues para 143 Unidades Básicas de Saúde (UBS) desses municípios.
Segundo a empresa, para os familiares das vítimas, em especial, a questão psicossocial foi contemplada com o Programa de Referência da Família, no qual foram realizados 111 mil atendimentos a 3,5 mil pessoas, sendo 75 mil atendimentos a 600 famílias em Brumadinho. A empresa ressalta que o programa focou no acompanhamento integral e cuidado ativo.
“No âmbito do Acordo Judicial de Reparação Integral, também há projetos com foco no fortalecimento dos serviços de saúde que vão desde aquisição de equipamentos médico/hospitalares, custeio de serviços até reformas/construção de unidades de saúde”, reitera a mineradora.
A Prefeitura de Brumadinho foi procurada, mas não atendeu aos pedidos de entrevista da reportagem.
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