Economia

Estudo da UFMG aponta inviabilidade em rotas de integração sul-americanas propostas pelo governo

Pesquisa do Instituto de Geociências alerta para riscos ambientais, altos custos e baixa viabilidade das rotas Amazônica e Quadrante Rondon
Atualizado em 22 de outubro de 2025 • 16:59
Estudo da UFMG aponta inviabilidade em rotas de integração sul-americanas propostas pelo governo
Foto: Porto de Santarém / Arquivo CSR | FMG

Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) defendem que duas das cinco Rotas de Integração e Desenvolvimento Sul-Americanas propostas pelo governo brasileiro podem ser inviáveis. Segundo o estudo, desenvolvido pelo Instituto de Geociências (IGC) da universidade, a expectativa de que essas rotas coloquem o Brasil em posição estratégica no comércio com a Ásia é, em grande parte, especulativa. Os projetos se mostram vulneráveis às mudanças sazonais e potencialmente danosos do ponto de vista socioambiental.

As Rotas de Integração Sul-Americanas são corredores logísticos multimodais planejados pelo Ministério do Planejamento e Orçamento, a pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, para conectar o interior produtivo do Brasil — especialmente o Centro-Oeste — aos portos do Pacífico, como o de Chancay, no Peru.

Veja o mapa com as rotas:

Mapa rotas
Imagem: Reprodução site Ministério do Planejamento e Orçamento

As rotas analisadas até agora pelos pesquisadores são as das regiões Amazônica e do Quadrante Rondon, que aproveitariam o potencial hidrográfico e rodoviário locais para criar conexões diretas com os países andinos.

Segundo o professor e coordenador do estudo, William Leles, desde a criação do Plano Nacional de Logística 2035 — lançado em 2021 pelo governo para modernizar a infraestrutura de transporte no Brasil — o IGC tem avaliado os impactos de novos projetos na logística nacional.

“Começamos por essas duas rotas porque temos uma preocupação especial com a Floresta Amazônica. Nosso objetivo é simular todos os projetos propostos na Rota de Integração Sul-Americana e avaliar seus impactos na logística continental, a fim de elaborar uma lista de projetos prioritários”, explicou Leles.

Principais fatores de inviabilidade

Nos casos analisados, o estudo concluiu que há inviabilidade econômica, técnica, ambiental e social:

  • Econômica, pelos altos custos e pela baixa demanda;
  • Técnica, pelas restrições topográficas e sazonais;
  • Ambiental, pelos riscos de desmatamento;
  • Social, pelas ameaças a povos e territórios tradicionais.

Um dos principais problemas apontados é o relevo acidentado das estradas andinas. “O Brasil sempre exportou pelo Atlântico e quer agora exportar pelo Pacífico — só que temos a Cordilheira dos Andes no meio”, observou Leles.

O estudo aponta que as estradas não comportam os veículos usados no transporte de grãos no Brasil — grandes e pesados —, o que tornaria o tráfego mais arriscado e danoso para usuários e para a região.

A hipótese de transbordo para veículos menores nas fronteiras reduziria a eficiência e poderia não ser economicamente viável.

Além disso, diferenças de legislação entre os países e a falta de infraestrutura poderiam elevar custos e atrasar operações, exigindo obras de grande porte e investimentos em áreas desfavoráveis ao transporte rodoviário.

Na avaliação econômica, os pesquisadores apontam que a produção existente nos estados do Amazonas e do Acre — que seriam os principais beneficiados pelas rotas — não é suficiente para justificar a criação de um corredor até o Pacífico. “Seriam necessários investimentos muito altos para uma baixa produção”, afirmou Leles.

Impactos climáticos e ambientais

As condições climáticas representam outro desafio: nevascas, chuvas intensas e deslizamentos — comuns nos Andes — aumentariam os riscos e o tempo das viagens.

No transporte fluvial, a sazonalidade dos rios da rota Amazônica compromete a navegabilidade constante, afetando a fluidez e a previsibilidade logística.

Os pesquisadores também alertam para o risco de avanço do desmatamento e para as ameaças à integridade de povos indígenas e comunidades tradicionais das regiões afetadas.

Pesquisadores pedem análise mais profunda antes de novos investimentos

Segundo o professor, experiências anteriores de projetos de infraestrutura na Amazônia e nas regiões andinas mostram que novas rotas de transporte frequentemente desencadeiam ocupações desordenadas, extração ilegal de madeira e tensões sociais que ameaçam os meios de subsistência e a integridade cultural das comunidades locais.

Dessa forma, os pesquisadores defendem que, para o Brasil exercer o papel de corredor comercial com a Ásia, é necessária uma avaliação mais rigorosa e aprofundada do custo-benefício dos empreendimentos antes de grandes investimentos públicos. Segundo eles, os custos operacionais e as restrições físicas inviabilizam que essas duas rotas ofereçam vantagens reais em relação aos corredores atlânticos.

Questionado sobre a inviabilidade do projeto, o Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO) argumentou em nota que o Projeto Rotas de Integração Sul-Americana é uma iniciativa estruturada e de longo prazo, nascida do Consenso de Brasília de 2023 e voltada à integração da infraestrutura física e digital do continente. Segundo o órgão, os traçados definidos são reais e utilizam vias já existentes, resultado de um processo de escuta com estados brasileiros e países vizinhos. O projeto busca fortalecer a conectividade regional e promover desenvolvimento econômico sustentável, revisitando experiências anteriores.

O MPO destacou que o projeto considera riscos ambientais, climáticos e logísticos desde sua concepção, com avaliações ex-ante e parcerias com organismos multilaterais e ministérios setoriais. As críticas sobre limitações de navegabilidade, custos operacionais e topografia foram tratadas como desafios que o próprio programa pretende enfrentar, por meio de ações de engenharia, dragagem de rios e harmonização regulatória entre países. A pasta reforçou que a Rota 2 (Amazônica) e a Rota 3 (Quadrante Rondon) não implicam abertura de novas estradas, mas aperfeiçoamento de infraestruturas já existentes, com foco em eficiência logística e integração produtiva.

Em relação aos impactos ambientais e sociais, o Ministério afirmou que o projeto atua em sintonia com o Ministério do Meio Ambiente, o Ministério dos Povos Indígenas e outras pastas, garantindo diálogo intercultural e consultas prévias conforme a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O MPO argumenta que o próprio histórico de impactos negativos em obras de infraestrutura justifica a coordenação estratégica do projeto, que busca justamente prevenir tais efeitos.

Para o governo, as Rotas de Integração representam não apenas uma alternativa logística ao Atlântico e ao Canal do Panamá, mas também um instrumento de integração regional, redução de desigualdades e fortalecimento da soberania nacional.

Leia na íntegra a nota enviada pela Assessoria de Comunicação Social do Ministério do Planejamento e Orçamento:

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