Venda exclusiva de cervejas da Ambev no Carnaval de BH barra bebidas locais; questão pode parar na Justiça

A venda exclusiva de cervejas da Ambev no Carnaval de Belo Horizonte em 2025 preocupa o setor de bebidas artesanais e locais. Como patrocinadora master, a gigante cervejeira está injetando R$ 5,9 milhões na folia. A contrapartida é o monopólio sobre a circulação de suas marcas de cerveja nos principais trajetos dos blocos de rua na Capital.
O Sindicato das Indústrias de Cervejas e Bebidas em Geral do Estado de Minas Gerais (SindBebidas) denuncia a prática.
A entidade “considera a cláusula de exclusividade em vias públicas como abusiva, por ferir o direito à livre concorrência e prejudicar centenas de indústrias de bebidas locais. Estas empresas, que investiram em aumento de produção para atender à demanda do Carnaval, agora se veem em desvantagem, temendo prejuízos significativos”, informou, por meio de nota.
O presidente do sindicato, Mário Marques, explica que a situação afeta não só o setor de cervejas artesanais, mas os próprios ambulantes.
“Principalmente aqueles que se organizam melhor, que têm aquelas Kombis ou foodtrucks. Quem fez estoque e negociou previamente com grandes fábricas de cerveja de Belo Horizonte vai ficar no prejuízo. É injusta essa exclusividade, principalmente em uma data como essa, que é o magnífico Carnaval de BH. Os produtos locais não poderiam ficar de fora. São justamente as bebidas artesanais regionais que divulgam o turismo mineiro e sustentam a nossa cultura”, ressalta.

Procurada pela reportagem, a Ambev respondeu que a venda de produtos pelos ambulantes credenciados durante o Carnaval segue as regras estabelecidas pela Belotur em edital de licitação.
Já a Belotur informa que o edital de patrocínio do Carnaval de Belo Horizonte em 2025, vencido pela Ambev, prevê que a empresa terá exclusividade na venda de cervejas em dez vias da cidade no período de 28 de fevereiro a 4 de março.
A empresa de turismo da Capital também afirma que os ambulantes foram informados da restrição no momento da entrega das credenciais para venda, o que aconteceu nessa terça-feira (11).
O SindBebidas trabalha para tentar um acordo com a PBH e ampliar os pontos liberados de vendas. “Já fizemos um contato com a Belotur para tentar resolver essa situação e aguardamos um posicionamento. Se não houver um acordo, vamos ter que judicializar a questão para dar oportunidade a todos mediante o livre comércio em áreas abertas”, explica Mário Marques.
Veja os pontos de venda exclusivos da Ambev no Carnaval de BH
Os pontos de venda exclusivos da Ambev no Carnaval são as principais passarelas dos blocos de rua de BH. Elas estão concentradas, principalmente, na região Central e adjacências. São elas:
- avenida Amazonas entre rua São Paulo e rua da Bahia;
- avenida Afonso Pena entre avenida Amazonas e avenida Álvares Cabral;
- avenida Brasil entre a avenida Afonso Pena e avenida. Francisco Sales;
- avenida Getúlio Vargas entre rua Alagoas e rua Professor Moraes;
- rua Mármore entre rua Gabro e Rua Tenente Durval;
- avenida dos Andradas entre rua Alphonsus de Guimarães e rua Pirite;
- avenida dos Andradas entre avenida do Contorno e rua dos Carijós;
- avenida Coronel Oscar Paschoal entre a avenida Antônio Abrahão Caram e avenida Presidente Carlos Luz;
- avenida dos Bandeirantes entre Praça da Bandeira e rua Professor Mello Cançado;
- avenida Assis Chateaubriand entre rua Sapucaí e rua Silva Ortiz.
Algumas das marcas de cerveja distribuídas pela Ambev são Brahma, Skol, Antarctica, Budweiser, Spaten, Stella Artois, Patagonia e Corona.
Cervejas locais já contabilizam os prejuízos
Considerado um período de vendas significativo para bebidas alcoólicas, o Carnaval era a data esperada pelas marcas de cervejas artesanais de Belo Horizonte e região para faturarem mais. Uma estimativa do SindBebidas dava conta de um aumento de cerca de 12% no faturamento com a venda de cervejas na folia deste ano.
Algumas marcas artesanais projetavam muito mais do que isso. Uma delas é a Krug Bier, pioneira no setor em Minas Gerais. Nascida em Belo Horizonte, em 1997, a cervejaria esperava faturar pelo menos o dobro neste Carnaval.

“Nós projetamos uma venda de latas nessa época de Carnaval de mais ou menos o dobro do que vendemos em um mês ‘normal’. Agora, com a prefeitura proibindo a venda, vai ser bem complicado”, diz o CEO e fundador da marca, Herwig Gangl.
A cervejaria Varace, sediada em Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), estimava um faturamento 40% maior do que o obtido em janeiro. Agora, terá que rever os cálculos.
“Nesta época de Carnaval, todas as cervejarias aumentam a produção. A restrição impacta nosso planejamento, já havíamos falado com os fornecedores para a aquisição de insumos, cevada, lúpulo. Isso afeta toda a cadeia de produção”, explica o diretor financeiro da Verace, André Paixão.
Ele lembra que, na festa do ano retrasado, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) havia aberto um edital para as cervejarias locais, em que a Verace entrou. Para este ano, o plano é encontrar brechas para minimizar o prejuízo.
“Vamos tentar atuar nos planos que não são exclusivos. Naqueles que são, vamos atacar com os drinques prontos, que temos na nossa linha de destilaria, e investir uma grana a mais em marketing”, diz.
E lembra: “Nova Lima, que é na RMBH, já teve a maior proporção de cervejarias do Brasil. A gente segura o turismo o ano inteiro, fomenta o cenário gastronômico e, na hora da festa, ficamos de fora”.
Populares no Carnaval de BH, drinques prontos estão liberados para vendas

“A determinação não se aplica a outros tipos de bebidas, alcoólicas ou não, como refrigerante, suco e água”, esclarece a Belotur. No entanto, algumas marcas que comercializam drinques prontos em Belo Horizonte acreditam que “o estrago já foi feito”.
A marca mineira de bebidas fermentadas Lambe-Lambe é uma delas. “Por enquanto, as vendas não foram impactadas. A nossa maior preocupação é no ruído de comunicação. Acho que não ficou muito claro para os ambulantes que a restrição não vale para as bebidas mistas”, diz a diretora de Comunicação e Estratégia da marca, Kalinka Campos.
Só no mês de janeiro, a empresa aumentou em 38% o volume de vendas, na comparação com o mesmo mês do ano passado.
“O que mais me incomoda é que o Carnaval de BH foi construído dentro de um lugar de ocupação popular e por quem trabalha no Carnaval e está na rua. Então, o investimento de grandes indústrias e grandes players como a Ambev acaba sendo uma injeção de patrocínio que não chega nessas pessoas, nos ambulantes e nos blocos. Isso não viabiliza o Carnaval, só o torna mais burocrático”, conclui.
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