Sustentabilidade torna-se uma estratégia de negócio
Ao passo que alguns – cada vez menos gente – continuam negando a mudança do clima, ela continua desregulando economias nacionais e afetando pessoas em todos os lugares, principalmente as mais vulneráveis nos países em desenvolvimento. O evento desconhece fronteiras.
Sem uma ação global coordenada e imediata, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a temperatura terrestre está projetada para aumentar mais de 3 ºC até o final do século 21. Uma das ferramentas de orientação para esse trabalho são os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), especialmente o 13º: “Ação Contra a Mudança Global do Clima – Tomar medidas urgentes para combater a mudança do clima e seus impactos.
Hoje, Dia Mundial do Meio Ambiente, assim como todos os outros, é o ideal para refletirmos e tornarmos nossos conhecimentos em ações práticas. Todos e cada um – governos, empresas, sociedade civil organizada e indivíduos – temos sempre algo a fazer e nunca é tarde para começar.
Nesse especial temos alguns exemplos de empresas que, pela própria natureza da atividade, têm grandes dificuldades para se tornarem ambientalmente responsáveis, mas que já estão se movimentando nesse sentido e obtendo resultados. Grandes cadeias produtivas têm se reinventado e as empresas líderes, arrastadas pelo exemplo, compartilhando conhecimentos e estratégias.
No novo normal, a sustentabilidade deixou de vez o vocabulário do marketing para se tornar estratégia de negócio, de olho em uma boa reputação, diminuição de riscos futuros e, principalmente, deixar clientes e investidores felizes.
Iniciativas têm um período grande de execução e de efeitos
Quando pensamos no combate às mudanças climáticas devemos ter em mente um conjunto quase incontável de ações de todos os portes – de separar o lixo de casa até a regulação dos altos-fornos das siderúrgicas, por exemplo. Todas são interligadas e imprescindíveis, o que torna o cenário muito complexo.
Nesse emaranhado de informações, um índice pode nos ajudar a compreender o todo: a emissão de gases de efeito estufa (GEE). As ações para a diminuição dessas emissões, especialmente do dióxido de carbono (CO2), são uma grande preocupação.
De acordo com o relatório especial do IPCC (em português: Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), publicado em 2018, para evitar os piores impactos da mudança climática, as emissões globais de carbono devem ser reduzidas à metade até 2030 e zeradas em termos líquidos até 2050. Atualmente, está acontecendo o contrário: entre 2009 e 2019, as emissões médias globais de carbono relacionadas à energia aumentaram 1,5% ao ano.
Ano passado foi outro período de elevação recorde da temperatura global, apesar de uma queda nas emissões provocada pela pandemia no planeta. A década de 2020 será fundamental para determinar se podemos modificar a curva de emissões de forma suficientemente rápida para cumprir a meta estabelecida no Acordo do Clima de Paris.
O estudo produzido pela PwC “Índice da Economia de Emissões Líquidas Zero 2020: a década crucial”, traz a reflexão: “A lacuna entre ambição e ação, no entanto, ainda é considerável. Enfatizamos a necessidade de escala, colaboração, investimento e inovação para transformar compromissos em ações”.
Segundo o sócio e líder de ESG da PwC Brasil, Mauricio Colombari, é preciso entender que os resultados são de longo prazo, daí a necessidade de atitudes urgentes. “Falamos em sustentabilidade há muito tempo e a pandemia deixou tudo muito às claras, somando-se a isso os investidores institucionais colocarem essa pauta na agenda. É positivo, porém, é pouco. O que vemos hoje é o resultado de emissões passadas. Por isso falamos em 2030, 2050. As iniciativas têm um período grande de execução e de efeitos. Por isso, essa é a década da atitude”, defende Colombari.
E é com sentido de urgência que a Gerdau – siderúrgica de 120 anos com unidade em Ouro Branco (região Central) – encara o seu plano de sustentabilidade e, em especial, a mitigação das emissões de CO2. De acordo com a gerente-geral de Meio Ambiente da Gerdau, Cenira Nunes, a mudança do clima é tratada dentro da estratégia de produção da empresa.
“Colocamos o tema das mudanças no clima dentro da remuneração de longo prazo dos executivos. Também precificamos o carbono nos projetos de engenharia. Para tomar a decisão é importante entender o que acontece. Os investidores estão cada vez mais conscientes. Se a empresa não se prepara para mitigar um risco, como uma restrição no uso da água, por exemplo, o investidor começa a questionar qual o risco daquela empresa no longo prazo. Outro fator é o próprio cliente. Hoje, vários deles questionam os nossos compromissos com a redução do CO2 porque, para que ele próprio possa mitigar, precisa da nossa ajuda. O compartilhamento e a cooperação são fundamentais”, explica Cenira Nunes.
Atitude corroborada pelo sócio e líder de NetZero da PwC, Leandro Ardito. Para ele, a primeira coisa é fazer o mapeamento para saber onde a empresa está e onde quer chegar.
“Não dá pra voltar ao normal, uma catástrofe como a Covid-19 tem que nos fazer ir para frente. São muitas complexidades, gente morrendo de fome. Tem que ser junto. É uma questão de sobrevivência para as empresas. Perguntamos para empresas familiares as suas prioridades. No Brasil é expandir para novos mercados e segmentos de clientes (60%). Reduzir emissões é prioridade apenas para 6% no País e 15% no mundo. Falta perceber as oportunidades. Hoje ser uma empresa com boas práticas abre espaço para dialogar com o consumidor, com outras empresas e atrair força de trabalho. Míope é ver o ESG como um fardo”, destaca Ardito.
RHI Magnesita busca emergir mais verde da pandemia
Líder global da indústria de refratários, a RHI Magnesita, com sede em Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH), tem como foco emergir “mais verde” da pandemia. Globalmente está previsto o aporte de 50 milhões de euros, nos próximos quatro anos, em pesquisas com foco nas tecnologias de captura de carbono.
Entre as cinco prioridades corporativas globais da companhia está o desenvolvimento de estratégias para obter emissões líquidas zero de carbono. A meta para 2025 é reduzir 15% nas emissões, envolvendo matérias-primas: investimentos em troca de combustível e uso “eletricidade verde”. E ainda, incluir 10% do conteúdo de matéria-prima via instalações de reciclagem em todas as plantas da companhia.
Segundo a pesquisadora sênior da RHI Magnesita, Tamara Ribeiro, é sempre preciso pensar em toda a cadeia produtiva. Os próprios clientes já pressionam por uma produção mais responsável. A emissão de CO2 vem, principalmente, da produção de matéria-prima e pela decomposição do minério durante o processo.
“Hoje já capturamos o CO2 e o grande desafio é o uso. As aplicações ainda são pequenas na indústria de bebidas e na medicina. Podemos produzir combustíveis, produzir carbonatos minerais para a construção civil, por exemplo, mas essas são iniciativas de longo prazo. Temos a ambição de sermos uma empresa carbono neutro. O que já temos em curto prazo, o compromisso de reduzir 15% das emissões até 2025. Nessa frente trocamos o combustível dos fornos por outro menos poluentes. E uma coisa muito interessante é incorporar nos produtos materiais secundários, que são produtos reciclados. Até 2025, teremos 10% de matéria-prima secundária nos produtos. No balanço isso pesa muito”, explica Tamara Ribeiro.
A analista ambiental de Idyll Environmental Economics – consultoria ambiental que atua na área de desenvolvimento de projeto de carbono e comercialização de créditos de carbono, com sede em Belo Horizonte -, Júlia Alvarenga, avalia a crise climática como o maior desafio da humanidade e que não foi pausada pela pandemia. Para ela, todo mundo pode fazer alguma coisa. À medida que as maiores empresas vão se comprometendo e precisam controlar sua cadeia de fornecimento, exigem mais dos fornecedores.
“Vivemos num cenário de muita incerteza e não tem uma solução única. Existe um debate em torno da neutralização, mas isso é uma estratégia de meio, não de chegada. O primeiro passo é fazer o inventário de emissões. O Fórum Econômico lançou um relatório mostrando a questão climática e ambiental entre os principais riscos para a economia global nas próximas décadas. Pensar nisso como custo é pensar muito pequeno. Precisamos entender como estratégia de diminuição de gastos no futuro. São responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Países desenvolvidos têm que contribuir mais porque emitiram mais historicamente. Uma espécie de compensação também financiando soluções em outros países”, alerta Júlia Alvarenga.
Logística
A mitigação do CO2 nos transportes é um desafio de proporções continentais em um país que tem nas rodovias o seu principal modal de escoamento de produção, como é o Brasil. Se propor a ser ambientalmente responsável no setor de logística requer inovar nos processos.
A startup Shippify – com atuação no Equador, Chile e Brasil e sede em Belo Horizonte – se dedica ao chamado “transporte de última milha”. São dois modelos de negócios: a entrega de última milha, criando uma comunidade de entregadores independentes através de um aplicativo. E outro, o licenciamento da tecnologia para outras empresas que tenham frotas próprias fazerem a gestão.
“O mercado de entregas, especialmente no Brasil, é um mercado antigo, com práticas tradicionais. A ideia é criar esse sistema operacional para integrar a cadeia de logística com tecnologia. Queremos, em cinco anos, zerar o nosso impacto. Para isso apostamos em eficiência, trabalhando com armazéns inteligentes cada vez mais próximos dos destinatários, melhorando as rotas e estimulando a eletrificação da frota. Já deixamos de emitir 150 toneladas de CO2 até aqui em relação ao que os nossos clientes emitiriam fazendo a própria gestão”, pontua o diretor da empresa para o Brasil, Lucas Grossi.
METAS DO ODS 13 |
• Promover mecanismos para a criação de capacidades para o planejamento relacionado à mudança do clima e à gestão eficaz, nos países menos desenvolvidos, inclusive com foco em mulheres, jovens, comunidades locais e marginalizadas; • Implementar o compromisso assumido pelos países desenvolvidos partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima para a meta de mobilizar conjuntamente US$ 100 bilhões por ano até 2020, de todas as fontes, para atender às necessidades dos países em desenvolvimento, no contexto de ações significativas de mitigação e transparência na implementação; e operacionalizar plenamente o Fundo Verde para o Clima, por meio de sua capitalização, o mais cedo possível; • Melhorar a educação, aumentar a conscientização e a capacidade humana e institucional sobre mitigação global do clima, adaptação, redução de impacto, e alerta precoce à mudança do clima. Integrar medidas da mudança do clima nas políticas, estratégias e planejamentos nacionais. Reforçar a resiliência e a capacidade de adaptação a riscos relacionados ao clima e às catástrofes naturais em todos os países. |
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