Especial

Complexo da Pampulha completa 80 anos de encanto paisagístico, mas de desafios históricos

Santuário Arquidiocesano de São Francisco de Assis é o grande ícone da Pampulha | Crédito: Leonardo Morais
Considerado um oásis em meio à metrópole, há 55 anos poder Executivo proibia atividades náuticas na lagoa por conta de contaminação de suas águas

Quem ainda não ouviu, vai ouvir falar sobre o Complexo da Pampulha, circuito que abriga um dos mais importantes conjuntos arquitetônicos e paisagísticos do País. Pampulha é muito mais que um complexo; é o Eldorado que nutriu os sonhos de ascensão social de várias gerações.

Parte do ser mineiro, o tradicional conjunto belo-horizontino completa, nesta terça-feira (16), 80 anos de uma história de inovação, cultura, arte, mas também de problemas de caráter social e ambiental.

Quase que uma gestação, nove meses foram necessários para erguer simultaneamente os quatro edifícios icônicos que circundam o espelho d’água. Dentre eles estão o Santuário Arquidiocesano São Francisco de Assis (Igrejinha da Pampulha), o Museu de Arte da Pampulha (antigo Cassino) e o Centro de Referência em Urbanismo, Arquitetura e Design de BH (antiga Casa do Baile).

A quarta obra, o late Tênis Clube, abrigou o antigo Iate Golfe Clube e o Pampulha Iate Clube. Este último, fomentou por anos uma série de competições de esportes aquáticos e náuticos em plena lagoa.

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“Pampulha foi o início de Brasília. Os mesmos problemas, a mesma correria, o mesmo entusiasmo”, já dizia o carioca Oscar Niemeyer. Na década de 30, o ex-prefeito da capital mineira, Juscelino Kubitschek, convidou o arquiteto para conceber o projeto do Complexo Arquitetônico e Paisagístico da Pampulha. Mas Niemeyer, com 36 anos, pouco imaginava que os problemas os quais ele mencionava seriam bem mais agravantes e sistemáticos.

Com o crescimento da população da Capital e o aumento de frequentadores da lagoa, os primeiros registros de poluição no complexo ocorreram em 1975. Desde aquele ano até então, portanto, a reivindicação sempre foi a mesma: melhorar a qualidade da água com a despoluição da Lagoa da Pampulha.

Espécies de animais tentam sobreviver ao caos

PBH catalogou cerca de 200 espécies da fauna brasileira na Lagoa da Pampulha | Crédito: Leonardo Morais

Na frente da igrejinha cujo patrono é São Francisco de Assis, padroeiro do meio-ambiente, cerca de 200 espécies da fauna foram catalogadas pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) buscando sobrevivência no local. No entanto, cerca de 3 quilômetros dali, há os canais dos córregos Ressaca e Sarandi que dão acesso à bacia.

A presença de esgotos in natura que chegam por esses cursos d ‘água transforma, pois, as águas da grande lagoa em líquido de aspecto escuro e sufocante para várias espécies do conjunto de vida vegetal e animal. A prefeitura, aliás, informa que, somente no ano passado, recolheu cinco toneladas de lixo da lagoa diariamente.

Em sua abrangência total, a bacia hidrográfica de contribuição à Lagoa da Pampulha tem um território de 100 km². Ela está numa região populacional de aproximadamente 500 mil pessoas. Delas, cerca de 55%, ou seja, mais da metade populacional é de moradores do município de Contagem, na Grande BH.

O diretor de Gestão de Águas Urbanas da Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura, Ricardo Aroeira, explica que todo o esgoto presente na região ocorre em função da não universalização do sistema de esgotamento sanitário.

“Em questão, a Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) é a responsável direta por todo esse esgoto que ali chega para o devido tratamento”, afirma. “A água da lagoa se transforma em grande assoreamento. O esgoto, por sua vez, se mistura ao acúmulo de terra e do lixo trazido pelo reservatório que ganha proporção principalmente nos períodos chuvosos”, pontua Ricardo Aroeira.

O vereador Bráulio Lara (Novo), relator da CPI da Lagoa da Pampulha que trata do abuso de poder público para resolver o problema, lamenta o cenário. “A lagoa é um patrimônio mundial. É um patrimônio tão importante que, em pesquisa no site da Unesco, está sendo apresentado fotos após as pirâmides do Egito. Por aí você já consegue entender tamanha a importância da Pampulha. Contudo, você olha para a lagoa e se depara com tanto lixo… e são milhões e milhões de dinheiro aplicados para a sua melhoria”, afirma.

De acordo com os documentos da CPI que ultrapassam as 400 páginas, nos últimos 20 anos a PBH já anunciou R$ 1,420 bilhão para fins de recuperação da bacia hidrográfica da Pampulha. “Para onde esse dinheiro foi? A poluição da lagoa só existe por um motivo. E é justamente esse motivo que nós estamos tentando descobrir”, exclama Lara.

Imagem aéra da Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte
BH recolheu, no ano de 2022, cinco toneladas de lixo da lagoa diariamente | Crédito: Dione AS.

Ação judicial pode acelerar o fim do lançamento de resíduos

Ricardo Aroeira afirma que, nos últimos anos, as principais ações da prefeitura foram a recuperação e preservação ambiental da bacia hidrográfica. “Esse trabalho inclui o problema de esgotamento sanitário, com uma atuação junto à Copasa que vem se traduzindo numa posição firme, inclusive com o ajuizamento de uma ação junto ao Conselho da Justiça Federal (CJF) em conjunto com o Ministério Público Federal (MPF)”, lembra.

A ação mencionada pelo diretor de Gestão de Águas Urbanas é referente a uma ordem judicial que impõem à Copasa extinguir os lançamentos de resíduos no cartão postal da capital mineira. Na prática, portanto, a companhia tem até 2028 para concluir as obras de um equipamento que vai coletar e tratar 100% do esgoto na Bacia Hidrográfica da Pampulha.

Fruto dessa ação é que a Copasa se dispôs a colaborar com a prefeitura e com a justiça. Procurada, a empresa salientou ao DIÁRIO DO COMÉRCIO que um plano de ação de propositura de soluções técnicas segue em execução para a melhoria do sistema. Além disso, a empresa se compromete a destinar ao sistema um investimento na ordem de R$ 146,5 milhões ao longo dos próximos cinco anos. O valor também inclui a obra de interligação de 9.759 ligações ao sistema público de coleta e tratamento de efluentes nas imediações da lagoa.

Em nota, a companhia informou que já investiu mais de R$ 615 milhões nos últimos 20 anos em ações para a despoluição dos cursos d’água. Houve, assim, “a ampliação da cobertura dos serviços de coleta e tratamento dos efluentes na bacia hidrográfica da Lagoa da Pampulha”, diz. Segundo a Copasa, esse investimento possibilitou o alcance de um índice de mais de 98% de cobertura de rede na bacia.

Bráulio Lara acrescenta que 70% dos problemas existentes na realidade da lagoa chegam pelos córregos Ressaca e Sarandi e que nada se faz para se alcançar uma solução. “O problema não tem que ser resolvido primeiramente dentro da lagoa. Ele tem que ser tratado antes de entrar na lagoa. A gente escuta sempre que a Pampulha não tem solução, mas ela tem sim solução”. 

Transparência na aplicação de recursos de recuperação é ausente

O vereador e relator do processo de investigação comenta que as medidas necessárias a nível de assoreamento e a nível de limpeza da água são de conhecimento público, mas não praticáveis no cartão-postal. “Não se trata de uma tecnologia desconhecida. Ela só não é executada até hoje a gente não sabe o porquê”, conclui.

Reportagem do DIÁRIO DO COMÉRCIO registrou a existência de resíduos sólidos próximo ao Iate Tênis Clube | Crédito: Leonardo Morais

Em relação ao atual aspecto microbiológico da água, Ricardo Aroeira aponta que desde 2016 a lagoa recebe a aplicação de duas tecnologias combinadas. “São feitas as aplicações de um biorremediador e de um remediador que têm as funções de neutralizar a ação do fósforo, que é um nutriente limitante na lagoa”, defende.

Para o ambientalista e urbanista da Universidade de São Paulo (USP) Tiago Santiago, as aplicações do biorremediador e do remediador são nutrientes responsáveis pela proliferação de algas e também de cianobactérias na lagoa.

“Essa proliferação pode conduzir a um processo de eutrofização, que são matérias orgânicas muito ricas em minerais. Porém, se essa ação não for combinada com a limpeza efetiva em toda a extensão da lagoa, ela pode resultar numa grande fossa séptica que gera a criação de mau cheiro, transbordamentos e o surgimento de pragas e doenças à população que circula pela orla. É um problema de saúde pública que pode se agravar e ser reconhecido como um crime ambiental”, conclui.

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