Complexo da Pampulha completa 80 anos de encanto paisagístico, mas de desafios históricos
Quem ainda não ouviu, vai ouvir falar sobre o Complexo da Pampulha, circuito que abriga um dos mais importantes conjuntos arquitetônicos e paisagísticos do País. Pampulha é muito mais que um complexo; é o Eldorado que nutriu os sonhos de ascensão social de várias gerações.
Parte do ser mineiro, o tradicional conjunto belo-horizontino completa, nesta terça-feira (16), 80 anos de uma história de inovação, cultura, arte, mas também de problemas de caráter social e ambiental.
Quase que uma gestação, nove meses foram necessários para erguer simultaneamente os quatro edifícios icônicos que circundam o espelho d’água. Dentre eles estão o Santuário Arquidiocesano São Francisco de Assis (Igrejinha da Pampulha), o Museu de Arte da Pampulha (antigo Cassino) e o Centro de Referência em Urbanismo, Arquitetura e Design de BH (antiga Casa do Baile).
A quarta obra, o late Tênis Clube, abrigou o antigo Iate Golfe Clube e o Pampulha Iate Clube. Este último, fomentou por anos uma série de competições de esportes aquáticos e náuticos em plena lagoa.
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“Pampulha foi o início de Brasília. Os mesmos problemas, a mesma correria, o mesmo entusiasmo”, já dizia o carioca Oscar Niemeyer. Na década de 30, o ex-prefeito da capital mineira, Juscelino Kubitschek, convidou o arquiteto para conceber o projeto do Complexo Arquitetônico e Paisagístico da Pampulha. Mas Niemeyer, com 36 anos, pouco imaginava que os problemas os quais ele mencionava seriam bem mais agravantes e sistemáticos.
Com o crescimento da população da Capital e o aumento de frequentadores da lagoa, os primeiros registros de poluição no complexo ocorreram em 1975. Desde aquele ano até então, portanto, a reivindicação sempre foi a mesma: melhorar a qualidade da água com a despoluição da Lagoa da Pampulha.
Espécies de animais tentam sobreviver ao caos

Na frente da igrejinha cujo patrono é São Francisco de Assis, padroeiro do meio-ambiente, cerca de 200 espécies da fauna foram catalogadas pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) buscando sobrevivência no local. No entanto, cerca de 3 quilômetros dali, há os canais dos córregos Ressaca e Sarandi que dão acesso à bacia.
A presença de esgotos in natura que chegam por esses cursos d ‘água transforma, pois, as águas da grande lagoa em líquido de aspecto escuro e sufocante para várias espécies do conjunto de vida vegetal e animal. A prefeitura, aliás, informa que, somente no ano passado, recolheu cinco toneladas de lixo da lagoa diariamente.
Em sua abrangência total, a bacia hidrográfica de contribuição à Lagoa da Pampulha tem um território de 100 km². Ela está numa região populacional de aproximadamente 500 mil pessoas. Delas, cerca de 55%, ou seja, mais da metade populacional é de moradores do município de Contagem, na Grande BH.
O diretor de Gestão de Águas Urbanas da Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura, Ricardo Aroeira, explica que todo o esgoto presente na região ocorre em função da não universalização do sistema de esgotamento sanitário.
“Em questão, a Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais) é a responsável direta por todo esse esgoto que ali chega para o devido tratamento”, afirma. “A água da lagoa se transforma em grande assoreamento. O esgoto, por sua vez, se mistura ao acúmulo de terra e do lixo trazido pelo reservatório que ganha proporção principalmente nos períodos chuvosos”, pontua Ricardo Aroeira.
O vereador Bráulio Lara (Novo), relator da CPI da Lagoa da Pampulha que trata do abuso de poder público para resolver o problema, lamenta o cenário. “A lagoa é um patrimônio mundial. É um patrimônio tão importante que, em pesquisa no site da Unesco, está sendo apresentado fotos após as pirâmides do Egito. Por aí você já consegue entender tamanha a importância da Pampulha. Contudo, você olha para a lagoa e se depara com tanto lixo… e são milhões e milhões de dinheiro aplicados para a sua melhoria”, afirma.
De acordo com os documentos da CPI que ultrapassam as 400 páginas, nos últimos 20 anos a PBH já anunciou R$ 1,420 bilhão para fins de recuperação da bacia hidrográfica da Pampulha. “Para onde esse dinheiro foi? A poluição da lagoa só existe por um motivo. E é justamente esse motivo que nós estamos tentando descobrir”, exclama Lara.

Ação judicial pode acelerar o fim do lançamento de resíduos
Ricardo Aroeira afirma que, nos últimos anos, as principais ações da prefeitura foram a recuperação e preservação ambiental da bacia hidrográfica. “Esse trabalho inclui o problema de esgotamento sanitário, com uma atuação junto à Copasa que vem se traduzindo numa posição firme, inclusive com o ajuizamento de uma ação junto ao Conselho da Justiça Federal (CJF) em conjunto com o Ministério Público Federal (MPF)”, lembra.
A ação mencionada pelo diretor de Gestão de Águas Urbanas é referente a uma ordem judicial que impõem à Copasa extinguir os lançamentos de resíduos no cartão postal da capital mineira. Na prática, portanto, a companhia tem até 2028 para concluir as obras de um equipamento que vai coletar e tratar 100% do esgoto na Bacia Hidrográfica da Pampulha.
Fruto dessa ação é que a Copasa se dispôs a colaborar com a prefeitura e com a justiça. Procurada, a empresa salientou ao DIÁRIO DO COMÉRCIO que um plano de ação de propositura de soluções técnicas segue em execução para a melhoria do sistema. Além disso, a empresa se compromete a destinar ao sistema um investimento na ordem de R$ 146,5 milhões ao longo dos próximos cinco anos. O valor também inclui a obra de interligação de 9.759 ligações ao sistema público de coleta e tratamento de efluentes nas imediações da lagoa.
Em nota, a companhia informou que já investiu mais de R$ 615 milhões nos últimos 20 anos em ações para a despoluição dos cursos d’água. Houve, assim, “a ampliação da cobertura dos serviços de coleta e tratamento dos efluentes na bacia hidrográfica da Lagoa da Pampulha”, diz. Segundo a Copasa, esse investimento possibilitou o alcance de um índice de mais de 98% de cobertura de rede na bacia.
Bráulio Lara acrescenta que 70% dos problemas existentes na realidade da lagoa chegam pelos córregos Ressaca e Sarandi e que nada se faz para se alcançar uma solução. “O problema não tem que ser resolvido primeiramente dentro da lagoa. Ele tem que ser tratado antes de entrar na lagoa. A gente escuta sempre que a Pampulha não tem solução, mas ela tem sim solução”.
Transparência na aplicação de recursos de recuperação é ausente
O vereador e relator do processo de investigação comenta que as medidas necessárias a nível de assoreamento e a nível de limpeza da água são de conhecimento público, mas não praticáveis no cartão-postal. “Não se trata de uma tecnologia desconhecida. Ela só não é executada até hoje a gente não sabe o porquê”, conclui.

Em relação ao atual aspecto microbiológico da água, Ricardo Aroeira aponta que desde 2016 a lagoa recebe a aplicação de duas tecnologias combinadas. “São feitas as aplicações de um biorremediador e de um remediador que têm as funções de neutralizar a ação do fósforo, que é um nutriente limitante na lagoa”, defende.
Para o ambientalista e urbanista da Universidade de São Paulo (USP) Tiago Santiago, as aplicações do biorremediador e do remediador são nutrientes responsáveis pela proliferação de algas e também de cianobactérias na lagoa.
“Essa proliferação pode conduzir a um processo de eutrofização, que são matérias orgânicas muito ricas em minerais. Porém, se essa ação não for combinada com a limpeza efetiva em toda a extensão da lagoa, ela pode resultar numa grande fossa séptica que gera a criação de mau cheiro, transbordamentos e o surgimento de pragas e doenças à população que circula pela orla. É um problema de saúde pública que pode se agravar e ser reconhecido como um crime ambiental”, conclui.








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