Especial

Para deputado, lei “Mar de lama nunca mais” mudou a história de Minas Gerais

Jornalista, vice-presidente da holding Itasat (dona da Rádio Itatiaia) e apresentador na CNN, João Vitor Xavier foi candidato à PBH em 2010 | Crédito: Leonardo Morais
“A Serra do Curral deve ser intocável. É um patrimônio de Belo Horizonte, de Minas Gerais, um cartão postal da cidade", diz deputado

Eleito para o quarto mandato consecutivo na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), o deputado João Vitor Xavier (Cidadania) nesta legislatura integra a mesa diretora da Casa como membro da base do governador Romeu Zema (Novo) e trabalha para a busca do diálogo e da construção mútua no parlamento estadual. Nas últimas semanas, precisou atuar em prol do entendimento entre aliados e opositores ao Executivo estadual, diante da substituição do então secretário de Estado de Governo, Igor Eto, pelo deputado estadual Gustavo Valadares (PMN).

Em entrevista exclusiva ao DIÁRIO DO COMÉRCIO, o parlamentar falou sobre sua trajetória política, sua atuação como um dos autores do projeto de lei “Mar de lama nunca mais”, que instituiu a Política Estadual de Segurança de Barragens no Estado, os avanços no setor minério do Estado desde então, o descomissionamento de barragens a montante e as tentativas de se minerar a Serra do Curral – considerado um cartão-postal de Belo Horizonte.

“A Serra do Curral deve ser intocável. É um patrimônio de Belo Horizonte, de Minas Gerais, um cartão postal da cidade, algo que tem que ser tratado com muito zelo e com muita responsabilidade. Você não vê ninguém falando em minerar o Pão de Açúcar. Então, não dá para falar em minerar a Serra do Curral”, afirma.

Jornalista, vice-presidente da holding Itasat (dona da Rádio Itatiaia) e apresentador na CNN, João Vitor Xavier foi candidato à Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) em 2020, quando o ex-prefeito Alexandre Kalil (PSD) saiu vencedor. Questionado sobre a possibilidade de retornar ao pleito da administração municipal no próximo ano, diz que a disputa não está nos planos. “Candidatura majoritária é fruto de construção. E eu estou em outros projetos no momento”.

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Você está em seu 4º mandato consecutivo na ALMG. Quais são os principais desafios e contribuições

O maior desafio do Brasil nesse momento é conseguir equilibrar a disputa eleitoral com a possibilidade de convergência de ideias. A gente tem dois campos muito extremados na política e quanto mais esses campos ficam extremados, mais difícil é o diálogo e essa construção. Eu vim para a vida pública para construir. E hoje a gente vive um momento na política em que uma grande parte dos representantes está muito mais preocupada em destruir, em atacar, agredir e brigar. Não acredito que isso é bom para a política. Pelo contrário, acho isso muito ruim. Mas é a vontade das pessoas e a gente vê cada vez mais expresso no processo eleitoral, com alguns representantes com votações astronômicas e sem proposta, sem ideias, sem qualquer discussão profunda ou uma entrega política. Acho isso muito pequeno e a gente precisa construir um País que vá além. Que vá para a construção de política pública e de transformação da vida das pessoas. Que entregue serviço público de qualidade, que permita à iniciativa privada trabalhar com mais agilidade, que atrapalhe menos quem que gera emprego. Tenho visto cada vez mais no parlamento pessoas que vão para a tribuna e para o plenário, não para discutir ideias, mas para xingar deliberadamente e tirar um recorte para jogar nas redes sociais. Isso é muito ruim para a política e para o País e eu torço muito para que o Brasil consiga superar isso.

Vivemos um momento de alta polarização política no Brasil. Qual o caminho enxerga para a pacificação?

Acho que passa pela conscientização das pessoas de que isso não leva a lugar nenhum. Não estou dizendo que ter posições claras seja ruim. Eu respeito muito quem pensa política de direita, respeito muito quem tem política de esquerda, mas chega uma hora que você tem que sentar e encontrar um ponto de consenso, porque senão fica cada um puxando para um lado e ninguém sai do lugar. E não sair do lugar que o Brasil está, significa não construir nada de positivo, porque o lugar que a gente está não é bom. A gente não tem escola pública de qualidade, não tem hospital público de qualidade. O desemprego está elevado, as coisas custam caro e alguns setores estão parados. Não está bom para ninguém. E se não está bom para ninguém e ficam dois lados extremados, cada um puxando para o seu, a gente não vai sair do lugar. Não sei se existe uma solução simples, mas o que penso é que é necessária a construção de uma possibilidade de diálogo sobre pautas necessárias e importantes para o Brasil. Todo mundo sabe que o Brasil precisa de reforma tributária, de reforma administrativa, que o Brasil precisa melhorar a economia. Todo mundo sabe que o Brasil precisa gerar emprego, diminuir a burocracia, ter escola pública boa, que o SUS é importante.

E qual sua principal missão enquanto membro da mesa diretora da Assembleia?

É tentar ajudar no equilíbrio dessas questões. Tivemos, nas últimas semanas, momentos muito tensionados e meu papel foi ajudar o presidente da Casa nisso. Quando eu fui convidado pelo presidente Tadeu (Martins Leite) para compor a mesa numa das vagas da base do governo, isso foi pactuado. E eu recebi esse pedido do presidente e do governador para ser uma voz de diálogo e de construção política. E me considero alguém que está aqui para tentar construir. Entendo a posição da esquerda, a oposição, que é contra o governador Zema, que tem um projeto com o governo federal e sou parte da base do governador. Então, como parte da base, eu tento colocar em prática aquilo que discutimos na eleição. E tento construir uma aproximação para o possível.

Como enxerga a atual relação do governo do Estado com a ALMG?

Há algumas semanas eu via o melhor momento da relação do governo Zema com a Assembleia. Não sei por que a opção da mudança do secretário de Governo e não questiono. É um direito do (ex-secretário) Igor sair, é um direito do governador trocar e é direito do Gustavo Valadares aceitar a vaga. Não faço juízo de valor da opção pelo Gustavo nem da saída do Igor. Isso é natural e faz parte do processo político. Mas entendo que todo movimento brusco como esse, deixa sequelas. E, neste caso, a maior sequela foi a instabilidade, que é sempre ruim para quem governa. Quem governa não ganha nada com o ambiente instável; precisa de estabilidade e previsibilidade. Essa mudança muito brusca causou uma imprevisibilidade e uma dificuldade no processo. Acho que vai levar um tempo para que o governo ressolidifique essa relação, mas acho que tem um ambiente muito mais favorável do que há quatro anos, em especial pela postura do presidente Tadeu que é um aglutinador e um cara de muito bom diálogo.

Diante deste cenário, você avalia que haja ambiente propício para aprovar pautas importantes como o Regime de Recuperação Fiscal (RRF)?

Acho que há ambiente para se construir isso. Hoje, eu não sei dizer (se será aprovado). Mas há ambiente para se construir essa aprovação. Existe um caminho de construção política para que se aprove e esse caminho é republicano, do diálogo, do debate, da construção de ideias e da boa política. Mas se fosse ‘vai ou não vai’, seria mais difícil cravar uma aposta, porque movimentos políticos geram instabilidade e é o que temos no momento.

O mesmo serve para os projetos de privatização?

Acho que, neste caso, o processo é ainda mais duro. Do ponto de vista filosófico e político, eu acho que a pauta da privatização é hoje muito menos dura. Chegou um determinado momento no Brasil que falar de privatização era quase um xingamento. Hoje não é assim, boa parte da população entende os benefícios deste modelo de operação, mas ainda não é um assunto simples. Temos um lado muito firme na defesa da antiprivatização, com uma oposição muito resiliente e que conta com o apoio federal, que está interferindo no processo aqui na Casa. Ninguém precisa ter a ilusão de que a posição nacional do PT não vai interferir no processo e isso é legítimo, porque isso é da Democracia. Não vai ser uma briga fácil, mas acho que é possível.

Você foi um dos autores do projeto de lei “Mar de lama nunca mais”, que institui a Política Estadual de Segurança de Barragens. Este foi um marco para a mineração no Estado?

Eu vou te responder com uma frase que ouvi do então superintendente do Ibama em Minas Gerais, Júlio Grilo, no dia da aprovação do projeto: “Nós acabamos de aprovar o melhor projeto ambiental da história de Minas Gerais, um dos melhores do Brasil e que será a base para o projeto federal sobre esse tema”. E assim foi. Se você pegar o projeto federal, boa parte do que está lá foi o que construímos em Minas. Mas sem modéstia nenhuma, digo: o nosso é melhor. Se tivessem aprovado uma legislação federal como a que aprovamos aqui, o Brasil estaria ainda melhor servido, mas como o ótimo, às vezes é inimigo do bom, o que aprovaram já é melhor do que o que se tinha no Brasil no passado. E com base naquilo que fizemos aqui. Considero que este é o projeto mais importante do setor em Minas Gerais e também que esta é a contribuição mais importante da minha vida pública. Eu nunca fiz nada tão importante quanto esse projeto. Acho que mudamos a história de Minas Gerais para melhor. Ele impede que qualquer barragem, como aquelas que já caíram e mataram centenas de pessoas em Minas Gerais, seja construída no Estado. E as que existem, necessariamente, sejam descomissionadas. E elas estão sendo. Além disso, o processo de licenciamento dá muito mais garantias ao Estado e à população do que se tinha antes. E o método de rejeito a seco não inviabiliza a mineração, tanto que está todo mundo funcionando assim. Acho que foi uma contribuição gigantesca para Minas Gerais. Destaco que não sou contra a mineração. A mineração faz parte da vida, está em tudo. Mas a gente precisa garantir que esse processo seja feito com responsabilidade, não apenas visando o lucro pelo lucro, mas visando um lucro até a medida da responsabilidade social, ambiental e humana. E aí entra outro passo, que também é muito necessário, que é garantir o desenvolvimento de longo prazo dentro da cadeia no País. Não dá mais para continuar exportando minério de ferro com uma desoneração tributária gigantesca e importando beneficiado pagando muito mais e deixando o emprego de alta qualidade lá fora.

As regras impostas para a segurança de barragens têm sido cumpridas?

Quando aprovamos o projeto, o mais importante era botar um pé na porta e não permitir que continuasse daquele jeito. Não tinha um consenso técnico do prazo para o descomissionamento e ouvimos dos técnicos que havia barragem que era possível fazer em três, quatro anos e outras em 15, 20 anos. Não era uma coisa matemática que permitia estabelecer uma data, porque cada barragem é uma realidade. Decidimos então colocar um prazo curto de forma a pressionar a regulamentação, o que foi feito pelo Ministério Público, a meu ver, de maneira responsável e técnica, inclusive para garantir a segurança, porque não adianta querer desativar uma barragem num tempo menor e correr o risco de um novo acidente. Estamos livres de qualquer risco? Não. Porque você não resolve do dia para a noite um problema de 100 anos. Vamos levar 20 anos para que Minas Gerais, caso tudo seja cumprido, esteja livre de qualquer risco. Agora, a cada dia, a cada barragem descomissionada e cada estrutura que deixa de ser construída naquele modelo, temos sim um risco menor. Hoje o risco já é menor do que há três anos, mas ainda é maior do que será daqui a dez. E ainda há pontos da lei que precisam ser aplicados, em especial do fortalecimento de uma política pública de fiscalização e a questão da caução, que até hoje não foi regulamentada pelo governo. Mas, de maneira geral, a lei tem sido muito efetiva e já tem trazido retornos e evoluções muito importantes.

Você acompanhou pelo Legislativo o Acordo de Brumadinho. Tem notícias da repactuação de Mariana?

Participei ativamente aqui na Casa do Acordo de Brumadinho, das interlocuções junto ao Governo do Estado, junto ao Ministério Público e junto ao Tribunal de Justiça. Acho que a Assembleia deu uma contribuição importante nas repactuações e indenizando os municípios, descentralizando o processo. Todo o Estado, através do Caixa Único, contribuiu e sentiu os impactos do que aconteceu em Brumadinho. Então, foi justo que todos os municípios tivessem algum nível de indenização. O Acordo de Mariana também estou acompanhando, já tive reuniões em Brasília com o presidente do Senado, com o ministro de Minas Energia, discutindo essa questão. Torço muito para que os enfrentamentos políticos entre o governo federal e o governo do Estado não prejudiquem o processo.

Sabemos da força do setor minerário no Estado, especialmente em função do peso na economia. Como legislar em função da população neste quesito? Vocês encontram muita resistência?

Sempre houve um enfrentamento muito difícil com o setor. Isso continua e será assim eternamente. Há pessoas que são mais racionais, outras mais rasas e limitadas na discussão. Tem gente que é honesta e tem gente que é desonesta. Mas eu percebo um setor um pouco mais crítico de Brumadinho para cá. É possível, pelo menos, dialogar em busca de soluções. O nível de arrogância de algumas grandes empresas como a Vale, por exemplo, inviabilizava qualquer discussão. A Vale simplesmente não ouvia, não aceitava sentar à mesa. Hoje, pelo menos eles se colocam à disposição para discutir projetos e questões. Não estou dizendo que se tornou um setor fácil de lidar, mas pelo menos é um setor em que você encontra hoje vozes de autocrítica e vozes que entendem que aquilo que é mal feito gera problema para todos, inclusive para quem tenta trabalhar corretamente.

E a tentativa de retomada do projeto Apolo da Vale em Caeté, você tem acompanhado? Qual a sua avaliação?

Esse é um caso emblemático dessa situação. Sentei com a direção da Vale há uma década, quando tentaram implementar o projeto pela primeira vez e eles foram extremamente arrogantes. O projeto tinha uma barragem gigantesca, que poderia acabar com a água da Região Metropolitana (de Belo Horizonte) e até causar danos gigantescos em uma vasta região. Era um projeto inaceitável e um nível horroroso de arrogância. Há cerca de um ano vieram me apresentar a revisão. Não tenho condições de dizer se o projeto é bom, porque não tenho profundidade sobre o assunto. É bem menos pior do que aquele lá atrás. Já não tem barragem, a área atingida é muito menor, a área preservada é muito maior, com uma pera de trem de ferro para diminuir a passagem de caminhão dentro da cidade, com uma série de coisas e de estruturas muito mais palatáveis. O que entendo é que projetos como esses devem cumprir o que está na lei. A gente não pode fazer uma lei e depois da lei cumprida, achar que as pessoas não podem fazer. Isso é irracional. Se temos uma lei, se a lei é dura, se a empresa está cumprindo a lei, ela tem que ter o direito de produzir ou então muda a lei. Concordo que a gente tem que ter leis duras, garantias e buscar um processo de mineração menos danoso do ponto de vista ambiental, de impactos e de garantias de desdobramentos econômicos. Agora, se for cumprido isso, tem que se respeitar o direito de produzir. Estamos num país capitalista, que demanda minério e a gente tem que compreender e respeitar desde que os projetos estejam enquadrados dentro daquilo que a lei prevê e desde que esses projetos tragam benefícios para a população e para a comunidade. E assim penso sobre o projeto Apolo. Se ele estiver enquadrado dentro daquilo que a lei prevê, tem que ser respeitado. Agora, isso não é o projeto Apolo de Caeté, isso é para qualquer projeto no Estado. Da padaria da esquina a um projeto de mineração. Se estiver na lei, tem que respeitar o direito das pessoas e tem que respeitar o direito do empreendedor. E aquilo que estiver na lei, mas não for bom, que a gente lute para ser revisto.

O mesmo vale para os projetos minerários na Serra do Curral?

A Serra do Curral deve ser intocável. É um patrimônio de Belo Horizonte, de Minas Gerais, um cartão postal da cidade, algo que tem que ser tratado com muito zelo e com muita responsabilidade. Você não vê ninguém falando em minerar o Pão de Açúcar. Então, não dá para falar em minerar a Serra do Curral. Agora, entendo, tem que ser pensado um projeto de Estado e municípios para o entorno da Serra. Porque não adianta simplesmente falar que não vai minerar e depois permitir que aconteçam invasões nessas terras.

Qual a lição você tirou das últimas eleições municipais? Está nos planos concorrer à PBH novamente no próximo ano?

Aprende-se em todas as eleições. Aprende-se muito quando ganha, mas se aprende também quando perde. Perder é bom, faz bem, nos ensina. É didático e eu aprendi muito na eleição de 2020. Respeito muito o resultado de eleição e no dia que abriram as urnas, minha primeira palavra foi de respeito e reconhecimento a quem ganhou. A partir dali assumi meu lugar na oposição. E assim o fiz, de maneira respeitosa e democrática, mas apontando erros, problemas e respeitando a escolha das pessoas. Foi uma eleição muito difícil, complexa. Meu adversário principal, que foi o ex-prefeito eleito, agiu com muita habilidade e anulou o processo eleitoral, esvaziando debates e entrevistas. Mas isso é parte do jogo, do processo democrático. Mas acho que Belo Horizonte perdeu muito, porque foi um governo muito ruim e a falta de possibilidade de aprofundar debates sobre a cidade fez muito mal para todos. Mas política é assim. Você ganha, você perde e você segue adiante. Perdi aquela e dois anos depois ganhei para deputado estadual. Para o ano que vem não sei o que vai ser. Não está nos meus planos. Hoje eu não me considero um pré-candidato a prefeito e acho que esse tipo de coisa não cai do céu. Você tem que construir. Candidatura majoritária é fruto de construção. E eu estou em outros projetos no momento, muito dedicado ao meu mandato de deputado e aos projetos na Rádio Itatiaia e na CNN.

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