Bolsa recua em despedida da Americanas

São Paulo – O Ibovespa fechou em queda na sexta-feira (20), no último pregão de mais uma semana marcada pela crise da Americanas, uma das varejistas mais tradicionais do País, que viu suas ações afundarem para centavos após pedir recuperação judicial em meio a dívidas de R$ 43 bilhões.
Declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva também trouxeram desconforto, mas o forte fluxo de capital externo para o mercado acionário brasileiro neste começo de ano, no entanto, proporcionou mais uma semana com desempenho acumulado positivo, o que deixou a performance em 2023 no azul.
Índice de referência do mercado acionário brasileiro, o Ibovespa caiu 0,78%, a 112.040,64 pontos, após três altas seguidas, que asseguraram um ganho de 1% na semana. Em 2023, sobe 2,1%.
O volume financeiro nesta sexta-feira somou R$ 26 bilhões, com os negócios também influenciados pelo vencimento de opções sobre ações na bolsa paulista.
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Para o gestor de renda variável e sócio da Kilima Asset, Luiz Adriano Martinez, os eventos relacionados à Americanas foram também importantes nessa semana, não apenas pelo efeito na ação, mas pelos reflexos em outros papéis, particularmente de bancos, com eventual exposição às dívidas da empresa.
“Os bancos em geral não estavam indo bem”, afirmou, citando preocupações relacionadas a linhas de crédito de varejo, de pessoa física. “Com Americanas, a gente passou a ter contaminação da parte de pessoa jurídica. Isso foi um ponto bastante negativo”, acrescentou.
Em contrapartida, a semana teve uma continuidade do fluxo positivo de estrangeiros, com dados da B3 mostrando que, até o dia 18, as compras desses investidores no mercado secundário de ações brasileiro superaram as vendas em cerca de R$ 6 bilhões em 2023.
Na visão de Tomás Awad, sócio-fundador da 3R Investimentos, prevaleceu a visão otimista com mercados emergentes, em razão da reabertura de China, o que acabou beneficiando os ativos brasileiros. “Claramente, o investidor estrangeiro ditou o rumo da bolsa no Brasil”, afirmou.
Martinez reforçou que o mercado está confiante com a reabertura chinesa se tornando realidade e medidas de incentivo. “Isso acaba incentivando o estrangeiro a entrar no Brasil, pois acaba vendo o país como um grande fornecedor da China. Se a China está melhor, o Brasil acaba se beneficiando”, afirmou.
Awad ponderou que o Ibovespa poderia ter tido um desempenho ainda mais robusto não fossem as declarações de Lula na semana, embora integrantes da equipe do presidente tenham buscado na sequência atuar para acalmar o mercado. “É uma dicotomia, o Lula fala besteiras e aí vêm os bombeiros.”
Lula chamou de “bobagem” a independência do Banco Central na quarta-feira, enquanto defendeu que o reajuste do salário mínimo acompanhe o crescimento do PIB, assim como disse que vai “brigar” para subir o valor de isenção do Imposto de Renda para R$ 5 mil, conforme promessa de campanha. No dia seguinte, questionou a taxa básica de juros do País.
Na próxima semana, Cielo deve abrir o calendário de resultados das empresas do Ibovespa na sexta-feira, mas a temporada deve ganhar fôlego mesmo no começo de fevereiro, com os balanços de Santander Brasil no dia 2 e de Itaú Unibanco no dia 7, entre outros.
Destaques –Americanas ON despencou 29%, a R$ 0,71, revertendo os ganhos do começo do pregão, quando subiu a R$ 1,18, mas evitando fechar na mínima, quando bateu R$ 0,54, conforme agentes financeiros continuaram ajustando posições após a varejista pedir recuperação judicial na véspera. Oito dias após revelar um rombo contábil de R$ 20 bilhões, a Americanas entrou na quinta-feira (19) com pedido de proteção contra credores, citando dívidas de cerca de R$ 43 bilhões, que já foi aceito pela Justiça do Rio de Janeiro. Desde o anúncio das “inconsistências contábeis”, as ações derreteram 94%, com uma perda em valor de mercado de R$ 10,19 bilhões. Em razão do pedido de recuperação judicial, os papéis da companhia, que se aproxima de completar 100 anos de existência, deixarão os índices da B3 ao final da sessão de sexta-feira.
Rede D’or ON caiu 4,37%, a R$ 28,23, após subir mais de 12% nos últimos quatro pregões. Analistas do Citi cortaram nesta sexta-feira a recomendação para os papéis para “neutra”, bem como reduziram o preço-alvo de R$ 39 para R$ 33, enxergando uma relação risco versus retorno mais equilibrada neste momento. No começo da semana, o BTG Pactual havia reiterado “compra” para as ações do grupo de hospitais e elevado o preço-alvo do papel para R$ 38, citando entre outros fatores atualizações das estimativas após a conclusão da compra da SulAmérica pela Rede D’Or.
CVM investigará acionistas de varejista
A força tarefa criada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para apurar a crise na Americanas decidiu investigar também a conduta dos acionistas de referência da companhia, o trio de bilionários Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles.Ao lado dos administradores da companhia, eles são alvo de um processo que investiga os passos adotados após o anúncio das “inconsistências contábeis” que culminaram com o pedido de recuperação judicial na quinta-feira (19).
Procurada, a Americanas ainda não comentou o assunto. A Folha de S.Paulo não conseguiu contato com os empresários ou seus porta-vozes.
A CVM não divulga detalhes dos processos, mas especialista ouvido pela Folha de S.Paulo entende que o objetivo é avaliar se houve omissão de informações relevantes no primeiro comunicado sobre o tema, divulgado no dia 11 de janeiro.
Nele, a Americanas informava ao mercado a descoberta de “inconsistências contábeis” no valor de R$ 20 bilhões, com a identificação de operações de financiamento de compras que “não se encontram adequadamente refletidas” no balanço.
Dois dias depois, a empresa foi à Justiça pedir proteção contra seus credores, ação que não havia sido anunciada no primeiro comunicado.
“Embora não esteja claro, [o objeto do processo] dá a entender que a CVM está investigando se a comunicação feita em 11 de janeiro foi clara o suficiente para dizer tudo o que o mercado precisava saber”, diz Tiago Gomes, mestre em direito comercial pela USP e sócio do Ambiel Advogados.
Lemann, Sicupira e Telles têm 30,1% das ações da Americanas, volume bem superior ao segundo maior acionista, a gestora de fundos de investimento Capital Group, com 9,91%. Sicupira é ainda membro do conselho de administração.
Gomes pondera, no entanto, que o Brasil tem pouca jurisprudência na responsabilização de acionistas de empresas, o que torna imprevisível o desenrolar do caso.
O processo que envolve os acionistas de referência é um dos sete já abertos na CVM para apurar a conduta da empresa e de seus administradores. Um deles vai avaliar também a atuação das empresas de classificação de risco que analisaram as contas da companhia.
Em outros três, a CVM apura eventuais irregularidades nas informações contábeis da empresa, na divulgação de fatos relevantes e comunicados e na negociação de ações por seus diretores. Intermediários na emissão de ações são alvos de outro processo.
A Folha teve acesso a informações do primeiro processo aberto, no dia 12 de janeiro, que investiga as demonstrações contábeis da companhia.
Nele, a CVM pede à administração da Americanas detalhes sobre as inconsistências contábeis e seus reais impactos nas finanças da companhia. Questiona ainda porque os administradores disseram que os impactos no caixa são “imateriais”.
O órgão determina também que a empresa identifique os procedimentos adotados para corrigir o problema. O processo lista balanços divulgados pela companhia desde o início da década passada, mas foca os pedidos de informações de resultados desde 2017.
A CVM diz ainda que está fazendo uso de convênios e da cooperação que possui com a Polícia Federal e com o Ministério Público Federal para investigar o caso.
“Após a investigação e apuração de fatos e eventos, caso venham a ser formalmente caracterizados ilícitos e/ou infrações, cada um dos responsáveis poderá ser devidamente responsabilizado com o rigor da lei e na extensão que lhe for aplicável”, diz a CVM. (Nicola Pamplona/Folhapress)
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