Apesar da tecnologia, Brasil movimenta R$ 211 bilhões em cheques no primeiro semestre

A sua empresa ainda aceita ou paga fornecedores com cheque? E quando foi a última vez que você emitiu um? Pode soar estranho, mas os brasileiros ainda utilizam cheques no dia a dia dos negócios. Levantamento realizado pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban), a pedido do Diário do Comércio, mostra que, apesar da queda constante ao longo dos anos, os brasileiros usaram 51 milhões de cheques no primeiro semestre deste ano, movimentando cerca de R$ 211 bilhões por meio dessa forma tradicional de pagamento.
A título de comparação, no primeiro semestre de 2024, o número de cheques compensados foi 27,5% maior. Naquele período, foram compensados 65 milhões de documentos, que operacionalizaram R$ 236 bilhões. Em todo o ano de 2024, mais de 137 milhões de cheques foram emitidos no Brasil, movimentando R$ 523 bilhões. No entanto, o número em unidades foi 18,4% menor que em 2023, reforçando a queda contínua da modalidade.
Na comparação com 1995, quando os dados começaram a ser contabilizados, a retração é ainda mais intensa: 96%. Naquele ano, foram compensados 3,3 bilhões de cheques. Desde então, o número só diminui. O levantamento da Febraban tem como base o Serviço de Compensação de Cheques (Compe).
Com a chegada dos cartões de crédito, débito e do Pix, adotado desde 2020, especialistas consideram natural a queda no uso do cheque. Atualmente, ele responde por apenas 0,5% das transações, mas ainda cumpre papel relevante na sociedade.
A Febraban aponta vários motivos para a sobrevivência do cheque: resistência de clientes aos meios digitais, uso em comércios que não oferecem outras opções de pagamento, utilização como caução e preferência em localidades com problemas de internet.
De acordo com o assessor técnico de Serviços e Segurança da Febraban, Fábio Takimoto, tanto pessoas físicas quanto jurídicas ainda recorrem ao cheque. “Na pessoa física, a ausência de limite, como no cartão de crédito ou na conta para fazer Pix, faz com que o cheque seja utilizado. É uma relação de confiança entre consumidor e estabelecimento. Ele garante um prazo mais flexível ou um parcelamento mais amplo”, afirma.

No caso das empresas, Takimoto explica que a emissão de cheques gera um fluxo de caixa interessante, já que o documento pode ser repassado a fornecedores ou antecipado, especialmente no caso de pré-datados.
É o caso do empresário João Osvaldo Olímpio, que há mais de 40 anos atua no setor de conserto de equipamentos estéticos e hospitalares à frente da Tecmede. Ele afirma que ainda recebe cheques. “Recebia de 20 a 30 por mês, agora fico até meses sem receber, mas ainda recebo. São clientes antigos, não pago taxa de maquininhas e ainda consigo antecipar valores ou repassar”, diz.
Segundo Olímpio, o setor de estética mantém forte presença de pagamentos parcelados em cheques. “Aceito até cheques de terceiros dos meus clientes para fechar negócio”, acrescenta.
Outro ponto que Takimoto destaca como vantagem para pessoas jurídicas é a segurança. “Não havendo a compensação por insuficiência de fundos, o cheque pode ser protestado, o que ainda é uma ferramenta eficaz de cobrança”, ressalta.
Os números da Febraban também mostram que o valor médio dos cheques é mais elevado, indicando que eles são usados em transações de maior porte, enquanto pagamentos menores ficam concentrados no Pix. “No ano passado, o tíquete médio do documento foi de R$ 3.800,87, ante R$ 3.617,60 em 2023”, detalha Takimoto.
Em regiões remotas, no interior e nas periferias, o uso é mais comum. Segundo o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL/BH), Marcelo de Souza e Silva, a dificuldade de acesso à internet e a limitação de crédito dos consumidores explicam a persistência do cheque. “As pessoas têm pouco crédito, usam o limite do cartão e veem no cheque uma forma de ampliar o crédito, ao fazer compras parceladas, por exemplo”, exemplifica.
A CDL/BH chegou a mapear setores que usam a modalidade de forma recorrente, como vidraçarias, marcenarias, estética e beleza, além de comércios de maior volume, que mantêm relação de fidelidade com clientes. “O comerciante aceita o parcelamento no cheque sem perder a venda e já com juros embutidos”, afirma Marcelo de Souza e Silva.
A empresária Márcia Braga, proprietária do Márcia Braga Buffet, também ainda aceita cheques, mas apenas de clientes antigos. Para ela, o formato é inseguro quando não há relação de confiança. “Mesmo recebendo, tem muito tempo que ninguém me paga com cheque. Hoje em dia, com tantas formas de pagamento, quase ninguém opta pelo cheque. O uso está realmente reduzindo”, observa.
Empresas são obrigadas a aceitar o cheque?
A legislação brasileira determina que o comerciante só é obrigado a aceitar o dinheiro em espécie como meio de pagamento. Cartão de débito ou Pix não entram na obrigatoriedade. Não há lei que obrigue estabelecimentos a aceitar cheques.
Conforme a advogada tributarista e professora da PUC Minas, Polyany Cunha, apesar de não haver obrigação legal de aceitar o cheque, o consumidor deve ser informado previamente. “Do contrário, o comerciante pode violar o direito à informação, conforme determina o artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor”, orienta.
Ela recomenda que os estabelecimentos comerciais deixem claros os avisos, tanto nas lojas físicas quanto digitais, para evitar problemas.
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