Cenários interno e externo derrubam a Bolsa

O cenário de inflação alta, o aperto monetário nos Estados Unidos e o risco de recessão mundial aliado ao risco fiscal brasileiro interferiram de forma negativa na B3. Em junho, foi registrada a pior queda mensal no Ibovespa desde março de 2020, quando a pandemia de Covid-19 começou. A queda ficou em 11,5% e, no ano, a perda no Ibovespa já chega a 5,99%. O cenário incerto e volátil continua para o mês de julho, o que torna o acompanhamento dos desdobramentos internos e externos essencial para o investidor.
A analista da Terra Investimentos Eliz Sapucaia explica que o desempenho negativo da bolsa brasileira ocorreu em função tanto do mercado externo como do interno. No caso do mercado externo, a cautela vem do cenário dos EUA, com a inflação alta, começo do aperto monetário e tom mais duro dos membros do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano).
“Os membros do Fed começam a deixar claro que o aperto será um pouco mais longo do que se esperava, alertando que existe o risco de recessão, e isso tem sido intensificado por conta dos dados macroeconômicos que estão mistos”.
No cenário interno, Eliz Sapucaia explica que o mês foi marcado, principalmente, pelo risco fiscal, uma vez que a maioria das medidas do governo contam com gastos fora do teto. “Vide as alterações no Auxílio Brasil e a criação do auxílio combustível para os caminhoneiros, o grande receio do mercado é que essas medidas sejam estendidas por conta da corrida eleitoral”.
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A analista destaca que, ao longo do mês, as maiores quedas registradas no Ibovespa foram no setor de tecnologia, varejo e transporte aéreo. Entre as ações, as das Méliuz (CASH3) foram as mais afetadas no índice, registrando queda de 42% no mês. “Essa desvalorização ocorre por conta do avanço da taxa de juros e do dólar, impactando os investimentos da empresa”.
Queda também nas ações da Azul, 38%. “As empresas de transporte de forma geral são pressionadas pelo preço do petróleo, uma vez que esse impacta em toda a sua cadeia, além da pressão dos juros, que impacta diretamente em investimentos assim como no setor de tecnologia”.
No varejo, a Magazine Luiza registrou queda de 37% no mês, isso, segundo Eliz Sapucaia, ocorreu pelo varejo possuir margens de lucro apertadas e continuar sendo pressionado pela alta da taxa de juros que tem impacto direto no consumo.
“A tendência, para julho, é que esses setores – setor de tecnologia, varejo e transporte aéreo – podem continuar sofrendo”.
Dentre os que podem apresentar resultados positivos está o setor bancário. “O setor bancário é um dos beneficiados com as taxas de juros, com a possibilidade de aumento de receita. Para julho, o cenário incerto e volátil continua e o acompanhamento dos desdobramentos internos e externos se faz essencial para o investidor”.
Receio de recessão
O CEO da iHUB Investimentos, Paulo Cunha, explica que o cenário internacional está bastante negativo por conta do receio de uma recessão, causado pelo aumento da taxa de juros pelo Fed.
“Isso fez o S&P 500 (índice composto por ativos cotados nas bolsas de Nyse) ter um desempenho péssimo no primeiro semestre de 2022, um dos piores das últimas décadas, o que reflete aqui no nosso País também. Em paralelo, aqui no Brasil, estamos em período eleitoral e vemos o governo tentando adotar algumas medidas, ditas um pouco mais populistas, para tentar ajudar um pouco a população com relação à inflação que está muito alta. De forma que não está respeitando muito o teto fiscal e a rigidez orçamentária e isso acaba trazendo bastante incerteza”.
Ainda segundo Cunha, a expectativa para julho pode ser uma continuação do resultado de junho. “A bolsa já está bastante descontada, até mesmo barata quando olhamos para o múltiplo e a relação preço/lucro. Conseguimos ver que as empresas brasileiras que têm ações em bolsa estão sendo transacionadas a preços baixos. Em algum momento, o qual pode não ser necessariamente em julho, quando as incertezas se dissiparem, pode haver um gatilho para uma disparada de alta”.
Entre os setores com expectativas mais favoráveis, Cunha destaca os que estão ligados a commodities, devido aos preços altos. “Então, companhias produtoras de petróleo, ferro e siderurgia, produtoras de alimentos, papel e celulose, até mesmo os bancos (que também estão desempenhando bons resultados), que são as chamadas de empresas de valor, acabam sendo beneficiados”.
Aversão ao risco
O criador da Cespe Investimento e educador financeiro, Tiago Cespe, reforça que a interferência negativa na B3 foi um movimento de grande aversão a riscos.
“Estamos entrando cada vez mais em um período recessivo na economia. São vários fatores que fizeram com que a bolsa tivesse esse impacto tão negativo, como a inflação alta e persistente. Está claro que a inflação está cada vez mais alta e veio para ficar, e isso mostra que vamos ter apertos monetários no mundo inteiro”.
Além dessas questões de inflação alta e aperto de juros, as incertezas em relação ao que virá trazem mais instabilidade ao mercado. “O cenário vai ser de retração, mas não sabemos se vai ser um cenário de estagflação ou um cenário recessivo realmente, então essa indefinição acaba trazendo ainda mais instabilidade para o mercado”, explicou.
Para Cespe, a tendência é que a bolsa brasileira siga com oscilação forte em julho. “Isso pode ocorrer devido às incertezas que se instalaram em junho e vão continuar em julho. Dificilmente teremos uma definição desse cenário econômico futuro já agora no mês de julho”.
Para os investidores, dentre os setores favoráveis está o financeiro, que é extremamente beneficiado pelo aumento das taxas de juros.
“Os bancos tendem a ter uma performance melhor, pois vai ficar mais caro tomar crédito, por mais que se tome menos crédito, quem precisar tomar mais crédito vai pagar muito mais caro”.
Já entre os setores que vão sofrer maiores perdas está o de tecnologia, uma vez que, segundo Cespe, essas empresas costumam ter o caixa projetado para o futuro.
“Se o dinheiro está mais caro, isso impacta drasticamente nessas empresas. Se nós entrarmos em um período de recessão, as pessoas vão priorizar alimentos de primeira necessidade e não celulares ou aparelhos eletrônicos”.
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