Cenários interno e externo intensificam alta do dólar

Especialistas apontam que fatores internos, como questões relacionadas à responsabilidade fiscal e política monetária do Brasil, quanto externos, como as taxas de juros estabelecidas nos Estados Unidos e Japão, além dos próprios sinais da economia dos EUA, impulsionaram a mais recente valorização do dólar frente ao real.
A cotação da moeda americana no Brasil acumula alta acima de 16% em 2024 e, nos últimos dias, a escalada em relação ao real foi intensificada de tal maneira que alcançou o maior valor desde 2021.
“O dólar, para subir da forma como ele subiu, tem que ter tanto o impulsionador externo quanto o interno. É uma combinação de fatores”, comenta Samuel Leite, sócio da 3A Investimentos. Ele aponta que o desarranjo entre o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o Banco Central (BC), presidido por Roberto Campos Neto, piora uma percepção já deteriorada sobre a situação das contas públicas do País.
“A discussão tem sido muito grande em torno de se governo vai conseguir ou não fechar as contas no azul e cada vez mais tem caminhado para não fechar”, afirma Leite. “Isso prejudica bastante a visão do estrangeiro dentro do Brasil e faz com que ele tire mais dinheiro do que coloque”, completa.
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O sócio da corretora de investimentos acredita que o governo Lula III buscará reforçar mais a responsabilidade com a situação fiscal, já que a queda do dólar diminui os custos da dívida pública e da inflação. “O governo precisa do dólar baixo para que a inflação fique baixa, ao mesmo tempo conta com a baixa dos juros para poder gastar menos dinheiro com juros e mais com outros projetos. É de total interesse do governo e acredito que vai fazer tudo o que pode para garantir isso”, avalia.
Ele aponta que a decisão sobre quem será o próximo presidente do BC também pode impactar os rumos da moeda americana, já que é dele o voto de minerva em caso de decisão dividida no Comitê de Política Monetária (Copom), em relação à taxa básica de juros (Selic).
O mesmo ponto é alertado pelo professor de economia do Ibmec BH, Gustavo Andrade. “Desde aquela época se criou uma problemática para o mercado de sinalização de como que o novo corpo diretivo pós-Roberto Campos vai operar, se de maneira técnica ou não, e deixar os juros um pouco mais baixos do que deveria de fato estar”, ressalta.
A insegurança com a situação fiscal também é apontada por Ricardo Rodil, economista e líder do Mercado de Capitais da Crowe Macro Brasil, como um dos fatores para a subida do dólar, principalmente pelo fato do investidor brasileiro utilizar a moeda estrangeira como uma espécie de “refúgio” para o patrimônio. Em uma situação de risco, ele compra dólares para proteger seus investimentos.
Além disso, a reticência do Fed, o banco central dos EUA, em reduzir a taxa de juros para tentar controlar a inflação impacta no fluxo de capitais global e retira dólares do Brasil. “Quanto mais o Fed demorar para ir baixando essa taxa de juros, mais os capitais vão tender a ficar investidos em bonds do governo americano, em lugar de tomar risco de vir para Brasil, Argentina. Isso tolhe a entrada de dólares aqui”, explica.
Com a sinalização de que o Fed reduzirá os juros dos EUA em breve, ele acredita que as pressões inflacionárias devem arrefecer. “Isso levaria a poder abaixar a taxa de juros, trazer mais tranquilidade, a não usar tanto o dólar como refúgio, portanto o dólar pode baixar”, pontua.
O professor do Ibmec BH destaca mais um fator externo para que a variação do dólar aponte para cima: a possibilidade do retorno de Donald Trump à presidência da maior economia do mundo. “Isso é um impulso para o dólar muito maior, dado que ele tem ideias de políticas tarifárias que vão afetar o dólar para cima de maneira global”, ressalta.
Eleições nos EUA e decisões do Japão
Ele explica que um fator específico foi o aumento da taxa de juros japonesa, que impactou fortemente o fluxo de capitais. Os juros do Japão, historicamente baixos, favorecem o carry trade, o empréstimo em países de juros baixos para investimentos em países de juros mais altos, para proporcionar maior rentabilidade.
A subida de juros do BC japonês afetou a rentabilidade de vários investimentos que adotam essa estratégia, mas Andrade afirma que a pior parte dessa situação específica já ocorreu. A atenção agora se volta mesmo para a possível recessão da economia dos EUA.
“Esse somatório de influências locais vai continuar perdurando e não vai tirar o peso da moeda. O que pode acabar refluindo um pouco parte da acomodação a esses movimentos técnicos – que aconteceu com a moeda do Japão, grande parte foi. E ficar na dependência do risco de desaceleração da economia americana. Se isso de fato for confirmando-se ao longo do tempo com dados cada vez piores, aí não tem muito o que segurar, é dólar para cima”, analisa.
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