Diretor do BC defende política monetária flexível

Brasília – O diretor de Política Econômica do Banco Central (BC), Diogo Guillen, defendeu nesta quinta-feira (23) a flexibilidade na condução da política monetária, ressaltando que os membros do Comitê de Política Monetária (Copom) têm a visão comum de que devem agir com cautela, sem sinalizar próximos passos e com firme compromisso em trazer a inflação à meta.
Falando em seminário do European Economics & Financial Centre, Guillen se absteve de comentar se o ciclo de afrouxamento monetária chegou ao fim. “Sobre se terminou ou não, trata-se mesmo de ter uma política monetária flexível, sem orientação, e entender como o cenário vai evoluir para pensar no próximo movimento”, disse.
O diretor do BC disse que o comprometimento com a meta de inflação é essencial para ancorar as expectativas, que estão atualmente acima da meta de 3% da autoridade monetária para este ano e os quatro seguintes. Segundo Guillen, a percepção de potencial leniência do BC em trazer a inflação para a meta pode explicar parte do desvio.
A partir do próximo ano, a maioria do Copom será formada por diretores indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que já nomeou quatro nomes para a autarquia. Isso tem gerado preocupações no mercado, especialmente depois da decisão dividida do BC em sua última reunião no início deste mês de reduzir a taxa Selic em 0,25 ponto percentual, para 10,5% ao ano, após seis cortes consecutivos de 0,5 ponto.
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Todos os quatro indicados por Lula votaram por um corte de 0,5 ponto, enquanto os diretores remanescentes do governo anterior optaram pela desaceleração do ritmo de redução. “Houve muita atenção e drama (sobre a divisão)”, disse Guillen.
“Na verdade, acho que o que talvez seja mais importante foi que todos concordaram que a política monetária deve ser mais cautelosa, deve ser mais contracionista e deve ser mais flexível, sem nenhuma orientação sobre os próximos passos.”
Ele também defendeu que a ancoragem das expectativas de inflação é um fator importante na condução do nível dos preços de volta à meta e também fornece credibilidade às autoridades monetárias.
Após fazer considerações sobre a economia brasileira, Guillen disse que houve progresso na redução da inflação, mas que ainda há um caminho a percorrer.
Em uma análise mais ampla do cenário global, o diretor disse acreditar que todas as economias emergentes devem conduzir a política monetária de forma mais cautelosa.
Por fim, Guillen apontou que o BC vai rever a sua estimativa atual de uma taxa de juro neutra de 4,5%, mas evitará incorporar alterações de alta frequência que criam ruído neste ajustamento.
Tragédia no RS
No seminário, Guillen afirmou que ainda há muita incerteza por parte do BC sobre a perspectiva de inflação no Brasil, o que inclui, segundo ele, dúvidas sobre como a tragédia climática no Rio Grande do Sul vai impactar a leitura dos preços.
O diretor argumentou que é cedo para estimar o impacto econômico das enchentes que têm devastado a região, mas sinalizou que o desastre pode afetar temporariamente a inflação de alimentos e as cadeias de suprimentos.
De acordo com ele, a inflação cheia e de serviços surpreenderam para cima no início do ano, com uma composição melhor nos últimos meses.
Até o momento, a tragédia no Rio Grande do Sul já deixou pelo menos 163 mortos e afetaram mais de 2,3 milhões de pessoas, com mais de 580 mil pessoas desalojadas.
Meta da inflação deve ser mantida
O governo brasileiro não considera mudar a meta de inflação de 3% e prepara para breve um decreto para estabelecer o objetivo em um horizonte contínuo, em substituição ao modelo de ano calendário vigente, disseram duas fontes do governo a par do assunto.
Em condição de anonimato devido à natureza privada do debate, uma das fontes disse que o decreto deverá ser publicado em junho, enquanto a outra afirmou que ele sairá “em breve”.
As declarações vêm após comentários do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sobre a atual meta de inflação ser “exigentíssima” terem estressado o mercado de juros na quarta-feira, com operadores levantando temores sobre potencial mudança para um alvo mais alto que pudesse abrir espaço para uma política monetária menos restritiva.
“Se o Brasil está com dificuldade de cumprir meta mais baixa, e a inflação fica insensível a taxas de juros, temos que pensar as questões institucionais”, ponderou Haddad em audiência no Congresso na quarta-feira, acrescentando que uma das principais questões institucionais é o quadro fiscal.
“Meta de inflação de 3% é ousada para histórico do Brasil. Se queremos perseguir esta meta, temos que abrir este debate”, acrescentou Haddad, sem se aprofundar na questão.
Operadores ouvidos pela Reuters disseram que as falas desencadearam também receios de que o Conselho Monetário Nacional (CMN) pudesse apreciar o assunto em reunião que já estava marcada para esta quinta-feira (23).
O CMN é composto pelos ministros da Fazenda, do Planejamento, e pelo presidente do Banco Central, o que significa que o governo federal detém dois dos três votos. As reuniões são realizadas nas últimas quintas-feiras de todo mês e, embora a definição das metas de inflação normalmente ocorra em junho, ela pode ser antecipada.
Mas as duas fontes do governo ouvidas pela Reuters afirmaram que não há mudança de meta no radar.
Já a alteração para verificação da meta em calendário contínuo havia sido anunciada em junho do ano passado, mas sua efetiva implementação depende de um decreto presidencial ainda não assinado.
Na prática isso significa que se o decreto não for publicado até o fim do próximo mês, o CMN terá que decidir sobre a meta de inflação de 2027, após ter fixado a meta de 3% para 2024 a 2026.
Autoridades do governo já argumentaram que o prazo contínuo implica uma abordagem de longo prazo, proporcionando mais espaço para acomodar choques de preços sem exigir um aperto monetário voltado somente para cumprimento da meta no ano calendário.
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