Dívida pública federal tem alta de 2,51% em junho

Brasília – A dívida pública federal do Brasil subiu 2,51% em junho sobre maio e atingiu R$ 5,846 trilhões, informou ontem o Tesouro Nacional, em período marcado por ampliação de riscos globais e elevação do custo dos títulos do governo. A dívida pública mobiliária interna aumentou R$ 119,4 bilhões, chegando a R$ 5,595 trilhões.
De acordo com o Tesouro, a curva de juros futuros ganhou nível em junho, diante do cenário externo mais negativo e do debate sobre medidas com impacto fiscal. O órgão acrescentou que o mês foi marcado pelo aumento da aversão ao risco, devido à expectativa de continuidade no aperto monetário nos Estados Unidos e pressões inflacionárias globais.
No mês, o CDS (credit default swap) do Brasil, que mede o risco relacionado ao país, subiu 31,1%, segundo o Tesouro, a 294 pontos base. Em junho, também houve um encurtamento do prazo médio de vencimento dos títulos brasileiros para 3,88 anos, ante 3,95 anos registrados em maio.
No cenário de aumento da aversão a riscos no mercado, o custo médio do estoque da dívida pública federal aumentou, passando de 9,86% ao ano em maio para 10,90% no mês passado, maior patamar desde junho de 2017. Na dívida interna, o custo do estoque subiu de 10,58% ao ano em maio para 10,98% em junho.
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O custo médio das novas emissões da dívida interna também cresceu, indo de 11,7% ao ano em maio para 12,0% ao ano em junho, mais alto desde maio de 2017.
De acordo com o coordenador-geral de Operações da Dívida Pública do Tesouro, Luís Felipe Vital, a elevação dos custos é explicado pelas condições de mercado e pelos níveis mais altos de indexadores que remuneram detentores dos títulos (inflação e taxa Selic).
Após a aprovação do pacote que libera benefícios sociais por fora do teto de gastos em ano eleitoral, Vital disse que discussões sobre iniciativas com impacto fiscal também afetaram as taxas.
“Quando se discute alguma medida com impacto fiscal, em geral, ela vem com uma série de ruídos, qual vai ser o tamanho, o impacto, como vai ser financiado. Essa série de ruídos e incertezas acabam prejudicando a dinâmica de taxas”, disse, ponderando que o mercado se acomoda depois que as incertezas são dissipadas.
Ainda de acordo com os dados do Tesouro, investidores estrangeiros reduziram a participação na dívida interna de 9,1% para 8,9% em junho, mesmo com um incremento de R$ 1,6 bilhão.
Colchão de liquidez
Na entrevista, Vital citou questionamentos feitos por analistas em relação à redução do ritmo das emissões de títulos em meio à volatilidade do mercado, o que tende a consumir o colchão de liquidez para pagamento da dívida.
Em junho, as emissões de títulos somaram R$ 71,3 bilhões, volume considerado baixo pelo Tesouro.
Segundo Vital, a reserva em caixa segue muito acima do planejado pelo governo. Apesar do cenário global adverso, houve um aumento nominal de 10,23% no colchão de liquidez, de R$ 1,108 trilhão para R$ 1,221 trilhão.
Nos próximos 12 meses está previsto o vencimento de R$ 1,327 trilhão em títulos da dívida interna – 23,11% do total. Com o colchão de segurança disponível, o Tesouro tem capacidade de quitar 9,75 meses de vencimentos, contra 9,47 meses em maio (o nível prudencial é de três meses).
Vital explicou, porém, que medidas extraordinárias ajudaram a reforçar o caixa no primeiro semestre. No período houve um repasse de R$ 73 bilhões relativos ao lucro do Banco Central em 2021, R$ 47 bilhões de fundos públicos que foram desvinculados e R$ 19 bilhões em dividendos adicionais do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
“Tendo visto esse valor acima do planejado da reserva de liquidez, é importante a gente trazer a mensagem de que o Tesouro não vislumbra mudanças, não teria razão para fazer mudança na estratégia de financiamento em função da volatilidade recente que observamos nos mercados”, disse.
Para julho, o Tesouro ressaltou que riscos associados à inflação e ao crescimento global voltaram a preocupar os mercados, com continuidade do aperto monetário no mundo e valorização do dólar. No mês, houve piora na percepção de risco de países emergentes e aumento de inclinação na curva de juros brasileira.
Governo faz manobras em busca de superávit
Brasília – O Ministério da Economia reduziu a projeção de déficit nas contas públicas e considera possível que a melhora continue a ponto de o ano encerrar com um leve superávit no resultado primário (que exclui a conta com juros). O primeiro saldo positivo após oito anos, no entanto, é alcançado com a ajuda de manobras e receitas temporárias – sem as quais haveria dificuldades para o número sair do vermelho.
A necessidade de eliminar o déficit das contas públicas foi expressa em 2018 no plano de governo elaborado pelo então candidato Jair Bolsonaro (PL) e pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. A tarefa ficou comprometida, sobretudo pelos gastos da pandemia, mas ganhou força no Ministério da Economia na reta final do mandato.
Por enquanto, a projeção oficial mais recente diz que o governo central (Tesouro, Banco Central e Previdência) terminará com déficit de R$ 59,3 bilhões, 9% abaixo do estimado há dois meses. O número já passaria com folga pelo rombo máximo de R$ 170,4 bilhões permitido pela Lei de Diretrizes Orçamentárias no ano, mas os técnicos veem possibilidade de um resultado ainda melhor.
O secretário especial de Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Esteves Colnago, considera possível o retorno ao azul em 2022. “A gente está caminhando para chegar ao final do ano com déficit muito baixo, próximo de zero, ou com superávit. Seria o primeiro superávit fiscal após oito anos”, disse em entrevista na última segunda-feira. “A expectativa que está se consolidando é que nesse final de ano a gente tenha superávit, ainda que pequeno, do governo central”, ressaltou.
Ajuda o governo a traçar o cenário mesmo em meio a tantas despesas extras liberadas em ano eleitoral e a tantos cortes tributários a manobra proporcionada pela emenda constitucional promulgada no ano passado que autorizou postergar o pagamento de precatórios (dívidas a serem pagas pelo Estado após determinação da Justiça).
Em 2022, a despesa com precatórios seria de R$ 89 bilhões, mas o texto permitiu criar um limite de R$ 44 bilhões para as obrigações – criando um alívio temporário, mas jogando o restante para uma fila a ser paga nos anos seguintes que pode ser reduzida com operações diversas, como descontos em valores de devedores da União. O governo estima que vá deixar R$ 20 bilhões em precatórios para 2023.
Além disso, ganhos atípicos registrados em 2022 comprometem a ideia de que as contas estão naturalmente em equilíbrio. O governo obteve neste ano receitas extraordinárias com a privatização da Eletrobras (que impulsionou os ganhos com concessões e permissões em R$ 26,8 bilhões) e com dividendos do BNDES, que pagou ao Tesouro R$ 18,9 bilhões referentes ao lucro registrado em 2020 e 2021.
Agora, o governo também pediu a grandes estatais que elevem e antecipem parte dos dividendos que seriam pagos apenas em 2023. O pedido faz parte de uma tentativa de neutralizar neste ano os efeitos da emenda constitucional que liberou R$ 41,25 bilhões às vésperas da eleição e das renúncias fiscais decorrentes da desoneração de combustíveis.
Daniel Couri, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão do Senado que monitora as contas públicas, diz que medidas como a antecipação de dividendos não geram receitas novas – apenas puxam os dados que seriam computados em 2023 – e que a alteração nos precatórios criou um passivo, não refletido nas estatísticas fiscais do resultado primário.
Resultado artificial
“Antecipar receita teria como objetivo satisfazer uma necessidade de fluxo de caixa, mas não me parece haver um problema agora para o Tesouro que justifique essa antecipação. Me parece apenas uma necessidade de apresentar um resultado melhor”, explica. “Antecipar receita é menos dívida agora e mais depois”, alerta. “Se for só para mostrar um resultado melhor, esse resultado vai ser artificial. Vai ser claro para quem acompanha as contas públicas que vai ser artificial”, avalia..
Couri pondera que há ganhos estruturais nas contas do governo e que a melhora não vem ocorrendo apenas por manobras ou receitas atípicas de 2022. A recuperação do mercado de trabalho, por exemplo, tem sido expressiva e tem potencial para permanecer nos próximos exercícios (o que ajuda na arrecadação).
Por outro lado, fatores conjunturais que têm ajudado a arrecadação em 2022 não estão garantidos para os próximos exercícios, como a inflação, o valor do petróleo e a possível desaceleração da economia no segundo semestre. Há potencial de as medidas adotadas agora para subsidiar combustíveis e turbinar benefícios continuarem em 2023.
A necessidade de eliminar o déficit das contas públicas já no primeiro ano de mandato foi expressa em 2018 no plano de governo do então candidato Bolsonaro. Guedes tentou atingir o objetivo com diferentes medidas, mas chegou ao último ano do mandato sem conseguir o feito e com a tarefa comprometida sobretudo pelos gastos extraordinários da pandemia.
István Kasznar, economista e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), defende que as discussões sobre as contas públicas levem em consideração também os gastos com juros. “Quero saber se as contas de receitas menos despesas fecham com juros e Previdência”, diz. (Fabio Pupo/Folhapress)
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