Galípolo busca se desvincular do governo do presidente Lula

Brasília – Pouco mais de um ano depois de sua primeira sabatina no Senado Federal, Gabriel Galípolo tentou se descolar do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no escrutínio para presidência do Banco Central (BC) e reduzir a desconfiança sobre riscos de interferência política.
Dessa vez, “vestiu a camisa” de banqueiro central e defendeu perseguir a meta de inflação de maneira “inequívoca”, com juros mais altos, se preciso.
Apesar do ajuste no tom do discurso, o futuro presidente do BC recorreu a uma expressão que já tinha usado em 2023 ao dizer que a autonomia da autoridade monetária, assim como a condução da economia, está calcada no “poder democraticamente eleito”.
Em quase quatro horas de sabatina, respondeu a questionamentos sobre juros, inflação, autonomia e até sobre bets. No ano passado, dividiu os holofotes com outro candidato, Ailton Aquino, e sua participação se resumiu a menos de 30 minutos. Nas duas ocasiões, tentou quebrar o gelo com citações de escritores e filósofos e manteve o tom otimista.
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O risco de ingerência do presidente Lula sobre o BC a partir de 2025 foi o fio condutor da segunda sabatina enfrentada por Galípolo. Ele tentou afastar a desconfiança e demarcar seu posicionamento ainda no discurso inicial, quando afirmou que Lula deu a ele liberdade na tomada de decisões.
Reforçou também que sempre teve independência desde que assumiu a Diretoria de Política Monetária: “Em um ano e meio, eu já subi, cortei e mantive (os juros). Seria muito leviano da minha parte dizer que o presidente Lula fez qualquer tipo de pressão em cima de mim sobre qualquer tipo de decisão”, ressaltou.
Autonomia
Ao falar sobre a autonomia do BC, contudo, repetiu a retórica adotada em 2023 de que ela está calcada no poder democraticamente eleito, recorrendo inclusive à mesma expressão. “De maneira nenhuma, a ideia de autonomia deve passar uma ideia de que o Banco Central vai se insular e virar as costas ao poder democraticamente eleito”, afirmou neste ano.
Dessa vez, o economista foi questionado sobre a autonomia financeira do BC, diante da proposta de emenda à Constituição em discussão no Senado. Galípolo não se posicionou sobre a PEC e limitou-se a dizer que o debate ia além da remuneração dos servidores.
Na sabatina de 2023, Galípolo não se esquivou do cargo que ocupava naquele momento, de número dois do Ministério da Fazenda, e defendeu ações do governo federal. “As medidas até aqui implementadas produziram no primeiro semestre a apreciação da nossa moeda; previsões de um déficit primário menor; a aprovação de um conceito de uma nova regra fiscal; projeções de crescimento mais elevado; menor inflação; e o mercado já projeta taxas de juros mais baixas e cortes na taxa de juros futura”, disse na época.
Já no debate que antecedeu sua aprovação à presidência, ele não opinou sobre a política fiscal do governo Lula e analisou a questão sob a ótica do BC. Nas comunicações oficiais, a autoridade monetária se atém aos efeitos do fiscal sobre o canal das expectativas de inflação, estratégia que foi usada por Galípolo na última terça-feira.
Na segunda sabatina, Galípolo foi muito além do diagnóstico histórico sobre inflação apresentado na primeira ocasião e reforçou o compromisso do BC com a meta de 3%. “Nós vamos estar sempre sujeitos a momentos mais desafiadores, mas a atuação do Banco Central tem sido inequívoca na perseguição da meta de inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional”, disse em sua fala inicial.
Segundo ele, a autoridade monetária não tem liberdade para ter uma “concessão elástica” do alvo a ser perseguido e as bandas (superior e inferior) funcionam para absorver choques eventuais, não para reduzir o esforço da política de juros.
Traçou um panorama das variáveis que têm afetado a trajetória da inflação corrente – mercado de trabalho aquecido, volatilidade do câmbio e expectativas deterioradas, por exemplo – e projetou um processo de desinflação “mais lento e mais custoso”. “Como ao Banco Central não cabe correr risco, a função dele é ser mais conservador para garantir que a taxa de juros esteja no patamar necessário para se atingir a meta que foi definida”, disse.
Ao falar em conservadorismo e defender maior prudência na atuação do BC, ele se colocou na contramão do pleito do governo pela redução de juros. No mesmo dia da sabatina, Lula afirmou que o Brasil ainda tem a maior taxa do mundo e que a Selic “haverá de ceder”.
Galípolo inicia o processo de transição de comando do BC em um cenário de juros em dois dígitos e defende a Selic em patamar restritivo “pelo tempo necessário”. Em setembro, o Comitê de Política Monetária (Copom) elevou a taxa básica de 10,5% para 10,75% ao ano, e iniciou novo ciclo de alta.
Reportagem distribuída pela Folhapress
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