Finanças

Governo apresenta projeto com o fim do JCP

Se o PL for aprovado no Congresso, o mecanismo deixará de existir no Brasil a partir de 1º de janeiro de 2024
Governo apresenta projeto com o fim do JCP
Projeto do governo federal recebeu críticas de entidade que reúne empresas da bolsa de valores | Crédito: Saulo Cruz/MME

São Paulo – O governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) publicou ontem o projeto de lei que propõe acabar, a partir de 1º de janeiro de 2024, com o mecanismo de Juros sobre Capital Próprio (JCP), forma alternativa de uma empresa remunerar seus acionistas recolhendo menos tributos.

O JCP permitia a dedução de juros pagos ou creditados a título de remuneração do capital próprio na apuração do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das grandes empresas. A medida é parte da reforma do Imposto de Renda prevista para este segundo semestre.

A mudança não afeta a dedução dos juros em relação aos resultados de 2023, ainda que pagos ou creditados em 2024, segundo a proposta que ainda será analisada pelo Congresso.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, o governo vai incluir no Orçamento uma previsão de receitas da ordem de R$ 10 bilhões com o fim do JCP, mas essa fonte de arrecadação é uma das mais incertas.

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Segundo o Ministério da Fazenda, o mecanismo criado em 1995 teve como principal justificativa permitir que os sócios das empresas pudessem ser compensados pela perda da atualização monetária de seus direitos societários.

Adicionalmente, o instituto pretendia aumentar a atratividade de investimento em capital, em detrimento de investimentos no mercado financeiro, cuja remuneração sempre foi mais vantajosa.

Segundo o governo, passados mais de 25 anos de sua introdução, não há evidências de que a adoção do mecanismo reduza o endividamento e aumente investimentos.

“Na prática, a medida funciona como um sistema de dividendos dedutíveis, além de estimular as empresas a buscarem financiamento externo para remunerar o acionista”, diz a Fazenda na exposição de motivos do projeto.

“Ademais, verifica-se que a regulamentação vigente relativa à determinação de sua base de cálculo permite o aumento irregular do valor do benefício por meio de artifícios contábeis.”

Segundo a Fazenda, eles têm sido usados com o propósito exclusivo de redução da carga fiscal.

“A política é utilizada por poucas empresas, muitas de grande porte e bem posicionadas no mercado brasileiro. Trata-se, portanto, de benefício fiscal concedido sem efetividade, que reduz a tributação incidente nesses poucos contribuintes e que gera relevante renúncia de receitas tributárias.”

Os Juros sobre o Capital Próprio são pagos a pessoas com os maiores rendimentos do País, segundo a Fazenda, totalizando cerca de 2,8 milhões de pessoas físicas (menos de 2% da população brasileira) de 2016 a 2020, a um valor anual de cerca de R$ 30,6 bilhões.

“Se aprovada, essa alteração deve afetar, sobretudo, empresas grandes e lucrativas que sejam pagadoras de dividendos, incluindo os bancos e as empresas do setor elétrico”, afirma Bruno Habib, sócio do Veirano Advogados.

Ele lembra que os JCPs estão sujeitos ao Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) de 15% de forma definitiva, no caso de acionista pessoa física ou não residente (desde que não esteja em jurisdição de tributação favorecida), enquanto a alíquota do IRPJ/CSLL soma 34%, em regra geral.

Críticas

A Abrasca, associação que reúne mais de 440 companhias que representam 88% do valor de mercado da Bolsa de Valores, afirma que a extinção do mecanismo, caso aprovada, terá consequências bastante negativas, ao elevar o custo de capital significativamente em um momento de restrição ao financiamento das empresas.

Segundo a entidade, essa é uma ferramenta que equaliza os custos de captação de recursos no mercado ou em bancos com os recursos dos próprios acionistas ou sócios, uma vez que os juros pagos a terceiros são tratados como despesa e não são tributados. Os recursos dos proprietários não recebem o mesmo tratamento.

“Hoje, as empresas dependem em grande medida da venda de ativos e do financiamento de seus acionistas e proprietários. Caso essa ferramenta seja retirada, o endividamento e o custo do capital tendem a aumentar, sem que haja uma oferta de recursos adequada nesse momento”, diz a entidade em nota.

A Abrasca diz que defende uma discussão ampla e aprofundada do tema, de forma a consolidar uma solução consensual para que o JCP seja aprimorado ou eventualmente substituído por outro mecanismo compensatório.

“Com base na experiência europeia, sugere-se como melhoria/modernização do JCP a criação do ACE, Allowance for Corporate Equity, como despesa somente para fins fiscais. Um novo incentivo ao capital próprio e desincentivo ao capital de terceiros.” (Eduardo Cucolo)

Impacto será significativo nos bancos, aponta Citi

Analistas do Citi veem um impacto negativo significativo para os lucros dos bancos com um eventual fim do benefício fiscal do mecanismo de juros sobre capital próprio (JCP), mas avaliam que o projeto de lei apresentado pelo governo federal ontem ainda deve sofrer ajustes.

O projeto, apresentado pela Casa Civil, veda a dedução de juros pagos sobre remuneração do capital próprio na apuração do lucro real e da base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) a partir de 1º de janeiro de 2024.

Até o momento, empresas podem lançar a quantia que será paga como JCP aos acionistas como uma despesa, o que permite um abatimento na base de cálculo sobre a qual incidem as alíquotas de tributação. Assim, as companhias podem recolher menos impostos ao optarem por esse instrumento para distribuírem proventos.

Bancos estão entre os mais afetados pelas medidas, mas não serão os únicos, com setores como saúde, varejo e bens de capital também sendo potencialmente impactados.

Considerando os lucros previstos para 2024 dos bancos sob cobertura da equipe do Citi liderada por Rafael Frade, o fim do JCP vai gerar um efeito negativo de 23% para Bradesco, 22% para ABC Brasil, 21% para Santander Brasil, 17% para Banco do Brasil e 16% para Itaú Unibanco e BTG Pactual.

Os analistas do Citi observam que, apesar do potencial abalo no resultado, notícias recentes sugerem que o projeto ainda pode ser ajustado durante a discussão no Congresso.

Além disso, acrescentam que, na explicação do governo sobre o projeto de lei, o argumento foi que regimes tributários semelhantes em outros países levam em conta uma taxa de juros mais baixa – atualmente o JCP usa TJLP a 7% – e apenas o capital emitido pela empresa, e não todo o patrimônio.

“Nós acreditamos que a discussão poderia propor algum novo tipo de JCP, baseado apenas em patrimônio tangível e com uma nova taxa de juros, com impacto menor nos lucros dos bancos do que o fim completo do JCP”, afirmaram Frade e equipe.

“Contudo, este overhang deverá continuar nas ações dos bancos até que tenhamos uma melhor visibilidade sobre o mesmo.”

Outros setores

Além dos bancos, setores como saúde, varejo e bens de capital também devem ser bastante impactados, de acordo com análise da equipe da XP Investimentos.

Em relatório recente, no qual analisaram dados de 2021 e 2022 para as cerca de 150 empresas sob sua cobertura, eles estimaram um impacto negativo de 4% a 6% no lucro líquido das empresas.

As dez companhias da cobertura mais impactadas, segundo a equipe da XP, seriam Ambev, Bradesco, BTG Pactual, Guararapes, Hypera, Lojas Renner, Multiplan, Rede D’Or, Sanepar e Telefônica Brasil. (Reuters)

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