Finanças

Governo elabora proposta de flexibilização do teto de gastos

Projeto de arcabouço fiscal autoriza o aumento das despesas acima da inflação a depender do avanço do PIB
Governo elabora proposta de flexibilização do teto de gastos
Crédito: Roque de Sá/Agência Senado

Brasília – Uma nova proposta de arcabouço fiscal em elaboração no Ministério da Economia autoriza aumento de gastos do governo acima da inflação a depender do avanço do Produto Interno Bruto (PIB) e do nível da dívida pública, além de ampliar a flexibilização da regra do teto ao permitir uma elevação de despesas em períodos de recessão econômica, independentemente do nível de endividamento.

Caso adotada este ano, a fórmula já permitiria abrir espaço para mais gastos em 2023.

A ideia começou a ser apresentada a acadêmicos em meio à busca no governo para viabilizar promessas de campanha do presidente Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição. A manutenção do Auxílio Brasil turbinado, por exemplo, não foi incluída no Orçamento do ano que vem porque não há espaço no teto para esse gasto adicional de aproximadamente R$ 50 bilhões.

A medida foi apresentada na última sexta-feira (16) durante evento fechado na Universidade de Brasília (UnB) pelo chefe da Assessoria Especial de Estudos Econômicos da pasta, Rogério Boueri – a Reuters teve acesso ao conteúdo da apresentação.

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De acordo com duas fontes do ministério, o texto é diferente da proposta construída e prometida pelo Tesouro Nacional, que foi tornada pública há mais tempo e cria uma âncora fiscal com base na dívida pública em substituição à atual regra do teto –que corrige as despesas primárias federais de acordo com a variação da inflação.

A proposta da Assessoria de Estudos Econômicos define parâmetros distintos a depender do nível da dívida bruta do governo geral. Se o indicador estiver abaixo de 60% do PIB, a elevação do teto acima da inflação será um ponto percentual menor do que o crescimento do PIB do ano anterior.

Por exemplo, se o PIB crescesse 3%, o governo aumentaria suas despesas em 2% acima da inflação. Se o PIB aumentasse entre 0% e 1%, não haveria alta real nos gastos.

Em momentos em que a dívida pública ficar entre 60% e 80% do PIB, o aumento de gastos também será um ponto abaixo do avanço da atividade, mas não haverá alta real do gasto se o PIB crescer entre 0% e 2%.

Para dívida bruta em nível superior a 80% do PIB, a regra básica permitirá apenas a correção das despesas pela inflação.

Válvula anticíclica

Uma das fontes afirmou ter sido após sugestão do Tesouro que a Assessoria de Estudos Econômicos incluiu a âncora de dívida em sua proposta, que inicialmente considerava apenas a variação do PIB como fator para a evolução dos gastos.

A norma ainda teria uma válvula de escape anticíclica, válida para qualquer nível de endividamento público. Em situações de recessão econômica, seria liberado um aumento temporário de gastos. Se o PIB caísse 2%, por exemplo, o teto aumentaria 2% acima da inflação. Se a queda fosse de 1%, a alta real no gasto seria de 1%.

“Os fundamentos do teto de gasto seriam preservados, contudo, haveria margem de manobra tanto para os casos recessivos, quanto para os casos de elevações de receitas associadas a crescimento econômico (e não à carga tributária)”, afirma a apresentação da pasta.

Considerando o atual nível da dívida bruta, de 77,6% do PIB, e a projeção do governo de que a atividade crescerá 2,7% neste ano, o teto já poderia ter um aumento real de 1,7% em 2023 se a regra estivesse em vigor, criando uma folga de quase 31 bilhões de reais nas contas. Se a economia avançasse mais, o espaço aumentaria.

A nova regra fiscal ainda seria vinculada à ideia do ministro da Economia, Paulo Guedes, de abrir excessão ao teto para repasses extraordinários a programas sociais e obras públicas em caso de privatização de estatais.

Procurado, o Ministério da Economia informou que não comenta estudos em andamento.

Propostas do Tesouro

Pelo menos desde 2019 o Tesouro discute a criação de uma regra para estabelecer uma âncora fiscal com base na evolução da dívida pública. Em agosto deste ano, técnicos do órgão anunciaram que o novo modelo poderia ser apresentado ainda em 2022, após as eleições.

A medida do Tesouro teria menos condicionantes do que a ideia da Assessoria de Estudos Econômicos. Pelo plano, o crescimento dos gastos públicos poderia superar a inflação quando o indicador de dívida estivesse abaixo de determinado nível –os patamares ainda não estão definidos.

Com o modelo, segundo técnicos do Tesouro, não haveria margem para encaixar o adicional do Auxílio Brasil no teto já no primeiro ano de vigência. Por isso, seria necessário aprovar uma exceção inicial à regra.

Uma das fontes do ministério vê a nova proposta com preocupação, justificando que os componentes adicionais para a evolução dos gastos incluídos na medida pela Assessoria de Estudos Econômicos dificultam a consolidação fiscal ao, por exemplo, permitir aumento dos desembolsos em período de recessão mesmo que a dívida esteja acima de 80% do PIB.

Além disso, argumenta que o maior número de condicionantes dificulta o cálculo das projeções de despesas do governo, ampliando incertezas sobre o cenário fiscal.

Um técnico do Tesouro, porém, afirmou que as propostas devem ser discutidas conjuntamente.

“É importante lembrar que os analistas do Tesouro vão publicar uma proposta tendo a dívida como referência e que estamos abertos a críticas e sugestões. De qualquer maneira estamos trabalhando junto com o Boueri e o ministro”, disse, sob condição de anonimato porque as discussões não são públicas.

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