Finanças

Governo espera cooperação do BC com comando de Galípolo

Pauta de negociações inclui regulamentação de criptoativos, abertura do mercado de vale-alimentação e inclusão de títulos da dívida pública brasileira em plataforma global
Governo espera cooperação do BC com comando de Galípolo
O BC abriu consulta pública sobre regramentos para ativos virtuais em janeiro | Crédito: Dado Ruvic / Reuters

Brasília – O governo brasileiro espera maior cooperação técnica com o Banco Central (BC) a partir do próximo ano, quando o atual diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, assumirá o comando da instituição, em meio a queixas de que a atual gestão se esquivou de dialogar em temas de interesse da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva não relacionados à política de juros.

Três fontes do Ministério da Fazenda ouvidas pela Reuters afirmaram em anonimato que a pasta se ressentiu com a falta de aprofundamento em conversas sobre regulamentação de criptoativos, abertura do mercado de vale-alimentação para trabalhadores formais e potencial inclusão de títulos da dívida pública brasileira numa plataforma global de negociações.

Desde que assumiu em janeiro do ano passado, Lula fez críticas reiteradas à condução da política monetária, vista por ele como nociva para a economia, com ataques à meta de inflação – que acabou sendo mantida pelo seu governo – e ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, nomeado por seu antecessor Jair Bolsonaro.

Em meio a esse ambiente, duas das fontes afirmaram que a demanda por maior interlocução acabou prejudicada, com o BC se encastelando em alguns temas sob o manto da autonomia, que lhe foi assegurada por lei em 2021.

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Essas mesmas fontes avaliaram que há perspectiva de integração e destravamento das pautas após Galípolo, indicado por Lula, assumir a cadeira de Campos Neto em janeiro, enquanto uma fonte do Banco Central disse que a maior cooperação deverá ser “uma tônica.”
Procurado, o Ministério da Fazenda disse que não irá se manifestar. O Banco Central não comentou o assunto.

“Espero muito que a gente tenha mais integração nas coisas que não afetam a competência dura do Banco Central, não estou dizendo que queremos ter um assento no Copom (Comitê de Política Monetária), não é isso”, disse uma das fontes da Fazenda.
“O BC confundia autonomia com a ideia de que não era um órgão de governo e que não podia ter uma agenda conjunta com a Fazenda. Isso deve mudar”, afirmou a segunda fonte.

Impasses

Uma das autoridades mencionou preocupação com a regulamentação de criptoativos, tema sob a guarda do BC, mas que interage com iniciativas da Fazenda, como as regras para apostas on-line.

“A gente precisa fazer as coisas se encaixarem sob pena de não ser efetivo. Eles fazem uma regulação sem falar com a gente, a gente faz uma aqui, as ‘bets’ continuam usando cripto, tem um risco grande de bater cabeça”, disse.

O BC realizou consulta pública sobre regramentos para ativos virtuais em janeiro e o tema segue em debate na autarquia, que previu passos adicionais neste semestre, com fechamento de propostas normativas no fim deste ano.

Em outra frente, o governo prevê destravar um impasse relacionado à efetiva regulamentação para abrir o mercado de cerca de R$ 150 bilhões de vale-refeição e alimentação.

Embora já exista legislação desde 2022 prevendo que o crédito concedido pelas empresas seja desfrutado num ambiente de interoperabilidade, que permite que o gasto seja feito em qualquer restaurante participante independentemente do vale utilizado, e de portabilidade, que permite transferência do saldo para outras empresas do setor, falta definir quem irá editar as novas regras e supervisioná-las.

Enquanto a Fazenda vê o BC como candidato natural, a autarquia refuta assumir a responsabilidade alegando falta de braços para se dedicar a um mercado considerado grande, atendendo 22 milhões de trabalhadores, mas que não oferta risco sistêmico.

Em reunião de associações que defendem a abertura do mercado com o Ministério da Fazenda em São Paulo, no fim de setembro, o ministro Fernando Haddad sinalizou que a regulamentação sairia no início do ano que vem, segundo um dos participantes presentes. Na autoridade monetária, porém, o tema não está pacificado.

A Fazenda também não conseguiu avançar no diálogo com o BC sobre um plano para que títulos do Tesouro Nacional sejam negociados diretamente na plataforma da Euroclear, instituição europeia focada em custódia e liquidação de transações de ativos, o que simplificaria o acesso de investidores estrangeiros aos papeis da dívida brasileira, disse a terceira fonte da pasta. Atualmente, as negociações são feitas em plataforma local.
“Todos os países relevantes estão na Euroclear e o BC resiste porque não quer perder poder da burocracia… É algo que vai gerar economia de dezenas de bilhões de reais e fica travado por corporativismo”, afirmou.

O Tesouro chegou a anunciar em 2023 uma força-tarefa com o BC para iniciar preparativos técnicos que viabilizariam a negociação de títulos da dívida interna brasileira concomitantemente nos mercados doméstico e internacional, com a Euroclear colocada como potencial plataforma para essa finalidade. Os debates, no entanto, seguem travados.

Segundo essa fonte, o BC vinha alegando que precisa ter controle das informações sobre as emissões e os detentores da dívida brasileira em tempo real para monitorar e coibir casos de lavagem.

Reportagem distribuída pela Reuters

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