IDEIAS | O real digital entre riscos e benefícios

Para que a economia de uma nação funcione de forma eficaz, seus cidadãos devem ter confiança em seu dinheiro e nos serviços de pagamentos. O Banco Central do Brasil, além de ter como missão o controle do nível de inflação e a estabilidade do poder de compra, também trabalha para manter a confiança das pessoas perante a estabilidade monetária e o controle do Sistema Financeiro Nacional.
Com o desenvolvimento dos criptoativos, tais como Bitcoin, Etherium, Dogecoin, entre outros, essas moedas virtuais emitidas por agentes privados se tornaram um elemento de preocupação e desconfiança para os Bancos Centrais por todo o mundo, seja por sua volatilidade, pela incompreensão ao determinar o real valor desses ativos, e principalmente pela possibilidade de que esses ativos possam se tornar um elemento de risco sistêmico para o sistema financeiro.
Com o surgimento e a aplicação dessas moedas digitais no planeta, e entendendo seus riscos e seus usos benéficos, os bancos centrais já começaram a estudar as chamadas CBDC – Central Bank Digital Currency – uma espécie de moeda digital emitida pelo banco central de cada país e com todas as características de segurança de uma moeda física, todavia existem diversas ressalvas no cerne desse novo experimento.
Primeiro, é importante ressaltar que para que se torne viável uma CBDC ela deve prover benefícios às famílias, às empresas e à economia em geral de maneira que as vantagens superem quaisquer custos e/ou riscos; deve complementar, em vez de substituir, as formas atuais de dinheiro e os métodos de prestação de serviços financeiros, bem como precisa proteger a privacidade do consumidor e combater possíveis atividades criminosas.
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Em segundo lugar, é importante ressaltar que um CBDC será diferente do dinheiro digital existente disponível para as empresas e pessoas físicas nas suas contas porque um CBDC será um passivo do banco central, não de um banco comercial. Isso gera uma mudança fundamental no Sistema Financeiro Nacional. Um CBDC pode oferecer uma série de benefícios. Por exemplo, ele poderá fornecer às famílias e às empresas uma forma eletrônica conveniente de dinheiro do banco central com a segurança e a liquidez que isso implica, porque os bancos centrais dificilmente quebram.
Embora o sistema de pagamentos brasileiro existente seja eficaz e producente, alguns desafios permanecem. Em particular, um número significativo de brasileiros atualmente não tem acesso a serviços bancários e de pagamentos digitais, e esse número está em torno de 39% da população adulta.
Hoje, a moeda física é o único tipo de dinheiro do banco central disponível diretamente para o público em geral, mesmo que ele seja repassado por bancos comerciais. Assim como as formas existentes de dinheiro de banco comercial e dinheiro de wallets ou fintechs, uma CBDC permitirá que o público em geral realize pagamentos digitais de maneira direta do banco central para uma empresa ou para outra pessoa física. Dessa maneira, ao gerar um passivo no Banco Central, no entanto, um CBDC não exigirá mecanismos como o FGC – Fundo Garantidor de Crédito – para manter a confiança do público, nem uma CBDC dependerá do apoio de um pool de ativos subjacentes para manter seu valor já que gerará a mesma confiança que uma moeda física. Um CBDC será o ativo digital mais seguro disponível para o público em geral, sem risco ao crédito ou liquidez, o que é algo inédito do ponto de vista teórico e justamente o oposto dos atuais criptoativos, os quais são extremamente voláteis.
Mas, afinal, qual será o papel de uma CBDC? As transações com CBDCs precisarão ser cabais e concluídas em tempo real, permitindo que os usuários realizem pagamentos uns aos outros usando um ativo sem risco. Indivíduos, empresas e governos poderão usar uma CBDC para realizar compras de bens e serviços ou pagar contas, e os governos podem usar uma CBDC para arrecadar impostos ou fazer pagamentos de benefícios diretamente aos cidadãos. Mas ora! Já temos isso no PIX não temos? Sim! Porém, dentro do Sistema Financeiro Nacional, o PIX é oriundo dos bancos comerciais ou de fintechs, que são operados digitalmente por meio de diversas instituições cadastradas no Banco Central, ainda oferecendo riscos de insolvência ou sobre o crédito nessas instituições. Por outro lado, uma CBDC poderá diminuir custos de envio de dinheiro para o exterior, aumentar a prevenção sobre lavagem de dinheiro e criar um framework internacional financeiro que seja favorável ao processo.
Embora a introdução de uma CBDC possa beneficiar os consumidores e o sistema financeiro, também faz surgirem questões e riscos complexos no tocante à política econômica. Os bancos atualmente dependem de depósitos para financiar seus empréstimos. Uma CBDC amplamente disponível certamente servirá como substituto próximo – ou, no caso de uma CBDC com juros, quase perfeito – para o dinheiro do banco comercial. Tal efeito de substituição poderá reduzir o montante agregado de depósitos no sistema bancário, o que poderá, por sua vez, aumentar as despesas de captação bancária e reduzir a disponibilidade de crédito ou aumentar os custos de crédito para famílias e empresas.
Da mesma forma, um CBDC com juros poderá resultar em um afastamento de outros ativos de baixo risco, como fundos de renda fixa, letras financeiras e outros instrumentos de curto prazo. Uma mudança desses outros ativos de baixo risco pode reduzir a disponibilidade de crédito ou aumentar os custos de crédito para empresas e governos, dificultando a rolagem das dívidas nacionais.
Como o dinheiro do Banco Central é a forma mais segura de valores em espécie, uma CBDC amplamente acessível seria particularmente atraente para usuários avessos ao risco, especialmente durante períodos de estresse no sistema financeiro. A capacidade de converter rapidamente outras formas de dinheiro – incluindo depósitos em bancos comerciais – em CBDC poderá tornar as “corridas aos bancos” mais rápidas ou mais severas. Medidas tradicionais, como supervisão do Banco Central, FGCs do governo e acesso à liquidez do Banco Central podem ser insuficientes para evitar muitas saídas de depósitos de bancos comerciais para uma CBDC em caso de pânico financeiro, o que poderá gerar uma “quebradeira” do Sistema Financeiro Nacional.
Por outro lado, assim como as preocupações relacionadas à estrutura do setor financeiro, algumas dessas preocupações sobre “quebradeira” podem ser mitigadas pelas escolhas de modelo da CBDC. O Banco Central deverá poder lidar com esse risco limitando a quantidade total de CBDCs que um usuário final poderá manter ou poderá limitar a quantidade de CBDC que um usuário final poderá acumular em curtos períodos.
Nesse contexto, a introdução da CBDC poderá afetar o engajamento da política monetária e o controle das taxas de juros, alterando a oferta de reservas no sistema bancário. No caso de uma CBDC que não rende juros, o nível e a volatilidade da demanda do público por CBDC podem ser comparáveis a outros fatores que atualmente afetam a quantidade de reservas no sistema bancário, como mudanças na moeda física ou inflação.
O potencial de demanda externa significativa por uma CBDC nesse cenário complicaria ainda mais o engajamento da política monetária. Mudanças nas taxas de juros e outros fatores de mercado também poderão afetar significativamente a demanda pública por CBDC ao longo do tempo. Para manter uma ampla oferta de reservas, o Banco Central pode precisar expandir substancialmente suas participações em títulos no seu ativo.
Ameaças aos serviços de pagamento existentes – incluindo interrupções operacionais e riscos de cibersegurança – também se aplicariam a uma CBDC. Qualquer infraestrutura dedicada para uma CBDC precisará ser extremamente resiliente às possíveis ameaças, e os operadores da infraestrutura da CBDC precisariam permanecer vigilantes, pois um ataque poderia paralisar uma grande quantidade de pagamentos, por isso a ideia de uma CBDC é que seja complementar aos atuais meios de pagamento, inclusive dinheiro, e não substituí-los. Projetar defesas apropriadas para uma CBDC pode ser particularmente difícil porque uma rede CBDC pode ter mais pontos de entrada do que os serviços de pagamento existentes, tais como o PIX, os cartões de crédito e os caixas eletrônicos.
Dentro desse contexto, existe ainda um amplo debate sobre as vantagens, os riscos e principalmente as mudanças nos mercados que uma CBDC pode impactar caso seja de fato efetivada em uma nação. Atualmente, nações como China, Bahamas e Nigéria já disponibilizaram suas CBDCs para o público em geral, mas ainda não existe tempo suficiente para entender seus reais efeitos nas economias, e os Bancos Centrais de nações como o Brasil, os Estados Unidos, a União Europeia e o Japão ainda observam com muito receio se os riscos desse modelo de moeda digital ainda não são demasiadamente desconhecidos quando comparados às vantagens, que se mostram bem às claras principalmente no Brasil, onde existe um sistema financeiro rápido, digital e prático.
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