Juros elevados devem afetar o desempenho da Bolsa de Valores

A alta dos juros e as incertezas fizeram com que a B3 encerrasse março com nova queda. No terceiro mês do ano, o Ibovespa fechou com retração de 2,91%, chegando a 101.000 mil pontos. O resultado negativo fez com que a bolsa recuasse 7,16% no primeiro trimestre.
Para abril, as tendências não são otimistas, uma vez que não há previsão de queda das taxas de juros em nível global. Diante de um cenário ainda incerto e das elevadas taxas de juros, setores como o de energia e bancário podem apresentar uma performance mais interessante que os demais.
A economista e especialista em renda variável na WIT Invest, Jadye Lima, explica que 2023 está se mostrando como um ano bastante complexo tanto para o Brasil quanto para o mundo.
“A bolsa brasileira, no primeiro trimestre, se configurou como a de pior desempenho, com queda de 7,16%, e apenas um segmento fechou em alta no período, o imobiliário. O fluxo estrangeiro em março foi negativo, mas no ano ainda mantém a posição compradora em aproximadamente R$ 6,3 bilhões”.
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Ainda segundo Lima, os fatores que afetaram o desempenho foram vários. “A credibilidade das empresas como os casos da Lojas Americanas e Light, os ruídos políticos como as possíveis interferências na Petrobras, o arcabouço fiscal e o jogo de braços entre Banco Central e governo federal , bem como as incertezas internacionais de aumento de juros e crise no sistema bancário, foram as razões para o viés vendedor nas negociações”.
Cautela
Com tantas incertezas macroeconômicas e geopolíticas, as expectativas estão cautelosas para abril. “A tramitação do arcabouço fiscal no Congresso será um ponto muito observado pelo mercado. Se tivermos uma sinalização positiva e um diálogo amigável na discussão dos juros, setores mais atrasados como consumo e empresas small caps podem se beneficiar e reagir rápido. Caso seja o contrário, setores mais defensivos como o de energia elétrica e o industrial podem sofrer menos”.
O especialista e sócio da Valor Investimentos, Gabriel Meira, também explica que o ano tem sido desfavorável para o desempenho da bolsa de valores. A alta da taxa dos juros é um dos principais fatores que vem impactando no desempenho.
“Tem sido um ano bem difícil para bolsa de valores. A meu ver, em janeiro, tivemos o evento da Lojas Americanas que acabou impactando na bolsa mas, de forma geral, a gente tem um aumento da taxa de juros ao redor do mundo, um sinal de que a inflação tem demorado a frear. Então, os bancos centrais ao redor do globo são obrigados a aumentar ainda mais a taxa de juros. O Brasil tem mantido a taxa de juros elevada e, isso tudo, suga o dinheiro de investimentos de risco e leva para investimentos de menor risco. Daí, você tem uma saída generalizada de capital da bolsa de valores para ir para uma renda fixa, por exemplo, dentre outros fatores”.
Em relação às expectativas para a B3, segundo Meira, elas não são muito otimistas. Ele explica que, apesar de a bolsa estar barata, ainda tem uma drenagem de capital muito grande, porque ainda acredita-se que haverá aumento da taxa de juros ao redor do mundo. No caso do Brasil, a estimativa é que na próxima reunião do Copom, possa ser iniciado um ciclo pequeno de corte.
“Mas a estimativa é de uma taxa de juros em torno de dois dígitos para o final do ano, em torno de 12%. Ainda é uma taxa de juros elevada, por isso, a expectativa no ano, não vou falar só de abrir, para a bolsa de valores, ainda não é positiva”.
Em tempos de incerteza, Meira aponta alguns segmentos que podem performar melhor. “Gostamos de setores mais resilientes, que já têm geração de caixa disponível, empresas que normalmente são boas pagadoras de dividendo. A gente vai para o setor elétrico, algumas empresas como bancos e financeiras. São empresas mais resilientes em tempos de incerteza e que vão oscilar menos”, disse.
Para o analista da Terra Investimentos, Luis Novaes, o desempenho negativo da bolsa, em março, foi impactado pela instabilidade local e exterior. “Os novos ataques da ala política do governo ao Banco Central gera preocupações se esse desentendimento poderá se estender para os próximos meses e seus possíveis impactos sobre a política monetária. O colapso dos bancos regionais nos EUA gerou uma onda de aversão ao risco nos mercados globais, acarretando uma significativa retirada de capital estrangeiro do mercado local, o que trouxe um efeito negativo sobre os ativos locais”.
Sem mudanças na perspectiva local e externa, Novaes não vê uma virada da bolsa de valores ainda em abril. “A trajetória dos juros americanos ainda é incerta, o que deve afetar negativamente os investimentos de risco em mercados emergentes, como o Brasil. A esperada proposta do novo arcabouço fiscal não modifica significativamente a perspectiva sobre estabilidade fiscal do País e não deve servir como um catalisador para o mercado”.
Para Pedro Salmeron, CEO da FIDD, grupo econômico de serviços financeiros com foco na administração, controladoria, custódia e distribuição de fundos de investimento, o desempenho da B3, em abril, pode ser mais positivo se o Congresso Nacional, de fato, alinhar as agendas e a reforma do Orçamento. Mas, outras questões como a necessidade de uma reforma tributária, o que ainda não avançou, pode impactar nos resultados.
“Se o arcabouço fiscal proposto pelo governo passar no Congresso, for aprovado na Câmara e no Senado, poderemos ter uma bolsa mais positiva. Mas não acho que, ainda em abril, as coisas estarão muito definidas porque no mesmo instante deveria vir a reforma tributária, problema muito sério de negociação. A agenda da reforma tributária é uma agenda muito complexa e que deveria acontecer logo após o arcabouço fiscal. O impulso da economia e a indução da atividade econômica com eventual aumento da arrecadação é o que vão fazer o plano fiscal crível”.
Ações na bolsa de valores tiveram desempenhos distinto
Ao longo de março, o cenário político e econômico e os impactos externos resultaram em desempenhos distintos entre as empresas listadas na bolsa de valores.
“Em março, falando de quem se deu bem, destaque para a Azul, que teve uma alta de 68,62%, motivados pelos resultados positivos do balanço do 4º trimestre de 2022. Na parte aérea, a Embraer se destacou com a alta de 25,62% e também está ligado a bons resultados e boas perspectivas para os próximos anos. A Gol registrou alta de 20,8%”, explicou o professor da Fundação Vanzolini, entidade ligada à USP, Marcos Crivelaro.
Entre as empresas que tiveram desempenho negativo, um destaque foi a Hapvida, com queda de 41,65%, resultado de fatores internos, balanço negativo e frustração dos investidores com a falta de resultados.
Para abril, a estimativa é cautelosa. Segundo Crivelaro, os juros altos no Brasil são um dos itens que alimentam o risco, o medo da falta de crédito, fazendo com que empresas vendam ativos para conseguir recursos. “Enquanto essa queda de braço estiver no ar, sempre será sujeito a grandes oscilações de um dia para outros”, aponta.
Mesmo com incertezas, alguns setores podem se destacar. Entre eles, Crivelaro destaca as empresas petrolíferas e bancos.
“Com a decisão da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) de reduzir a oferta de petróleo, certamente, as petrolíferas no mundo inteiro terão ganhos, inclusive a Petrobras. As aéreas podem ser favorecidas, fruto do turismo gerado com feriados e as férias do meio de ano. Ações de bancos, como opções de refúgio para diversificação, sempre representam porto seguro em momento de indecisão e risco. Já as empresas de varejo devem ser evitadas, é um cenário muito arriscado”.
Para o CEO da FIDD, Pedro Salmeron, dentre os setores que estão sofrendo o de varejo se destaca, assim como a indústria, que tem reduzido a produção.
“É fato que o setor de varejo está sofrendo pressões muito grandes por conta do custo de capital. A taxa de juros subiu de forma muito repentina em 2022. Tínhamos patamares de juros muito baixos, historicamente inéditos no Brasil e, isso, subiu de repente e voltou para dois dígitos. Acabou pegando muitas empresas do varejo desprevenidas. Tem outras cadeias produtivas sofrendo também, como a indústria. Temos as montadoras que pararam de fabricar porque o crédito para o consumidor não acontece na velocidade que deveria. As cadeias vão engessando e os problemas podem aumentar bastante”.
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