Saída de Mansueto se torna revés em meio à pandemia

Brasília – A saída do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, do governo Jair Bolsonaro já vinha sendo sinalizada desde o fim do ano passado, mas é um revés para a equipe econômica, em um momento de profunda deterioração das contas públicas e pressão por mais gastos para amenizar os impactos da crise do coronavírus.
Com bom trânsito no mercado financeiro, interlocução com figuras de peso do Congresso Nacional e prestígio junto ao corpo técnico do Ministério da Economia, Mansueto sempre foi visto como um intransigente defensor do ajuste fiscal para garantir o crescimento sustentável do País.
Sua presença no time de Paulo Guedes era, portanto, associada a uma dose de realismo necessária, vinda de um profundo conhecedor da máquina pública e do seu intrincado mecanismo de funcionamento.
O discurso cauteloso do secretário era um contraponto aos arroubos de otimismo por vezes expressos pelo ministro, seja quanto à exequibilidade de um superávit primário no primeiro ano de governo, à evolução do PIB ou à viabilidade política de algumas propostas.
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Mansueto, que já chegou a dizer que não dormia tranquilo com o País crescendo na casa de 1%, nunca deixou de ressaltar a importância de o Brasil persistir na trajetória de reformas, tendo mais recentemente batido na tecla da necessidade de simplificação tributária, com o fim da cumulatividade de impostos.
Na contramão de ideias que seguem fazendo parte do corolário analisado por Guedes, ele também já expressou ser contra a adoção de um tributo sobre transações.
Sempre buscando fazer acenos aos parlamentares, Mansueto – que participou de inúmeras lives desde o início da pandemia – rotineiramente lembrava da importância do diálogo com o Congresso para que as reformas pudessem prosperar.
Em uma mostra de o quanto seu perfil conciliador era bem visto, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já chegou a dizer publicamente que podia até não combinar com Guedes, mas que não fazia nada sem combinar com Mansueto.
O economista-chefe da Opus Investimentos, José Márcio Camargo, frisou que o secretário era conhecido pela boa relação com o Congresso, em um governo não exatamente afeito a essa construção.
“Na medida em que Mansueto sai, existe sempre o risco que essas relações com o Congresso voltem a se deteriorar um pouco”, afirmou ele. “É óbvio que a saída é ruim, Mansueto é excelente profissional, entende como ninguém essa questão da dívida pública”.
Por outro lado, Camargo disse acreditar que o mote do ajuste fiscal seguirá de pé, bem como o respeito à regra do teto de gastos no ano que vem, importantes linhas para circunscrever o aumento expressivo de despesas a 2020.
O economista do Goldman Sachs Alberto Ramos escreveu, em nota, que a saída de Mansueto era “uma grande perda” e que o timing desse anúncio também era inoportuno em função da necessidade de medidas para reancorar a dinâmica da dívida.
Mansueto estimou recentemente que uma eventual extensão do auxílio emergencial até dezembro, sob os valores atuais, faria com que a dívida bruta ultrapassasse 100% do PIB já neste ano, sobre 75,8% em 2019. O patamar é considerado alto para um país emergente – e não deve retroceder tão cedo em função dos déficits primários esperados para os anos à frente.
“Guedes continuará sendo o principal formulador de políticas econômicas do governo Bolsonaro e deverá continuar a perseguir uma agenda liberal/reformista, mas perderá um consultor chave, de confiança e experiente”, avaliou Ramos.
Sem surpresa – Desde o fim do ano passado, a saída de Mansueto já era dada como certa, embora a janela para tanto ainda não tivesse sido acertada. O próprio Guedes disse, em dezembro, que tentaria “renovar o contrato” do seu secretário do Tesouro.
Em entrevista à Reuters em fevereiro, Mansueto afirmou que, quando tomasse a decisão de deixar o governo, faria o anúncio com antecedência.
Próxima a Mansueto, uma fonte ouvida pela Reuters pontuou que não houve gatilho para a decisão do secretário. “Só mesmo o cansaço normal de um cargo que está para lá de pesado. Ele já vinha avisando há muito tempo que desejava sair”, disse.
Uma segunda fonte da equipe econômica afirmou que o ministro tampouco foi surpreendido e que os dois vinham conversando abertamente sobre o assunto há semanas. Após cumprir a quarentena, Mansueto irá para a iniciativa privada, acrescentou a fonte.
“Não tem fator extra nenhum. Quando ele aceitou a secretaria do Tesouro, ele falou: ‘vou ficar por um tempo só’”, destacou.
À Reuters, Mansueto disse que haverá tempo para a transição, já que ele permanecerá no cargo até agosto. (Reuters)
Bruno Funchal será novo secretário
Brasília – O atual diretor de Programas na secretaria Especial da Fazenda do Ministério da Economia, Bruno Funchal, será o novo secretário do Tesouro no lugar de Mansueto Almeida, afirmou ontem o ministro da Economia, Paulo Guedes. Segundo Guedes, a transição deve ocorrer, no máximo, até 31 de julho.
Funchal já foi secretário de Fazenda do Espírito Santo de 2017 a 2018, no governo de Paulo Hartung.
Desde dezembro de 2019, ele também é membro titular do Conselho Fiscal da Caixa Econômica Federal.
Bacharel em Economia pela Universidade Federal Fluminense e doutor em Economia pela Fundação Getulio Vargas, Funchal tem pós-doutorado pelo Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA).
Mansueto já havia afirmado que a transição será feita com calma. (Reuters)
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