Franquias incorporam inteligência artificial em processos e gestão

Criada entre as décadas de 1940 e 1950, a inteligência artificial (IA) virou assunto nas rodas de conversa há menos de dez anos, a partir do desenvolvimento da IA generativa. Rapidamente, a ferramenta entrou no mundo dos negócios e está presente desde a sugestão de cardápios para o consumidor até a alta gestão. O setor de franchising também se beneficia da IA, das tarefas mais básicas do atendimento on-line ao desenvolvimento de estratégias de expansão das redes.
De acordo com a professora e vice-presidente de Comunicação e Marketing da Associação Brasileira de Inteligência Artificial (Abria), Elaine Coimbra, além do uso nos chatbots e controles de estoque, comuns ao varejo, a IA tem como principal aplicação nas franquias a predição de consumo e o acompanhamento individual das unidades.
“O objetivo da IA é gerar mais eficiência com menos esforço. Com a IA, começamos a conectar sistemas sem a necessidade de grandes volumes de programação manual humana. Com a visão computacional, o franqueado pode saber, por exemplo, quais são as demandas ao redor do seu CEP e traçar estratégias muito mais diretas e eficientes, customizando campanhas de marketing e promoções automáticas. Outro ponto interessante é o compartilhamento de informações com a indústria. A partir de câmeras, é possível extrair dados de comportamento do consumidor diante de uma prateleira ou de um corredor da loja – informações muito valiosas. A partir disso, faz-se a predição de comportamentos com base no histórico e no que está acontecendo agora”, exemplifica Elaine Coimbra.

Criada em 2013, a IBuild é uma rede de franquias brasileira focada em construções inteligentes, especializada em Steel Frame. O modelo construtivo substitui tijolos e cimento por estruturas de aço galvanizado e promete benefícios como maior durabilidade, resistência, flexibilidade no design, redução de desperdícios, diminuição de custos e prazos menores.
Entusiasta da IA, o fundador da IBuild, Diego Vaz, encara a ferramenta como sua melhor funcionária para tarefas objetivas, mas não dispensa o ser humano naquilo que só ele é capaz de fazer: compreender as emoções de outros seres humanos. Na franquia, a IA é utilizada em diferentes setores e processos. A aplicação vai desde o setor comercial, onde acompanha todas as reuniões e aponta os temas não expostos, até o planejamento das obras.

“A IA atua o tempo todo como uma consultora. Eu pergunto, por exemplo, como está determinada obra, e ela lê todo o banco de dados e me entrega a informação em tempo real. Ela não faz interpretação subjetiva. Digo que a IA é a melhor funcionária porque é capaz de lidar com volumes com os quais eu gastaria muito mais tempo e pessoas. Mas não é mágica: precisa ser treinada e ter base de dados. Comecei, como todo mundo, com o ChatGPT; depois, contratei uma empresa para desenvolver isso. Mas não existe tecnologia capaz de ‘ser humana’. Nosso trabalho é construir casas e, para que essa casa seja um lar, precisamos entender não só as necessidades, mas também os desejos e emoções dos nossos clientes. A IA libera nossas equipes para funções que são exclusivamente humanas”, afirma Vaz.
Com presença em nove estados, a IBuild tem em Minas Gerais cinco unidades: Nova Lima, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH); Uberaba, no Triângulo Mineiro; Itaúna, na região Centro-Oeste; e Teófilo Otoni, no Vale do Mucuri, além da Capital. Mais três unidades deverão ser abertas na RMBH até o fim de 2025.
No segmento Alimentação – Food Service, a Bella Capri, franquia de pizzarias, emprega IA no gerenciamento de relacionamento com o cliente, analisando pesquisas de satisfação e personalizando campanhas de marketing com base nas preferências individuais e no histórico de compras. Recentemente, a franqueadora lançou um atendente do WhatsApp com tecnologia de IA, que gerencia as interações com os clientes, incluindo mensagens de áudio e foto.
Segundo o diretor executivo da Bella Capri, Rafael Laurindo, a nova aplicação da ferramenta deve reduzir a equipe do call center em 30%. “Começamos a usar a IA pelo mais óbvio: analisando as pesquisas de satisfação e, depois, na sugestão de compra pela análise do histórico do consumidor, até chegar agora a essa nova ferramenta. Uma implantação como essa não é simples nem rápida. Trabalhamos nesse projeto desde janeiro e estamos implementando por etapas até dezembro”, destaca Laurindo.

O próximo passo da franquia é o monitoramento da qualidade das pizzas por IA, já em 2026. O processo será feito a partir da comparação entre a pizza produzida na cozinha e um banco de imagens do “produto ideal”.
“Ensinamos à IA, por meio de imagens, como deve ser o processo e o produto ideal. Nossa ideia é colocar câmeras dentro da cozinha para que, no processo de montagem, consigamos detectar uma pizza fora do padrão de qualidade exigido pela franqueadora. É como se colocássemos um raio X dentro da loja, em todas as etapas da produção. Elas serão monitoradas por essas câmeras, que vão comparar as imagens com um banco de dados e indicar se está no padrão ou não. É um projeto muito audacioso, porque tudo isso não pode aumentar o tempo de espera do cliente”, revela.
Ainda que faça parte, de forma irreversível, da vida das empresas e da sociedade, a IA nas franquias, assim como em quase todos os setores da economia, ainda gera desconfiança e temor, principalmente em relação aos empregos. Essa falta de confiança é um dos principais entraves à adoção das ferramentas baseadas em IA.
Segundo a 25ª edição do Accenture Technology Vision 2025, publicada no início do ano, a confiança das pessoas na IA, de que funciona de forma justa e conforme o esperado, além de qualquer aspecto técnico, é essencial para que ela tenha um impacto tão amplo e positivo quanto o previsto. 77% dos executivos acreditam que os verdadeiros benefícios da IA só serão possíveis quando construídos sobre uma base de confiança, ou seja, quando os sistemas digitais e os modelos de IA se mostrarem mais precisos, previsíveis, consistentes e rastreáveis, além de promoverem o uso responsável. E 81% concordam que a estratégia de confiança deve evoluir paralelamente a qualquer estratégia de tecnologia.
O desconhecimento tende a gerar resistência à adoção de novas ferramentas tecnológicas. Para o diretor executivo da Bella Capri, Rafael Laurindo, essa resistência é o principal fator que atrapalha o desenvolvimento das ferramentas de IA. Com 35 franqueados em 48 lojas e mais 12 unidades em processo de abertura, ele credita o sucesso da implantação das tecnologias ao engajamento dos franqueados.
“Um primeiro receio é em relação aos empregos, mas mostramos que, se de um lado é possível que o call center encolha, por outro criamos um departamento de dados. Os franqueados têm papel fundamental: estão no centro de todos os processos e nos ajudam a aprimorar a ferramenta. Assim, cumprimos a premissa básica do sistema de franquias – com a franqueadora compartilhando conhecimento e tecnologia, e os franqueados contribuindo com o conhecimento e o relacionamento com os mercados locais, que só eles possuem”, avalia o diretor executivo da Bella Capri.
Segundo a professora e vice-presidente de Comunicação e Marketing da Associação Brasileira de Inteligência Artificial (Abria), Elaine Coimbra, as redes de franquias devem compreender que já existe um superciclo tecnológico afetando as empresas e que o caminho passa pela conexão de dados.
O superciclo é um período de grande expansão econômica impulsionado pela convergência de várias tecnologias disruptivas, como a inteligência artificial (IA), a biotecnologia e os ecossistemas de dispositivos conectados ou internet das coisas (IoT).
Diferentemente dos superciclos passados, que se concentravam em uma única inovação – como a máquina a vapor ou a internet -, o atual é moldado pela intersecção de várias frentes que se alimentam mutuamente.
“O ciclo da IA é retroalimentado pelos da IoT e da biotecnologia. Os dados produzidos por humanos estão se esgotando, e já cresce o volume de dados sintéticos gerados por IA. Precisamos treinar as pessoas para esse futuro que já começou. O Brasil tem como diferencial uma população que não teme a tecnologia – isso é um ativo. Além disso, temos dados riquíssimos e a maior diversidade genética do planeta, tanto na natureza quanto entre as pessoas. Isso tem grande valor, mas ainda não conseguimos monetizar essa riqueza. O sistema de franquias, com sua capilaridade e presença até nos lugares mais remotos, aliado à IA, pode nos ajudar a coletar esses dados e transformá-los em conhecimento para o desenvolvimento de políticas públicas e o fortalecimento dos negócios”, avalia Elaine Coimbra.
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