Gastronomia nos hotéis exige planejamento e capacidade de improviso
Na cozinha do InterCity BH Expo, o chef Marcelo de Paula comanda um restaurante que precisa atender desde produtores rurais até executivos internacionais, conciliando tradição mineira e cardápios temáticos com planejamento rigoroso, técnicas modernas e adaptação constante à diversidade de públicos.
E quem nunca levantou correndo da cama motivado pela frase: “Levanta, senão vai perder o café do hotel”? Pois é… a gastronomia da hotelaria não só é capaz de nos tirar da cama mais felizes, como também movimenta a economia local e pode funcionar como um verdadeiro cartão de visitas da cidade.
Na página GASTRONOMIA desta quarta-feira (25), o chef Marcelo de Paula, responsável pelo restaurante Libertas, do InterCity BH Expo, fala sobre sua carreira e o desafio diário de atender tanto hóspedes quanto moradores de Belo Horizonte. O hotel da rede Intercity fica no bairro Gameleira, na região Oeste da capital mineira.
Boa parte das pessoas que estuda gastronomia começa querendo ter o próprio restaurante. Acredito que poucos pensem nos hotéis como uma primeira opção. Como você se tornou um chef de hotel?
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Eu comecei muito cedo, profissionalmente aos 17 anos, no restaurante. Era um restaurante macrobiótico naturalista do meu irmão. Fiquei uns três anos e depois tive uma oportunidade de ir para a Itália. Morei em Milão por quase dez anos. E lá aprendi muitas coisas, não somente da gastronomia italiana, mas da Europa de um modo geral. E aí voltei para o Brasil e escolhi Belo Horizonte como minha cidade – que me acolheu muito bem. Saí um pouquinho daquele frio e, como eu sou de Curitiba, eu queria esse calorzinho. Belo Horizonte é uma cidade muito rica na gastronomia – aliás, Minas Gerais. E são bem diferentes o trabalho do chef de cozinha de hotel e o do chef de cozinha de um restaurante. Eu tive a oportunidade, graças a Deus, de passar pelas duas cozinhas. Na hotelaria, é um estudo diário. Você tem que se reinventar a cada dia. Hoje você tem um evento de culinária mineira, amanhã tem de tailandesa. E assim vai indo. Cada dia é uma experiência. E o nosso hotel, por ser um hotel de eventos, isso acontece todo santo dia.
É impressionante, porque é um estudo para compor o cardápio, fazer as compras, pois, como chef executivo, não é só cozinhar – é toda a administração do restaurante, certo?
Exige muito planejamento. Se pensarmos que acordamos com o café da manhã, depois tem o almoço, os coffee breaks nesse meio-tempo, tanto de manhã quanto à tarde, os eventos, e ainda o jantar – é uma loucura. Às vezes, é difícil imaginar como a equipe consegue fazer essas entregas, mas eu digo que é muito planejamento e técnica. Eu, por exemplo, aqui trabalho com sous vide. Vou dar um exemplo: se chegar amanhã um evento para mim, de 500 pessoas, eu tenho armazenados “x” quilos de proteínas semiprontas. Isso sem falar dos equipamentos de última geração que temos, como fornos combinados, termocirculadores, que oferecem essa facilidade para poder fazer um evento assim, do nada.
Um grande mestre já me falou: “Marcelo, você tem que fazer comida para dez igual você faz para mil.” Então, não posso deixar de seguir os processos. Se você não tiver um bom planejamento e uma boa mise en place, não sai. E, claro, a gente não pode esquecer de falar dos colaboradores, porque a equipe, hoje em dia, é tudo. Uma equipe vive sem chef, mas o chef não vive sem a equipe.
E isso num contexto de mão de obra cada vez mais escassa?
Na nossa área, acho que, devido a essa explosão de televisão, de programas de gastronomia, tem muita gente interessada, mas a realidade é outra. Todo mundo quer um atalho. Eu também quis, mas não preciso estar na televisão para poder fazer as entregas. É muito esforço.
Estou fazendo quase 40 anos na gastronomia. Então, é muita história. Eu já estive ao lado do Alex Atala, por exemplo, trabalhando com ele. Ele tem um potencial gigantesco. Vou contar uma história muito bacana. A gente estava fazendo um evento num grande hotel aqui de Belo Horizonte e estávamos abrindo ostras. E eu, já experiente, estava abrindo errado. E ele, na maior simplicidade, me cutucou e falou baixinho: “Marcelo, vira a ostra, você está abrindo errado.” Foi muito bacana receber isso, porque tinham várias pessoas ao lado; ele podia muito bem ter falado alto, me exposto. E ele, com aquela humildade, me deu um toque que eu nunca mais esqueci. Essa é uma das mil histórias que eu tenho.
Belo Horizonte é uma cidade de negócios que tem se tornado também uma cidade de lazer. Você já promoveu mudanças no cardápio por causa disso?
O nosso cardápio é mutante. Claro, eu tenho um cardápio fixo do à la carte, mas o nosso bufê eu tenho que mudar a cada dia. Ainda mais em um hotel que é vizinho de um centro de convenções como o Expominas – então, eu tenho diferentes públicos a cada dia. Eu tenho (a exposição do) Mangalarga, a Megaleite, com produtores rurais – então, eles gostam mais de uma gastronomia local. Mas se eu tenho uma balada, é outro público, que quer comer algo diferente. Se é mais corporativo, então tenho que fazer uma culinária meio a meio. Todo dia o cardápio muda. Claro que trabalhamos em cima de uma base, mas tenho que me adequar ao público. Tem dia em que colocamos música ao vivo, estrategicamente, para reter o cliente com uma diversão. Temos um cardápio de drinques para diferentes momentos. Então, é sobre o planejamento que consigo improvisar.
Quem vem para uma cidade como Belo Horizonte costuma ter expectativas gastronômicas. Como incluir itens regionais, atendendo a essa expectativa, e manter o cardápio equilibrado em relação a um “consumo geral”?
O nosso bufê do dia a dia é bem mineiro, principalmente no almoço. No jantar eu brinco um pouquinho mais, mas não deixo de ter meu cantinho mineiro. As pessoas realmente vêm para cá, mesmo a trabalho, e querem a comida mineira. Além disso, o mineiro gosta de comer comida mineira. E ele vai para fora e fala assim: “poxa, mas não tem um tropeirinho, não tem um torresmo aqui para eu tomar com a minha cerveja.” Então, a primeira coisa que fiz quando cheguei aqui foi uma reformulação da comida brasileira e mineira para poder realmente atender ao público que nós temos.
E não basta ser apenas um pão de queijo de manhã, né?
Exatamente. E aí passa desde a broa quentinha, do pão de queijo, do pão de queijo recheado, do doce de leite com goiabada. E estou falando só do café da manhã.
E, para tudo isso dar certo, a cozinha precisa estar integrada também ao resto do hotel.
É um reloginho. Se eu sei que a festa do meu vizinho vai acabar uma hora da manhã, os hóspedes vão chegar no hotel por volta de duas horas, com fome. Então, usamos a estratégia de trazer para eles um cardápio rápido e com uma mão de obra a mais na cozinha para poder atender. Vem dando certo. Isso é bem bacana. Mesmo não tendo a certeza de que a gente vai ter aquele movimento, que eles irão aderir, ultimamente a gente vem fazendo isso muito bem.
Isso tudo fazendo as contas, porque o negócio tem que ser sustentável, certo?
Não é fácil. Eu volto a repetir: planejamento. Devo estar ali com os meninos, de olho na produção, estar muito próximo aos fornecedores, porque é com eles que eu negocio o preço dos insumos no dia a dia. E não dá para repassar a cada mês para o cliente. Então, é um balé. É um movimento cirúrgico para o cliente ficar contente – e o patrão, os investidores, também.
É trabalhar para atender à diversidade?
Atender gregos e troianos. Antigamente, os gastrônomos pensavam: “Eu vou fazer um tour na Itália, na França, em Portugal e vou aprender.” Hoje eu digo: fique no Brasil e veja quanta riqueza temos. O investimento é diferente. Hoje em dia, eu acho que são os europeus que têm que vir fazer um estágio com a gente, para aprender o que é um pouquinho da nossa culinária.
Chegando ao fim, uma pergunta clássica: o que nunca pode faltar no seu cardápio?
Azeite. E os (azeites) brasileiros estão cada vez melhores. O azeite, para mim, é fundamental – em quase todo tipo de gastronomia que eu uso. Seja para finalizar um vinagrete, refogar um risoto ou para fazer uma massa fresca. E usa-se o azeite até em preparações de sobremesa. Você pode encapsular azeite na gastronomia molecular – fica muito gostoso. Colocar uma saladinha fresca com um azeite encapsulado é muito bacana.
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