Lalka completa 100 anos com balas e doces símbolos da Capital

Uma boneca que completa 100 anos adoçando a vida de quem mora ou passa por Belo Horizonte. Fundada quando a Capital não tinha ainda 30 anos, assim é a Lalka, empresa com raízes polonesas, que faz parte das memórias afetivas de quem foi ou é criança na cidade com suas balas e doces.
Com sua tradicional sede no bairro Floresta, na região Leste, a Lalka tem fôlego para muito mais e segue inovando sem abdicar das tradições. A centenária bala de maçã é um ícone na cidade, que foi reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em 2019, pela criatividade na gastronomia.
Roberto Grochowski, membro da terceira geração da família fundadora da Lalka que tem a doce, mas não fácil, missão de comandar a empresa e levar esse legado em frente, conversa com exclusividade com a página Gastronomia.
Não é qualquer empresa que chega aos 100 anos e o século 20 foi rico em desafios como as guerras mundiais, instabilidade política e econômica no Brasil, as várias revoluções tecnológicas e de costumes. Você pode destacar um ponto, um segredo, da longevidade da marca?
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Não é fácil você mexer com produto alimentício, manter a qualidade com essas altas de preço. Você não pode perder a qualidade, então você sofre com os preços e aí você vai dançando conforme a música.
É um gingado polonês?
Sim, a nossa família é polonesa. Meus bisavós vieram para o Brasil em 1912, da Polônia porque, naquela época, a Polônia foi invadida pela Alemanha, pela Rússia, e ficava aquela instabilidade. Aí eles falavam que o Brasil era o país do futuro, então baixaram para o Rio de Janeiro. Chegando ao Rio de Janeiro, souberam que existia em Nova Lima uma colônia de poloneses. Lá meu avô conheceu minha avó. Ele tinha trazido vários livros sobre balas, bombons, e tinha ideia de montar alguma coisa de chocolate e balas. Eles se casaram e fixaram residência em Belo Horizonte. Aí montou uma fábrica de balas em 1925, que era a Lalka.
Eu comecei falando “uma boneca” porque esse é o significado da palavra Lalka, certo?
Se você pegar o símbolo que minha avó desenhou, ela tem uma bonequinha antiga toda cheia de detalhes. Depois ela reestilizou, colocou aquelas bonequinhas de louça da Polônia, que são lindas.
Não dá pra falar de Lalka e não falar da bala de maçã e o bombom de cereja, que são a estrela e o astro da companhia. Sem falar o segredo das receitas, o que faz desses dois, sabores que marcam gerações?
E também o licorzinho. É, muita gente diz que é inigualável. Hoje, realmente, se você pegar aqui uma balinha de maçã, você não vê nada parecido. Há algum tempo começamos a exportar para os Estados Unidos porque a bala deles é ácida por fora e doce por dentro. A nossa é ácida o tempo todo. Então, é interessante que os mais velhos até falam que feria o céu da boca, mas era tão prazeroso que a pessoa pegava o pacotinho e enquanto não acabasse, não parava. E ela é uma bala interessante que agora estamos descobrindo outras qualidades. Os oncologistas estão recomendando para quem precisa salivar, os ginecologistas para as mulheres que estão grávidas, então eu estou descobrindo até a parte medicinal dela. A bala de maçã é um espetáculo.
Este ano, inclusive, a bala de maçã virou drinque. Conta essa história, por favor.
Ela já virou várias outras coisas. O Xapuri já tinha usado, depois o Leo Paixão usou para fazer um sorvete, agora veio o Montê BH para fazer o drinque e outro dia veio um para experimentar, para fazer uma cerveja. Vamos colocando, deixando o pessoal usar a balinha, mas tem que ficar bom igual a bala da Lalka, né?
A indústria de alimentos evoluiu muito e a de guloseimas ainda mais. O Brasil é inundado de marcas, inclusive estrangeiras. Como se manter no mercado diante dessa competição global?
Juntamos a experiência dos mais velhos com a juventude dos meninos. Como nós tocamos a fábrica a vida inteira, temos um jeito de fazer, e muitas vezes os meninos querem chegar e mudar tudo de uma vez. Não é assim que funciona. Aí a gente vai se adequando. Nós vivemos vários planos econômicos, a pandemia e graças a Deus nós nunca fizemos bobagem, nunca precisamos recorrer a banco, a gente vai com o pé no chão. Não temos a intenção de brigar com os industrializados. Queremos continuar com produtos de qualidade para atender as pessoas que querem qualidade.
Temos propostas de compra da fábrica, de transformar em franquia o tempo todo, mas por enquanto não temos interesse. Tivemos até uma época em que começamos a criar um sistema de parceria. Mas nós não tínhamos uma expertise em gestão para ser compartilhada, embora tivéssemos capacidade produtiva. Decidimos, então, partir para outra situação, que é essa de colocar as balas nas melhores delicatessens do Brasil. Hoje, para você ter uma ideia, nós vendemos na Confeitaria Colombo, no Rio de Janeiro, e para o Empório Fasano, em São Paulo e a gente vai procurando as lojas boas pra colocar.
Você falou sobre a importância de ouvir o consumidor. Imagino que a loja do bairro floresta seja o melhor lugar pra isso.
A pessoa volta no tempo ali. É muito interessante. É por isso que eu falo que muitas vezes é bom você ficar no balcão, lá você escuta história o dia inteiro. Outro dia chegou uma senhora que falou assim: “Quando eu era menina, eu roubava a bala lá na Lalka, porque seu pai deixava. Ele fingia que não via e a gente levantava uma tampa, pegava, e saía correndo”.
Nós éramos nove filhos e papai e mamãe morando em cima da fábrica. A Igreja Nossa Senhora das Dores é muito perto e quando acabavam as missas, a família toda descia para ajudar na loja, porque ela ficava cheia. Todo mundo aprendeu a trabalhar lá.
Embora o foco maior hoje seja nas balas, estamos próximos da Páscoa e eu não posso deixar de perguntar sobre os chocolates. Vai ter novidade este ano?
Nós tivemos uma crise do cacau lá na África, que é responsável em torno de 60% do cacau mundial. Aí respinga na gente porque é tudo dolarizado. Pra você ter uma ideia, em novembro de 2023, a gente comprava a manteiga de cacau a R$ 33 o quilo. Hoje pagamos R$ 220. É um negócio absurdo. Então, não podemos perder a qualidade, nem repassar isso para o cliente. Você tem que ter um jogo de cintura, ganhar menos e continuar fazendo um negócio de qualidade. Meu pai sempre falava: “Se você tiver que aumentar o produto, aumente, mas não deixe ficar sem qualidade”. Porque a gente tem que criar um foco para as pessoas que querem uma coisa boa.
A Páscoa também é um negócio interessante, porque, às vezes, alguém lança um tipo um chocolate ou recheio e o pessoal todo procura aquilo. Nós fazemos ovo de Páscoa em cima da hora pra sempre ter um produto fresco, diferentemente da grande indústria. E aí, se precisar de alguma coisa diferente, a gente também faz. A vantagem nossa é que nós podemos fazer o que precisar na fabricação de ovo de páscoa. Chegou uma época em que a gente até colocava alguma coisa dentro do ovo de páscoa. Já teve gente, por exemplo, com a aliança dentro do ovo. E temos os produtos de linha que o pessoal procura.
A Lalka é um negócio de família. Você já está preparando a quarta geração?
Sim, tenho dois sobrinhos e meu filho já participando do negócio.
Agora eu quero falar de festa. Vai ter comemoração, né? O que você já pode contar? Você vai conseguir realizar o sonho de abrir parte da produção para visitação?
Sim, estamos planejando uma comemoração para esses 100 anos. Abrir a fábrica para visitação sempre foi o meu sonho. Eu lembro até hoje, quando eu era menino, eu fui visitar a faculdade da Coca-Cola, e nunca mais me esqueci. Meu sonho era pegar as crianças lá na escolinha e trazer aqui. Todo mundo quer conhecer. Não é uma fantástica fábrica de chocolate, mas é uma fabricação bonita. Não é uma coisa que se faça do dia pra noite, mas vamos conseguir.
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