Entenda como o álcool pode afetar a produtividade de jovens talentos nas empresas

A inserção de jovens no mercado de trabalho, impulsionada por iniciativas nacionais como a Lei do Jovem Aprendiz, reflete um investimento no potencial inovador e energético que essa faixa etária oferece aos diversos setores econômicos. No Brasil, aproximadamente 460 mil jovens participam do programa de Jovem Aprendiz, marcando sua entrada no ambiente corporativo.
Para ajudar os jovens a aproveitarem este potencial produtivo, evitando os riscos que podem surgir nessa faixa etária, o programa Na Real, do Instituto Aliança, promove debates e a conscientização sobre os riscos do consumo precoce do álcool.
As ações são realizadas em escolas, igrejas, clubes e comunidades de Minas Gerais e de outros sete estados, além do Distrito Federal. A iniciativa também integra uma rede internacional de educação positiva, conhecida em vários países como Smashed Global, idealizada pela instituição Collingwood Learning.
A entidade atua em um panorama com dados preocupantes sobre o uso de bebidas alcoólicas entre jovens. O consumo de álcool entre adolescentes, segundo dados de 2019 do IBGE, atinge quase metade dos jovens entre 13 e 17 anos. Destes, 43,3% já ficaram embriagados alguma vez na vida.
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Enquanto isso, estudos da Universidade de São Paulo (USP) apontam que o hábito de consumir bebida alcoólica não só compromete a saúde física e mental, mas também pode afetar negativamente a capacidade de contribuir para a inovação e para o desenvolvimento profissional. Os efeitos tendem a prejudicar as relações com gestores, steakhouders e colegas no ambiente corporativo.
O problema suscita o debate sobre os riscos que esse tipo de consumo pode trazer para o comportamento dos recém-chegados ao mercado de trabalho.
Esforços para mudar uma realidade prejudicial
Somente nos últimos cinco anos, 900 mil adolescentes e jovens brasileiros passaram pelo programa Na Real. À frente do programa no Brasil, a coordenadora nacional, Neylar Vilar, fala sobre a importância de levar os jovens a uma reflexão com informações seguras sobre os impactos do consumo precoce de álcool.
“Infelizmente, essa questão não é um problema somente brasileiro, mas de saúde global. Estamos falando da substância mais usada no mundo, e o programa tem uma pegada mais preventiva para evitar que os jovens não sejam dependentes do álcool, pois há estudos que mostram que eles estão consumindo o álcool cada vez mais cedo”, aponta Neylar.
Para ela, o aumento do consumo de álcool entre os mais jovens gera um impacto direto no mercado de trabalho. “O jovem será prejudicado por esse consumo, mas a empresa pode também ser prejudicada. E essas marcas vão construindo as manchas na carreira desse jovem”, diz.
Neylar também lembra que os jovens enfrentam várias pressões. “Uma é a pressão do aprendizado no ambiente escolar. Outra, é a pressão das obrigações atribuídas ao trabalho. Com a junção do álcool, temos aí uma queda direta do rendimento tanto escolar, quanto no trabalho. Fora que há impactos também no relacionamento interpessoal, problemas de produtividade, ressacas, faltas, redução de desenvolvimento e, consequentemente, a rotatividade“, conclui.
Veja outros riscos provocados pelo consumo de álcool na juventude:
Redução da capacidade cognitiva
Em entrevista ao DIÁRIO DO COMÉRCIO, o neuropsicólogo João de Barros Filho, enfatiza que o consumo de álcool pode, negativamente, atingir funções dos receptores neurais, o que agrava a atuação de um jovem estudante inserido na esfera profissional.
“Especificamente essas áreas (os receptores neurais) são responsáveis pela memória, tomada de decisão e controle de impulsos. Isso se traduz, no mercado de trabalho, em uma menor capacidade para resolver problemas complexos ou planejar em curto, médio ou longo prazo uma atividade que requer mais concentração”, explica.
Decisão de risco e comportamentos impulsivos
O proprietário de uma gráfica na região do Barreiro, em Belo Horizonte, que preferiu ser identificado apenas como Matheus, conta que já enfrentou uma situação envolvendo efeitos de consumo de álcool em seu negócio. Ele lembra que um ex-funcionário, com cerca de 18 anos, começou a apresentar problemas de produtividade, mas que, de início, não tinham razão aparente.
“Era um funcionário muito dedicado, mas com o tempo começou a acumular alguns atrasos e a apresentar erros nas entregas”, conta. Diante de uma entrega importante a ser feita para um cliente de longa data, o funcionário não compareceu ao local de trabalho.
“Então, tive que realizar uma reunião para discutir essa situação, e ele admitiu ter extrapolado no álcool em um evento. Decidimos, em um primeiro momento, mostrar que aquela situação só traria dor de cabeça e menos chances de encontrar um emprego, mas que era necessário esforço e cuidado”, relembra o empreendedor.
Segundo o neuropsicólogo João de Barros Filho, o álcool tende a aumentar a propensão a tomar decisões arriscadas como não ir ao trabalho, decidir chegar mais tarde ou até mesmo um comportamento impulsivo, como não fazer uma alimentação adequada após ingerir excesso de álcool.
“O álcool interfere no funcionamento do córtex pré-frontal, uma região do cérebro que desempenha um papel crucial na modulação da tomada de decisões e do comportamento impulsivo. Quando adolescentes consomem álcool, seja cerveja, energéticos ou destilados, eles podem desenvolver padrões de comportamento que favorecem a impulsividade e a busca por recompensas imediatas em detrimento da avaliação de riscos e consequências de prazos estabelecidos”, pontua o médico.

Socióloga aponta para a necessidade de políticas públicas
Para a socióloga e psicóloga organizacional do Centro Universitário Academia, Flávia Tavares, o cenário demanda uma reflexão sobre as políticas públicas e iniciativas sociais voltadas para a educação dos jovens quanto aos riscos do consumo de álcool.
“Faltam esforços do poder público com políticas para a redução desses índices. Há um trabalho que precisa ser feito com a sociedade e os profissionais de saúde buscando estratégias para minimizar esses impactos. É preciso uma esperança de construir um futuro em que os jovens possam alcançar seu potencial máximo, livre dos obstáculos impostos pelo álcool, e que a escola e as empresas também possam colaborar com essa transformação”, sugere a docente.
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