Equidade racial: por mais inclusão e de olho no ESG, empresas abraçam causa

O mercado de trabalho é composto por milhares de pessoas de etnias, classes sociais e origens diferentes. Ainda assim, a disposição dos cidadãos nos cargos pode ser influenciada pela cor da pele, gênero e educação. Pesquisa do Instituto Ethos, por exemplo, mostra que, no recorte racial, menos de 5% de cargos de alta liderança das grandes empresas são ocupados por pessoas negras.
Já segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a taxa de desocupação por cor ou raça, no terceiro trimestre de 2023, ficou abaixo da média nacional (7,7%) para os brancos (5,9%) contrastando com os valores acima para os pretos (9,6%) e pardos (8,9%).
Os reflexos da desigualdade racial também espelham a realidade econômica do País. Atualmente, de acordo com o IBGE, entre os 10% mais pobres da população brasileira, 78,5% são negros (pretos e pardos) e 20,8% são brancos. Já entre os 10% mais ricos, a situação se inverte: 72,9% são brancos e 24,8% são negros.
Assim, a pauta que faz parte de discussões sociais no País começa a compor o escopo das prioridades empresariais, que buscam promover ações afirmativas na promoção da equidade racial, com ações para geração de emprego e renda. Além disso, preocupadas com o ESG, a questão passa a fazer parte no centro do debate econômico nacional.
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Essas iniciativas têm gerado resultados significativos no Brasil, conforme demonstrado no ranking de empresas divulgado pelo Movimento pela Equidade Racial, o Mover, uma associação sem fins lucrativos, cuja gestão é composta integralmente por profissionais negros.
Confira o cenário em 5 grandes empresas nacionais:
- Magalu: 53% dos funcionários da empresa são negros, com 16% destes ocupando cargos de liderança;
- Ambev: 50,2% dos funcionários se autodeclaram pretos ou pardos, sendo que 27,1% destes estão em posições de liderança;
- Nestlé: há 48% de representatividade negra na companhia;
- Pepsico: há 47,4% de representatividade negra, com 10,6% em posições de alta liderança;
- Coca-Cola: há 30% de representatividade negra, excluindo aprendizes e estagiários.
Desenvolvimento de carreiras e crescimento empresarial
Através da conscientização e do estímulo ao desenvolvimento de carreiras, bem como da promoção da inovação inclusiva para pessoas negras, a iniciativa Mover busca promover e acelerar a conquista da equidade racial nas empresas. Atualmente, a instituição conta com a participação de 50 negócios que trabalham de forma colaborativa, elaborando projetos de inclusão e diversidade racial.
Com mais de 1,3 milhão de colaboradores no Brasil, o projeto tem potencial de realizar iniciativas com foco em capacitação, emprego, liderança e empreendedorismo. Segundo a gerente sênior de Relações Institucionais do Mover, Luciene Rodrigues, as alavancas para os próximos anos têm foco nas áreas de gestão, comunicação estratégica e expansão para evoluir coletivamente de forma propositiva na jornada pela equidade racial.
“Nos movemos para que, em um futuro próximo, tenhamos representatividade racial nos grupos de CEOs das grandes corporações, pois sabemos que menos de 5% destes cargos são ocupados por executivos negros nas 500 maiores do País. Neste sentido, além de mobilizar os CEOs para esse objetivo, desde o início, atuamos em parceria com organizações negras e especialistas em Diversidade e Inclusão. E, por isso, temos a meta de chegar a mais 10 mil lideranças negras, visando um quadro onde a equidade esteja presente”, explica.

Luciene Rodrigues ainda comenta que, para 2024, sob o viés econômico, o objetivo comum às associadas é proporcionar mais de 300 mil oportunidades e gerar mais de 1 mil novas lideranças negras.
“Essa é uma curva ascendente que faz parte do estruturamento das metas do projeto. Visamos ampliar e expandir o potencial de impacto do Mover, e, para isso, o engajamento das empresas é fundamental, tanto das 50 associadas quanto em busca do objetivo de chegarmos a 100 signatárias”, diz.
Neste ano, a ONG também implementou um censo em parceria com o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades (Ceert), além de realizar reuniões mensais com as lideranças que são pontos focais das associadas e, a cada dois meses, com os CEOs, para troca de boas práticas e acompanhamento do quanto cada empresa está se movendo no dia a dia.
Marca mineira de cosméticos para cachos é exemplo de ambiente diverso de sucesso
A caminho de mais uma expansão na Capital, Nataly Sgoviah possui um salão e uma fábrica em Belo Horizonte, e planeja abrir no próximo semestre uma loja no bairro Savassi, na região Centro-Sul, para a venda de cosméticos com fórmulas exclusivas. O empreendimento, que entrou no mercado de e-commerce em 2015, hoje marca presença no setor belo-horizontino.
A empresária, cosmetóloga e cabeleireira especialista em cachos é a idealizadora da marca, que trabalha com a linha Ecoá Fitocosméticos, um produto naturalista. Para o próximo semestre, a executiva revela que os produtos passarão por uma evolução e vão se chamar ‘Natitu’, como parte do processo de rebranding e expansão da empresa.

Tudo isso é sucesso refletido também através da qualidade de atendimento e inovação oferecidos pelos funcionários, que satisfeitos, produzem melhores resultados. Relato que só é possível pelo comprometimento da empresa que, mesmo naturalmente, foca em dar oportunidades às minorias, como membros da comunidade negra, mães solo e pessoas LGBTQIA+.
“Hoje em dia a gente sabe que é difícil ver um preto valorizado. No caso da empresa, minha gerente comercial é uma pessoa negra, assim como a minha gerente financeira. Na minha empresa, todas as lideranças são pessoas negras”, reforça.
A empresária ainda diz que, para o produto com que trabalha, a escolha de pessoas negras é essencial “até porque para mostrar e explicar o uso dos produtos é preciso entender, e, querendo ou não, quem tem o cabelo crespo ou cacheado pode dizer melhor”.
Com valores humanizados e em busca de promover a qualidade de vida dos funcionários, a empresária avalia que a motivação dos colaboradores dentro do ambiente é alta. Ela ainda comenta que têm esse compromisso como forma de realizar aquilo que não teve.
“Tenho a ideia de abrir portas para as pessoas. Com a política de pagar salários acima do mercado, vale-alimentação e tratar os funcionários como pessoas e não números, avalio que a qualidade de vida dos colaboradores torna-se melhor. Vejo pessoas que progrediram na carreira dentro da empresa podendo tirar férias e viajar, ajudar a família, comprar carros”, orgulha-se.
Transformação social nas empresas
O crescimento sustentável das empresas depende de comportamentos e ações práticas, segundo a gerente do Mover. E pesquisas da McKinsey já indicaram que as empresas com maior diversidade étnica têm 33% mais propensão à rentabilidade. Por isso, a pauta racial é um tema urgente em um País como o Brasil, em que a maior parte da população é composta por pessoas negras e com histórico secular de racismo estrutural.
“Estamos transportando o debate para toda a cadeia de valor, visando aumentar o impacto na carreira de profissionais e fornecedores negros, multiplicando o que tem dado certo até aqui e ajustando os pontos de melhoria. Intensificamos as conexões entre os profissionais e o mercado de trabalho por meio do lançamento da Plataforma de Vagas & Talentos e da Plataforma de Fornecedores”, revela a gerente sênior de Relações Institucionais do Mover, Luciene Rodrigues.
A executiva ainda fala sobre o lançamento deste ano, o primeiro documentário sobre a região da Pequena África, no Rio de Janeiro, que tem o objetivo de levar a conscientização e funcionar como uma ferramenta efetiva de combate ao racismo, por meio de ações que impactem na redução da desigualdade racial no Brasil.
Já Nataly Sgoviah comenta que no salão e na fábrica, a maior parte dos funcionários é negra, incluindo as lideranças. Este, é um dos valores que ela pretende manter, mesmo com a expansão e, assim, continuar inserindo no mercado profissionais que fazem parte de minorias.
Ambientes inclusivos no mercado de trabalho
Em Minas Gerais, a proposta de discutir estratégias para incentivar a atuação de empresas no enfrentamento às desigualdades no ambiente corporativo é levada a sério e tem sido incorporada, aos poucos, nos negócios.
No último ano, empresas mineiras assinaram o Pacto da Equidade Racial, que atua em parceria com o Pacto Global da ONU. Em setembro, junto com o Movimento Pela Equidade Racial (Mover), as entidades assinaram uma carta pública para reafirmar o compromisso com a pauta.
A indústria de cosméticos, produtos de higiene pessoal e suplementação alimentar, a Farmax, é outro exemplo. A marca, foi a segunda mineira a se comprometer com o Pacto de Promoção da Equidade Racial.
No Brasil, até o último ano, 62 companhias aderiram à iniciativa que estimula a promoção de ações afirmativas, a melhoria da qualidade da educação pública e formação de profissionais negros.
De acordo com o CEO da Farmax, Ronaldo Ribeiro, a adesão é fruto do avanço de um processo responsável de estruturação e evolução cultural na empresa para implementação de programas estruturantes para a diversidade e inclusão.
“Somos uma companhia voltada para o cuidado com todas as pessoas. Isso inclui o acesso a produtos específicos para peles negras, especialmente por meio da marca Negra Rosa. Mas vamos além disso, também desafiando a realidade social para criarmos uma empresa que promova o futuro que acreditamos”, afirma Ribeiro.
A fundadora da Negra Rosa, Rosangela Silva, uma das lideranças na Farmax, avalia que a adesão ao Pacto é emblemática e mais um passo na longa jornada desta causa. “Essa assinatura ilustra o comprometimento e a postura da Farmax em relação à causa. Infelizmente ainda são poucas as empresas brasileiras com coragem de assumir esse compromisso. É uma conquista importante”, celebra Rosangela Silva.
A instituição Mover alerta as empresas em relação ao cumprimento da agenda de diversidade e inclusão, que pode ser feita por meio de mudanças de valores ou de estratégias e ações.
Para isso, algumas alternativas são bem-vindas no ambiente de trabalho, tais como:
- oferecer programas de capacitação internos;
- estabelecer parcerias com instituições de ensino e organizações para fornecer treinamento em habilidades específicas necessárias para as funções disponíveis;
- implementação de políticas de vagas afirmativas dentro das empresas, incluindo os cargos de liderança e alto nível de senioridade.
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