Acordo UE-Mercosul vai a voto sob oposição de França e, agora, Itália
Em meio a críticas, reportagens desfavoráveis e até o abate de gado acometido por doença viral, o Parlamento Europeu aprecia nesta terça-feira (16) salvaguardas inseridas no Acordo União Europeia-Mercosul, penúltimo passo de sua tramitação no bloco. Enquanto isso, cresce a oposição à sua ratificação, na quinta (18), no Conselho da União Europeia.
“Agora é uma questão de credibilidade e uma questão de ser estratégico”, declarou à imprensa europeia Maros Sefcovic, comissário de Comércio do bloco, antecipando a possibilidade de um novo recuo nas negociações, que começaram em 1999.
Segundo Sefcovic, uma nova falha da UE pode comprometer seu papel no cenário global, já bastante limitado pelas tarifas de Donald Trump e a competição tecnológica com a China.
No fim de semana, o governo francês reiterou um pedido de adiamento da tramitação e novas discussões. “A França solicita que se adiem os prazos de dezembro para continuar o trabalho e obter as medidas de proteção legítimas de nossa agricultura europeia”, afirmou o gabinete do primeiro-ministro francês, Sébastien Lecornu, em comunicado.
Nesta segunda (15), o presidente Emmanuel Macron, segundo a agência Reuters, angariou o apoio da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, à dissidência. Somados os votos certos de Polônia e Hungria, que são declaradamente contra o pacto, a França estaria próxima a uma antes inimaginável minoria de bloqueio no Conselho da União Europeia.
Para barrar uma proposta no fórum, que funciona como um colegislador e é formado por ministros dos 27 integrantes do bloco, é preciso reunir ao menos quatro países e uma fatia correspondente a 35% da população da UE.
Se Áustria e Irlanda, que já expressaram simpatia pela posição francesa, aderirem à minoria, muito provavelmente a Dinamarca, que ocupa a presidência temporária do bloco, não submeteria o acordo à votação na quinta, acatando o pedido de adiamento.
A não conclusão imediata do tratado seria uma derrota pessoal para Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, uma das maiores defensoras do acordo ao lado de Friedrich Merz, premiê da Alemanha, e Pedro Sánchez, presidente da Espanha. Os dois países se beneficiariam muito com a ampliação dos negócios com os sul-americanos.
Também tiraria de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a chance de acrescentar o acordo a seu currículo internacional em ano de campanha. “Eu posso lhe garantir que no dia 20 de dezembro estarei assinando o acordo União Europeia-Mercosul”, disse Lula, no mês passado, no encontro do G20, antecipando que receberia Von der Leyen em Brasília para o ato de assinatura.
“O Brasil continua otimista, nós dependemos da votação no Conselho [da União Europeia], mas temos sinalizações de que a ideia é assinar [o acordo UE-Mercosul]. A França sozinha não tem poder de bloquear, França e Polônia sozinhas também não”, disse a secretária de América Latina e Caribe do Ministério das Relações Exteriores, embaixadora Gisela Padovan, antes de as informações sobre a Itália serem publicadas pela Reuters.
A votação prévia no Parlamento Europeu, nesta terça, se refere a salvaguardas introduzidas no documento para satisfazer demandas francesas e italianas e fazer o acordo andar: monitoramento “em tempo real” dos mercados, notadamente carne bovina e de aves, arroz e etanol e a possibilidade de intervir no mercado em caso de desestabilização.
Uma flutuação de preços superior a 10% seria o gatilho para uma investigação da UE. O setor de proteínas, em que o Brasil é potência mundial, é o que mais preocupa os fazendeiros europeus, mergulhados em uma crise econômica quase permanente.
Cerca de 10 mil deles, a maioria franceses, são esperados na quinta, em Bruxelas, em manifestação contra o acordo. Os protestos, na verdade, começaram na semana passada, quando o ministério da Agricultura da França ordenou o abate de centenas de animais acometidos por dermatose nodular, uma doença viral com surtos verificados também em Itália e Espanha.
O tratado de livre comércio é um dos poucos itens da agenda europeia que une os extremos do espectro político. À direita, populistas abraçam o pleito ruralista, em apropriação eleitoreira, enquanto à esquerda a preocupação é ambiental.
Na Europa, a imagem do agronegócio brasileiro é quase sempre conectada ao desmatamento, regulação falha e apráticas sanitárias duvidosas. No mês passado, por exemplo, um jornal irlandês publicou extensa reportagem mostrando como seus repórteres compraram medicamentos e hormônios que são proibidos pela legislação europeia.
O que está em jogo neste momento é a parte comercial do acordo, que foi separada neste ano de outros elementos do documento para driblar a exigência de aprovação em cada um dos Parlamentos dos 27 países-membros. Sua aprovação formaria um mercado de livre comércio com 722 milhões de consumidores, um dos maiores do mundo.
Pela primeira vez também um pacto de grande magnitude seria selado sem a anuência de um de seus Estados fundadores, o que evidencia o conturbado momento político europeu.
Conteúdo distribuído por Folhapress
Ouça a rádio de Minas