A celeuma do “fim” da coisa julgada tributária

Gustavo Henrique Carvalho Da Mata*
Muito se falou no último mês que a coisa julgada tributária deixou de existir em virtude da decisão proferida pelo STF nos REs 955227 e 949297, acarretando insegurança jurídica. Contudo, isso não é uma verdade absoluta.
Coisa julgada, ou trânsito em julgado de uma decisão judicial, significa que determinada decisão se tornou estável e imutável, embora o nosso ordenamento preveja possibilidades de sua “quebra”. Nesse espeque, entendemos que a recente decisão do STF consiste apenas em mais uma possibilidade de “quebra” deste instituto, com o fim de evitar desequilíbrios concorrenciais.
Melhor explicando, o STF decidiu que se um contribuinte tiver uma decisão judicial transitada em julgado que lhe seja favorável (pela inconstitucionalidade de um tributo, por exemplo), esta decisão será aplicada em suas operações, devendo o Fisco respeitá-la. Contudo, se após a decisão favorável ao contribuinte, o STF, em outro processo, vier a decidir de forma contrária à decisão daquele contribuinte (reconhecendo a constitucionalidade do tributo, por exemplo), aquela decisão favorável àquele contribuinte deixará de surtir efeitos automaticamente, devendo o contribuinte passar a pagar o tributo igualmente aos seus concorrentes, mas somente após decorridos 90 dias da nova decisão do STF e/ou somente no ano seguinte, conforme a natureza do tributo.
Cabe notar que essa “quebra” da coisa julgada decidida pelo STF só se aplica quanto aos tributos devidos de forma continuada, como, por exemplo, o ICMS, o Imposto de Renda e a CSLL, não se aplicando sobre tributos cujo fato gerador não se repete continuamente, como o ITBI e o ITCD.
Mas onde reside a ventilada insegurança decorrente da retroatividade deste novo entendimento? Isso somente ocorre em alguns poucos casos específicos. No caso julgado pelo STF, nos idos de 1992, alguns contribuintes obtiveram decisões transitadas em julgado garantindo-lhes o direito de não pagar a CSLL. Contudo, em 2007 o STF já havia decidido em sede de ADI que a CSLL é constitucional e devida. Assim, os contribuintes que não pagaram a CSLL com base em suas decisões deverão pagá-la, não de forma retroativa a 1992, mas a partir de 2007, observado o prazo decadencial quinquenal (ou seja, só quanto aos últimos cinco anos). Assim, a decisão proferida pelo STF em fevereiro de 2023 somente reconheceu que desde 2007 o STF já havia decidido pela constitucionalidade da CSLL, “quebrando” então em tal época aquela coisa julgada de 1992, de forma que a CSLL passou a ser devida por todos desde 2007.
É neste ponto que residem as críticas que se mostram razoáveis, posto que até a tese firmada em fevereiro de 2023 a coisa julgada era “sagrada”, só podendo ser “quebrada” naquelas situações previstas em lei. Logo, deveria o STF ter modulado os efeitos do seu entendimento favorável à “quebra da coisa julgada” para que só se aplicasse para os novos julgados, posteriores a fevereiro de 2023, que modificarem entendimentos anteriores.
Finalizando, cabe repetir que a apontada retroatividade só se aplica para a referida questão da CSLL e para outros poucos casos em que houve modificação de entendimento antes de fevereiro de 2023, respeitado o prazo decadencial de 5 anos. Logo, como regra, a título de exemplo, se em 2018 um contribuinte obteve decisão transitada em julgado garantindo-lhe não pagar um imposto sobre determinada operação, e se em 2025 o STF, em outro processo, em sede de ADI ou de repercussão geral, vier a entender que tal tributo deve incidir sobre tal operação, aquela decisão do contribuinte automaticamente perderá efeitos em 2025, mas este contribuinte só deverá pagar o tributo sobre tal operação após a publicação do entendimento de 2025, e, ainda assim, após observados os princípios da anterioridade anual e/ou nonagesimal, conforme a natureza do tributo.
*Membro da Comissão de Apoio Jurídico às Micro e Pequenas Empresas da OAB/MG
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