Legislação

AGU propõe mudança no pagamento de precatórios

Objetivo é regularizar o fluxo de sentenças judiciais dentro da meta fiscal
AGU propõe mudança no pagamento de precatórios
Ceron: 60% das sentenças estão ligados à demanda original | Crédito: Joédson Alves/Agência Brasil

Brasília – A mudança nas regras de pagamento dos precatórios vai permitir a regularização do fluxo de sentenças judiciais “sem furar expectativas” com o novo arcabouço fiscal, diz o advogado-geral da União substituto Flávio Roman. “A gente precisa criar mecanismos que permitam o pagamento dos precatórios e a continuidade dos serviços públicos. Não tem que fazer uma escolha horrível. Para isso, a decisão do Supremo é o elemento fundamental”, avalia.

Na última segunda-feira (25), a AGU pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a derrubada do limite para precatórios instituído no governo de Jair Bolsonaro (PL) e propôs o pagamento de parte das sentenças judiciais como despesa financeira.

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também quer autorização para regularizar um estoque de cerca de R$ 95 bilhões por meio de crédito extraordinário, fora do alcance das regras fiscais. A expectativa é quitar esse passivo ainda em 2023.

O tratamento de juros e encargos como gasto financeiro é um ponto-chave para que esses valores sejam excluídos dos limites do novo arcabouço fiscal e das metas de resultado primário, inclusive no futuro.

Na prática, a medida alivia a pressão fiscal sobre a regra desenhada pela equipe do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que permite uma expansão de gastos entre 0,6% e 2,5% acima da inflação ao ano. Um crescimento mais intenso dos precatórios poderia tirar espaço das demais políticas.

“Eu preciso encontrar mecanismos para colocar isso dentro do meu Orçamento, sem furar as expectativas que foram legitimamente constituídas a partir do arcabouço fiscal. E a única maneira de fazer isso é colocando uma parte menor, que não é a parte do principal, com essa possibilidade de considerar como despesa financeira”, afirma Roman.

O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, explica que cerca de 60% dos valores das sentenças represadas estão ligados à demanda original e, por isso, continuariam a ser classificados como gasto primário, dentro das regras fiscais. Outros 40% seriam os encargos, a serem tratados como despesa financeira.

Já em relação ao fluxo futuro de precatórios, a projeção do Tesouro é que a proporção fique mais próxima de 70% de principal e 30% de encargos. “Ano a ano vem caindo essa relação em função da aceleração dos julgamentos”, ressalta Ceron.

Uma parcela dos economistas critica a nova interpretação do governo e vê a iniciativa como uma manobra para reduzir as despesas na marra, uma espécie de contabilidade criativa para evitar o impacto desses gastos sobre as estatísticas fiscais. O governo rejeita esse rótulo.

“A definição sobre o que é principal e o que é juro não está na discricionariedade do Executivo, para ele querer fazer o que ele quiser. É o próprio tribunal que, ao solicitar (a expedição do precatório), vai fazer essa segregação. Na verdade, ele já faz essa segregação, ou seja, não tem nenhuma criatividade nessa contabilidade”, afirma Roman.

O advogado-geral substituto também confirmou que eventual decisão favorável do Supremo vai vincular o Banco Central, órgão responsável pelas estatísticas oficiais de finanças públicas, que precisará adotar o mesmo critério e excluir as despesas apontadas como financeiras do cálculo do resultado das contas.

Efeito vinculante

Roman diz que não se trata de “amarrar” o BC, mas sim de “dar conforto” para que a instituição possa fazer esses cálculos. Ele reconhece, no entanto, que, havendo a decisão judicial, o BC não terá opção ou não de segui-la, uma vez que ela terá efeito vinculante.

“Se você recordar ali 2015, 2016, quando a gente teve o questionamento das chamadas pedaladas fiscais, o Banco Central foi um dos órgãos públicos que também sofreu. Servidores do próprio Banco Central foram objeto de fiscalização pelo Tribunal de Contas. Essa busca de uma decisão do Supremo Tribunal Federal não tem a finalidade, em momento algum, de amarrar o Banco Central, mas de dar conforto para utilizar esse critério”, afirma.

Na avaliação da AGU, a situação dos precatórios é tão particular que não há paralelo nos manuais internacionais usados como referência pelo BC nas estatísticas oficiais. Por isso, caberia uma adaptação para o caso do Brasil.

Roman, que é da carreira de procurador do BC, diz que “tranquilamente” uma decisão do STF dará a sustentação necessária do ponto de vista jurídico para que não haja nenhum questionamento. “Ninguém quer atravessar o Banco Central ou impor, o Banco Central tem a autonomia dele e vai fazer os cálculos para isso. Mas a gente entende que uma decisão do Supremo vai dar o conforto necessário”, destaca.

O secretário do Tesouro argumenta que a aplicação do mesmo critério a todos os órgãos dá mais segurança. “Isso gera segurança a todos para sairmos desse problema com precatórios de forma sustentável, sem ter que criar exceções em limites fiscais ou outros mecanismos necessários para dar conta do problema”, afirma.

A AGU tem demonstrado otimismo com a possibilidade de o STF encampar a tese do governo. A leitura é de que a opção por uma conciliação pela via judicial busca reverter o “desprestígio” imposto pela PEC dos Precatórios, que resultou num calote das dívidas reconhecidas e determinadas pelo Judiciário.

“A gente está com a perspectiva de que ele (STF) tope, que avance com a gente, se possível neste exercício fiscal”, diz.

Segundo Roman, a atuação da AGU tem sido comparada pelo próprio ministro Jorge Messias à de um “esquadrão antibombas”. Regularizar os precatórios antes de 2027, quando ocorre o fim teto para pagamento dessas dívidas, evita a detonação de uma bomba fiscal superior a R$ 250 bilhões, em números atualizados pelo governo. (Idiana Tomazelli)

Economistas criticam contabilidade criativa

Os economistas passaram a última terça-feira (26) tentando entender o conteúdo e os efeitos da nova proposta do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o pagamento de precatórios. Se por um lado foi bem recebida a ideia de fazer a fila dos pagamentos andar, parte dos especialistas já está chamando de contabilidade criativa o plano de dividir os precatórios em principal e juros.

Na última segunda-feira (25), a Advocacia-Geral da União (AGU), com apoio do Ministério da Fazenda, pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) a derrubada do limite para precatórios instituído na gestão de Jair Bolsonaro (PL).

O governo também solicitou autorização para quitar o estoque represado até agora por meio de crédito extraordinário, que também fica fora do alcance dos limites orçamentários. O passivo é estimado em cerca de R$ 95 bilhões, e sua regularização deve elevar a dívida pública.

A AGU quer ainda que o STF reconheça uma separação entre tipos de despesas com precatórios, com os gastos relacionados ao valor principal sendo contabilizados como despesas primárias, enquanto os desembolsos com juros e correção monetária passariam a ser tratados como despesas financeiras, sem impacto no resultado primário.

“Eu acho louvável o governo tentar resolver e pagar os precatórios postergados. Isso é positivo”, afirma Manoel Pires, coordenador do Observatório de Política Fiscal do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) e pesquisador da Universidade de Brasília (UnB). “Mas eu tenho dificuldade de entender os juros do precatório como despesa financeira porque decorre de uma despesa primária. Não há uma operação de crédito envolvida nisso”, pondera

Manoel Pires lembra ainda que existem várias operações que envolvem juros e que são classificados como primária em função da sua origem. Quando uma empresa atrasa o imposto, por exemplo, paga juros, e isso é registrado como receita primária. “Vão querer mudar isso também?”, questiona.

Valores em separado

Boa parte dos economistas reclama que não consegue fazer estimativas precisas para traçar nenhum cenário por falta de dados. Principal e juros de precatórios, historicamente, ficam consolidados. É possível separar os valores em cada processo, mas como o pagamento sempre foi único não existem estatísticas sobre os valores em separado.

“Estamos na mão do governo, se ele não divulgar os dados, não temos como fazer estimativas para confirmar se há ou não efeito sobre o fiscal”, afirma o economista-chefe da Ryo Asset, Gabriel Leal Barros. Ele também questiona que a proposta é um risco. “Por conceito, uma mudança como essa vai alterar a lógica da contabilidade do setor público, porque tende a não ficar restrita à classificação do precatório”, afirma.

“Separar juros de principal, como estão sugerindo, vai criar uma jurisprudência que pode afetar outras despesas e receitas. Chego a dizer que isso beira a contabilidade criativa”, ressalta Barros.

Outros especialistas veem risco similar. A advogada e economista Elena Landau afirma que, se o governo quer resolver de fato o problema, pode seguir um caminho mais objetivo e transparente, sem mudar a lógica contábil de despesas e receitas públicas.

Ela lembra que já está no STF uma ação que questiona a constitucionalidade da PEC dos precatórios. “Se o STF considerar inconstitucional, voltamos à estaca zero corrigindo o erro do passado, aí precisamos apenas discutir os critérios de como pagar”, alerta. “Agora, qualificar os juros que recaem sobre o principal como dívida financeira e não como primário é gol de mão. Está errado. Isso é contabilidade criativa”, contesta.

O economista Marco Mendes, especialista em contas públicas, reforça que não há qualquer princípio legal ou de práticas contábeis que justifique a providência de separar o principal dos juros de precatórios, dando tratamento de despesa primária a um, e de despesa financeira a outro.

“O que estão pedindo ao STF não tem amparo”, afirma. “Se receber chancela jurídica, pode ter efeito sobre despesas primárias de juros muito além das despesas com precatórios. (Alexa Salomão)

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