Benefício fiscal é alvo do governo

Brasília – O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) quer fechar brechas na lei usadas por cerca de 5.000 empresas para pagar menos tributos federais, descontando da base de cálculo os benefícios fiscais obtidos no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços (ICMS) sem relação com investimentos produtivos.
Vista pelo Executivo como um “jabuti tributário”, a prática tem prejudicado não só a arrecadação da União, mas também a de estados e municípios.
Sob a interpretação atual das empresas e dos tributaristas, a cada R$ 1.000 de incentivos no ICMS, o governo federal acaba abrindo mão de outros R$ 432,50, sem que tenha decidido concordar ou não com o benefício.
Para o governo, é como se os estados dessem um incentivo com o chapéu alheio. Além disso, parte dessa perda se volta contra os próprios entes regionais, uma vez que a arrecadação de impostos seria repartida com eles.
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“Esse dinheiro é drenado do erário federal, dos outros estados e dos outros municípios de uma maneira bastante perversa. Para onde vai esse dinheiro? Em muitos casos, vai direto para o bolso do sócio da empresa. Há casos claros em que a empresa recebe esse benefício e aumenta o lucro”, disse o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, em entrevista coletiva na manhã de sexta-feira (1º).
“Ouso dizer que os mais prejudicados são os municípios pequenos, pela sistemática. Para eles, o impacto é muito grande”, afirmou.
O governo prevê recuperar R$ 35,3 bilhões no ano que vem com a correção dessa brecha. Parte do valor deve irrigar os cofres de estados e municípios, que hoje sofrem perdas de R$ 6 bilhões a R$ 9 bilhões em repasses que deixam de ser feitos pela União, segundo estimativas da Receita.
Em abril, o governo obteve uma vitória no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que decidiu que as empresas só podem descontar da base de cálculo de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) as subvenções ligadas a investimentos, com finalidade definida expressamente nas leis estaduais. Mesmo assim, a controvérsia continuou.
Para corrigir essa “distorção” e regulamentar a decisão do STJ, o governo editou na última quinta-feira (31) uma medida provisória (MP) que estabelece novas regras para a tributação desses incentivos fiscais.
Os benefícios em questão envolvem redução da base de cálculo, crédito presumido (para abater o valor devido), corte de alíquota, isenção, diferimento ou imunidade tributária. Eles podem ser direcionados ao custeio, para reduzir o peso de despesas operacionais das empresas, ou para investimentos, como construção ou ampliação de uma planta de fábrica.
Adicional
Sob a ótica do contribuinte, a concessão de um benefício fiscal eleva suas receitas e amplia o lucro da empresa. Esse adicional deveria ser tributado pela Receita Federal em caso de subvenção ao custeio.
Mas a interpretação dada pelas empresas à legislação é mais ampla e resulta na dedução desses valores da base de cálculo de IRPJ e CSLL mesmo quando se trata de um incentivo de custeio. O benefício acaba afetando também a cobrança de Programa de Integração Social/Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (PIS/Cofins).
“Eu não estou subestimando o litígio. Eu estou reconhecendo o litígio que existe porque a lei é horrível, sou o primeiro a reconhecer isso. Porque ela foi sendo emendada, é jabuti pra cá, jabuti para lá, quando você vai ler, é confuso mesmo”, disse Barreirinhas.
Crédito atrelado a investimento
Uma das principais medidas da MP é a mudança no próprio modelo. Em vez de descontar os incentivos do ICMS da base de cálculo de tributos federais, a Receita vai conceder um crédito financeiro de 25% sobre o valor da subvenção, desde que ela esteja relacionada a investimentos.
Segundo o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, a medida dará maior transparência sobre quais empresas são contempladas com a benesse. A intenção do governo é disponibilizar essas informações em um painel público, a exemplo do que vem sendo feito com outros gastos tributários do governo federal.
O secretário ilustrou com exemplos o impasse existente hoje e como ficaria a cobrança após as regras da MP, que valerão a partir de 1º de janeiro de 2024. Uma empresa que receba incentivo de R$ 1.000 e compre uma máquina também de R$ 1.000 pode usar o valor pago para obter desconto no IR (Imposto de Renda), mas de forma parcelada, ao longo dos anos. No exemplo, a despesa com a chamada depreciação seria de R$ 100 ao ano.
Na situação atual, a cifra seria deduzida da base de cálculo de IRPJ e CSLL (cujas alíquotas somadas são de 34%), livrando a empresa de uma cobrança equivalente a R$ 34.
A empresa tampouco recolheria PIS/Cofins (9,25%), mas ainda assim obteria crédito integral pela compra da máquina, podendo descontar R$ 92,50 de outros tributos. O benefício para a empresa é de R$ 126,50 com a subvenção ao investimento.
Com a mudança proposta na MP, as empresas que recebem subvenções de custeio não poderão mais descontar os R$ 100 da base de cálculo. Assim, elas pagarão R$ 9,25 de PIS/Cofins, embora ainda possam obter o crédito integral sobre o valor cheio do equipamento (R$ 92,50) no primeiro ano —uma diferença favorável à empresa de R$ 83,25.
Já no IRPJ e CSLL, as empresas recolherão os tributos sobre o lucro, mas poderão contar com o crédito de 25% do valor descontado como depreciação naquele ano (R$ 25). O benefício total será de R$ 108,25 — R$ 18,25 a menos do que no modelo atual.
O governo, porém, tem demonstrado abertura para dialogar sobre a alíquota de 25% que define o crédito financeiro a ser concedido, justamente para evitar que as empresas que realmente investem sofram algum tipo de oneração.
No caso de incentivos a custeio, o objetivo do Executivo é fechar a brecha, encerrando qualquer dúvida sobre a tributação federal sobre esses incentivos. Segundo Barreirinhas, os estados têm autonomia para decidir sobre esses benefícios, mas não é justo que o governo abra mão de seus recursos. (Nathalia Garcia e Idiana Tomazelli)
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