Legislação

Estados e municípios não poderão mais acionar Justiça estrangeira sem aval do STF

Decisão de Flávio Dino exige homologação no Brasil para sentenças internacionais e impacta litígios do desastre de Mariana no Reino Unido e na Holanda
Estados e municípios não poderão mais acionar Justiça estrangeira sem aval do STF
Foto: Mara Bianchetti Diário do Comércio

O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), proibiu estados e municípios brasileiros de propor novas ações na Justiça estrangeira. Ele ainda estabeleceu que decisões no exterior só podem ser executadas no Brasil mediante a homologação das autoridades nacionais, o que, de certo modo, afeta os litígios que dizem respeito ao rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, das prefeituras atingidas no Reino Unido e na Holanda.

A deliberação ocorreu no âmbito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) impetrada pelo Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) em junho do ano passado, na qual a entidade questionava a legitimidade de as cidades brasileiras litigarem diretamente perante jurisdições estrangeiras, sobre fatos ocorridos em território nacional. A decisão, contudo, tem efeito vinculante, ou seja, se estende para todos os casos semelhantes.

Dino também determinou que leis estrangeiras, atos administrativos, ordens executivas e diplomas similares não produzem efeitos em relação a pessoas naturais, relações jurídicas celebradas, bens situados, depositados ou guardados e empresas que atuem no País, sem que previsto no Direito Interno do País e/ou de definição de autoridade judiciária brasileira. Ele não mencionou no parecer, mas tudo indica que foi uma resposta à aplicação da Lei Magnitsky, dos Estados Unidos, contra o ministro do STF, Alexandre de Moraes.

De acordo o ministro, qualquer violação às deliberações “constitui ofensa à soberania nacional, à ordem pública e aos bons costumes, portanto presume-se a ineficácia de tais leis, atos e sentenças emanadas de país estrangeiro”. A decisão, publicada nesta segunda-feira (18), ainda precisa ser referendada pelos demais membros da Suprema Corte, conforme ressalta a advogada especialista em direito público Maria Fernanda Pires.

Ações em curso não são afetadas, mas terão que ser revalidadas pelo STJ

A ADPF do Ibram foi motivada pelos litígios no exterior dos municípios afetados pela tragédia em Mariana contra as mineradoras Vale, BHP Billiton e Samarco. No entanto, não houve determinação de Dino para a extinção das ações em andamento, o que, na prática, significa que tanto a disputa no Reino Unido quanto na Holanda seguirão em trâmite.

Apesar de não afetar imediatamente os processos judiciais das prefeituras que buscam, fora do Brasil, compensações pelos danos causados pelo rompimento da barragem, a decisão do ministro implica em um impacto posterior. Maria Fernanda Pires explica que ele estabeleceu uma condicionante para os litígios em curso: as sentenças estrangeiras terão que ser revalidadas em território brasileiro, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

“Não há extinção das ações, não há invalidação das decisões nelas proclamadas. O que há é uma restrição quanto à sua eficácia e execução. Então, para que a sentença dada no exterior seja eficaz internamente no Brasil, será necessário que ela seja homologada pelo STJ”, diz.

Cabe lembrar que a ação dos atingidos no Reino Unido, que inclui 31 municípios, entre mineiros e capixabas, está na reta final e a “decisão sobre a responsabilidade da BHP pelo desastre pode sair a qualquer momento”, segundo o escritório Pogust Goodhead.

Já o litígio contra a Samarco e a Vale em solo holandês, movido por quatro prefeituras, entre mineiras, capixabas e baianas, ainda está em fase inicial. De acordo com o escritório de advocacia que representa às vítimas, o Tribunal Distrital de Amsterdã deu prazo até 8 de outubro para que as empresas apresentem sua defesa na primeira fase do julgamento, que vai determinar se a justiça da Holanda é a corte adequada para julgar o caso.

Ibram e Pogust Goodhead se posicionam sobre decisão

Procurado, o Ibram disse, em nota, que a decisão de Dino foi “aderente à legislação brasileira”. A entidade destacou que “a diretriz prestigia a soberania nacional, o pacto federativo e a competência do sistema de Justiça brasileiro para fatos ocorridos no País”.

O instituto também afirmou que a orientação do STF está em consonância com o que foi sustentado na ADPF, de que fato que ocorre no Brasil deve ser tratado “sob a jurisdição brasileira”. O Ibram ainda reiterou o entendimento de que “a tramitação de pleitos indenizatórios no Brasil fortalece a segurança jurídica, evita decisões conflitantes e assegura adequada coordenação entre Poder Judiciário, Ministério Público, órgãos ambientais e autoridades responsáveis pela reparação, sempre em respeito à Constituição”.

Já o Pogust Goodhead ressaltou, em comunicado, que a decisão do ministro “não impacta os direitos de quaisquer autores (incluindo indivíduos e municípios) em processos estrangeiros existentes” e “aplica-se apenas às ações de entes públicos em processos futuros”. E enfatizou que a deliberação “não tem natureza retroativa, tampouco discute qualquer questão relacionada aos contratos dos municípios com o escritório”.

Ainda segundo o escritório de advocacia, o “relator também não examina o mérito da ADPF, que trata da legitimidade de municípios para ajuizar ações no exterior”. De acordo o Pogust Goodhead, o ministro acolheu um pedido das prefeituras para a realização de uma audiência pública, “a qual será uma oportunidade importante para que apresentem as razões que fundamentaram a busca por reparação internacional”.

É válido citar que, na decisão desta segunda-feira, Dino estabeleceu a ineficácia da medida cautelar da Justiça do Reino Unido que determinou ao Ibram, em março último, a desistência de ação no STF que pede a suspensão dos contratos entre escritórios ingleses e municípios do Brasil. Conforme o Pogust Goodhead, a audiência que avaliará a manutenção das liminares em Londres contra a entidade está prevista para novembro deste ano.

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