MPF aciona Justiça e cobra descaracterização urgente de barragem em Fortaleza de Minas
O Ministério Público Federal (MPF) acionou a Justiça mineira em uma ação civil pública que pede, em caráter de urgência, a descaracterização definitiva de uma barragem de rejeitos de níquel localizada em Fortaleza de Minas, no Sul do Estado. A estrutura está inativa desde 2013 e foi construída pelo método a montante, proibido desde 2020 após os desastres de Mariana e Brumadinho.
O órgão pede a adoção de medidas imediatas para garantir a segurança da barragem, o cumprimento das exigências técnicas pendentes e a apresentação de um novo projeto de descaracterização com acompanhamento de assessoria técnica independente.
Ao todo, a ação envolve 16 réus, entre eles a atual operadora do empreendimento, Extrativa Metalurgia — um grupo formado por 12 empresas e seu gestor —, e a antiga proprietária, Nexa Resources. A Agência Nacional de Mineração (ANM) e a Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam) também respondem por omissão no dever de fiscalização.
As investigações do MPF demonstram que a Extrativa foi omissa e descumpriu a lei ao não descaracterizar a barragem até fevereiro de 2022. A empresa assumiu a propriedade da estrutura em maio de 2018. Ela chegou a apresentar um plano de descaracterização em 2020, mas, segundo o Ministério Público, ainda não deu início ao projeto.

O empreendimento possui 46,8 metros de altura — o equivalente a um prédio de 16 andares — e capacidade para 3,25 milhões de metros cúbicos de rejeitos, o que corresponde a cerca de 1,3 mil piscinas olímpicas. A barragem é classificada como de categoria de risco e danos potenciais altos.
O método a montante é um processo de construção no qual o material de contenção, ou dique, é erguido sobre uma base de rejeitos já depositados, formando degraus. Já a descaracterização consiste na completa eliminação dessa estrutura, transformando-a em uma forma estável e segura que se integra ao relevo e ao meio ambiente da região.
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A reportagem entrou em contato com a Extrativa Metalurgia e com a Feam e não obteve retorno. Já a Nexa Resources reiterou que não é proprietária do ativo citado na ação desde 2018. “E durante o período em que foi proprietária, adotou todas as ações de gestão e segurança de barragens então exigidas pela legislação em vigência”.
A empresa também disse que ao se desfazer do ativo, “transferiu a responsabilidade pela gestão para o terceiro comprador, tendo entregue a barragem devidamente estável e em dia com o cumprimento de suas obrigações legais”. Além disso, alegou que não foi oficialmente intimida por conta da ação.
Omissão dos órgãos públicos
Algumas fiscalizações da ANM e da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) identificaram discrepâncias técnicas no projeto e a ausência de requerimento de licenciamento para a descaracterização. Em agosto de 2023, a ANM vistoriou a barragem e verificou que ela não atendia às exigências técnicas, nem possuía as declarações de estabilidade e conformidade atualizadas.
A vistoria resultou no embargo da estrutura, que foi classificada no Nível 1 de Emergência, já que não comprovou a segurança do extravasor (dispositivo de escoamento) nem o funcionamento das sirenes e de outros sistemas de alerta para a Zona de Alto Salvamento. A entidade notificou a empresa responsável com medidas técnicas que deveriam ser adotadas para melhorar as condições de segurança e estabilidade, mas nenhuma exigência foi atendida.
Segundo o MPF, a ANM e a Feam foram incluídas na ação por omissão no dever de fiscalização, sendo consideradas partícipes na questão. O procurador da República Carlos Bruno Ferreira da Silva, autor da ação, aponta clara omissão no exercício do poder de polícia das entidades públicas, “uma vez que nenhuma medida concreta foi tomada para compelir o empreendedor a corrigir ou regularizar suas condutas ilícitas”.
O Ministério Público Federal também oficiou a Extrativa Metalurgia diversas vezes, solicitando informações sobre a descaracterização e as providências de segurança, mas nenhuma resposta foi apresentada.
ANM diz que anomalias encontradas não comprometiam segurança da barragem
Procurada pela reportagem, a ANM disse que não foi notificada pelo MPF sobre qualquer ação que lhe impute omissão quanto à fiscalização da barragem em Fortaleza de Minas, mas informou que “periodicamente são realizadas análises processuais e vistorias presenciais, que resultam no encaminhamento de exigências administrativas e aplicação de sanções, como autos de infração e autos de embargo, visando melhorias nas condições de segurança da barragem e no aumento da conformidade com os normativos vigentes”.
Segundo o órgão, a fiscalização presencial mais recente na estrutura em Fortaleza de Minas ocorreu em fevereiro de 2025. Na ocasião, foram identificadas anomalias e não conformidades, “que foram objeto da formalização de exigências pela Agência, contudo, nenhuma com potencial de comprometer a estabilidade e a segurança da estrutura no momento da vistoria”.
“Ressalta-se que a barragem se encontra fora de operação e apresenta linha freática (nível d’água interno) baixa, condição que reduz a probabilidade de condição que reduz o risco de instabilização”, disse, ainda, por meio de nota.
A agência também disse que apesar da ausência de anomalias estruturais graves, manteve a classificação da barragem como de Categoria de Risco Alta e Nível de Emergência 1, e que sancionou o embargo da estrutura.
“Em relação ao esclarecimento do motivo da classificação de emergência da barragem de rejeitos, esta estrutura se encontra em Nível de Emergência 1 devido à ausência de documentação que comprove a adequação do extravasor aos critérios estabelecidos no art. 24 da Resolução ANM nº 95/2022. Por esse motivo, a barragem foi enquadrada com CRI alta e recebeu pontuação 10 no item de confiabilidade das estruturas extravasoras no seu estado de conservação, indicando uma anomalia não controlada. Adicionalmente, esta estrutura ainda não apresentou a Declaração de Condição de Estabilidade (DCE) atualizada, baseada na Revisão Periódica de Segurança de Barragens (RPSB), nem a Declaração de Conformidade e Operacionalidade (DCO) do Plano de Ação de Emergência. A ausência desses documentos resultou na aplicação imediata da sanção de embargo da barragem”.
Além disso, o órgão também registrou que, em setembro de 2025, foi comunicado pela Feam sobre os resultados de fiscalização conjunta realizada com o Ministério Público do Estado de Minas Gerais, a Polícia Militar de Meio Ambiente e a Coordenadoria Estadual de Defesa Civil.
Veja o restante da nota, na íntegra:
“Nessa ocasião, a Feam relatou que a empresa Extrativa Metalurgia executava a construção de um novo sistema extravasor na Barragem Rejeitos, com o objetivo de atender aos requisitos técnicos e normativos vigentes. Contudo, a Fundação apontou dúvidas quanto à documentação técnica que embasava a obra.
A partir dessa comunicação, a ANM requisitou à empresa a documentação técnica referente às obras em andamento. Com base na análise dos documentos recebidos, ficou constatado que a empresa estava executando obras de adequação do sistema extravasor sem um projeto executivo devidamente elaborado conforme legislação vigente. Em razão disso, foi lavrado, em setembro de 2025, auto de embargo das obras em andamento até a completa regularização do projeto. Além disso, foi encaminhado novo ofício de exigências e recomendada a instauração de novo processo administrativo sancionador para fins de aplicação de multa.
É importante destacar que os fatores de segurança calculados para a barragem — indicadores que refletem sua estabilidade física — vêm sendo reportados pela empresa em valores superiores aos mínimos exigidos pela legislação vigente. Esse resultado evidencia que, do ponto de vista geotécnico, a estrutura tem apresentado condições satisfatórias de estabilidade física.
Quanto ao processo de descaracterização da barragem, diferentemente da legislação estadual, a Lei Federal nº 12.334/2010, que institui a Política Nacional de Segurança de Barragens, admitiu a prorrogação do prazo originalmente fixado (25 de fevereiro de 2022) para casos de comprovada inviabilidade técnica. Ressalta-se que a empresa apresentou pedido de prorrogação no processo administrativo minerário e, posteriormente, protocolizou o projeto executivo para a descaracterização da estrutura.
Por fim, a ANM apurou que ainda existem pendências relacionadas ao licenciamento ambiental do projeto de descaracterização, especialmente quanto à destinação dos rejeitos a serem removidos do reservatório da barragem. Salienta-se que a solução dessas questões cabe à articulação da Extrativa Metalurgia junto aos órgãos ambientais competentes do Estado de Minas Gerais, nos termos da Lei Complementar nº 140/2011, antes que o projeto de descaracterização possa ser efetivamente executado”.
Novo plano de ação e R$ 10 milhões em compensação
O MPF pede que as empresas responsáveis apresentem, em até 30 dias, um plano de ação com medidas imediatas para garantir a segurança e a estabilidade da barragem, cumprindo todas as exigências da ANM. O órgão ainda solicita a contratação, em até 20 dias, de uma equipe técnica independente para acompanhar a elaboração e execução do plano de descaracterização e a apresentação de um novo projeto para esse processo em até 60 dias.
A ação civil pública também solicita o pagamento de R$ 10 milhões por compensação ambiental e dano moral coletivo, valor que deve ser destinado a projetos de educação, preservação ambiental ou reforço da fiscalização em barragens.
O MPF pede ainda que a ANM e a Feam analisem o projeto de descaracterização em até 40 dias após sua entrega e acompanhem sua execução até a completa eliminação da barragem.
Resposta da Nexa:
A Nexa informa que o ativo em referência foi vendido em 2018 e que, durante o período em que foi proprietária, adotou todas as ações de gestão e segurança de barragens então exigidas pela legislação em vigência. Ao se desfazer deste ativo, a Nexa transferiu a responsabilidade pela gestão para o terceiro comprador, tendo entregue a barragem devidamente estável e em dia com o cumprimento de suas obrigações legais. A empresa rei”ra seu compromisso com a sustentabilidade, sempre visando a segurança de suas operações e das comunidades próximas. Como informação adicional, a Nexa não foi oficialmente intimada por esta demanda até o presente momento.
(Com informações do MPF)
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