Legislação

Licenças ambientais para mineração de lítio no Vale do Jequitinhonha podem ser suspensas

Órgão federal aponta ausência de consulta prévia a indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais em Araçuaí e região, e alerta para impactos hídricos e sociais da atividade
Licenças ambientais para mineração de lítio no Vale do Jequitinhonha podem ser suspensas
Ampliação da mineração de lítio já estaria provocando "severa restrição hídrica", segundo MP. | Foto: Reuters/ Washington Alves

As licenças ambientais concedidas para projetos de mineração de lítio em Araçuaí e municípios vizinhos, no Vale do Jequitinhonha, poderão ser suspensas após recomendação expedida pelo Ministério Público Federal (MPF) em 18 de setembro e divulgada nesta terça-feira (30). O órgão também sugeriu o mapeamento “urgente” das comunidades afetadas pelas atividades da Atlas Lithium e Sigma, empresas citadas no documento.

De acordo com o MPF, a principal observação da medida é que ocorra a revisão, anulação ou declaração de nulidade das autorizações emitidas “sem observância da legislação, especialmente nos casos em que foi desrespeitada a obrigação de consulta prévia, livre, informada às comunidades afetadas”, obrigatória por lei.

O texto é voltado para as comunidades indígenas, quilombolas e groteiras-chapadeiras, dentre outras afetadas cujos territórios tradicionais se localizam na região, o que inclui diversas comunidades quilombolas em Araçuaí, como Córrego do Narciso do Meio, Baú, Jirau e Malhada Preta.

Também fazem parte os agrupamentos indígenas Pankararu/Pataxó, Aranã Índio, Aranã Caboclo e Canoeiros Maxakali. Segundo o MPF, a recomendação tem objetivo de proteger os direitos humanos, étnico-raciais e territoriais de povos indígenas, comunidades quilombolas e tradicionais na região, que “estão sendo afetados pela expansão da mineração de espodumênio/lítio, metal utilizado na fabricação de baterias”.

Estado concedeu licenças sem cumprir lei, afirma MPF

Conforme o Ministério Público, o Estado de Minas Gerais concedeu licenças sem realizar a Consulta Prévia, Livre e Informada (CPLI), que é um direito fundamental assegurado pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), com força de lei no Brasil e obrigatória sempre que medidas administrativas ou legislativas possam afetar diretamente os povos indígenas e comunidades tradicionais.

O MPF destacou que a realização de audiências públicas não substitui a CPLI, que deve ser um procedimento “de diálogo, culturalmente adequado e com o objetivo de buscar um acordo ou consentimento”.

Outro apontamento do MPF é de que a atuação “omissiva do estado” tem invisibilizado as comunidades: o procurador da República Helder Magno da Silva, que assina a recomendação, ressaltou que o Estado presumia a ausência de impacto com base em documentos produzidos pela própria empresa interessada, sem considerar estudos antropológicos independentes.

Além disso, perícias realizadas pela área técnica do MPF identificaram que a ampliação da mineração de lítio já está provocando severa restrição hídrica e social, incluindo o rompimento de tubulações de água e a desestruturação de economias locais. No município de Araçuaí, pelo menos duas comunidades quilombolas têm seus territórios sobrepostos por processos minerários, e outras nove estão a menos de 5 km de distância.

Recomendação foi enviada aos órgãos de interesse

O documento do MPF foi enviado à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), à Secretaria de Estado de Desenvolvimento Social (Sedese), à Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), ao Conselho Estadual de Política Ambiental (Copam) e a outros órgãos vinculados às referidas secretarias.

Segundo o Ministério Público, os órgãos estaduais têm o prazo de 20 dias para informar sobre o acatamento da recomendação.

O Diário do Comércio procurou o governo de Minas e as mineradoras Atlas Lithium e Sigma para um posicionamento sobre a orientação federal, e não obteve resposta até a publicação da matéria.

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