Legislação

Novo regulamento da Anatel gera polêmica e é acusado de enfraquecer proteção ao consumidor

Novo regulamento flexibiliza regras para operadoras e gera críticas sobre insegurança para o consumidor
Novo regulamento da Anatel gera polêmica e é acusado de enfraquecer proteção ao consumidor
Crédito: Adobe Stock

Aprovado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) e com previsão de entrar em vigor em setembro de 2025, o novo Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações (RGC) promete modernizar as relações de consumo no setor. A agência afirma que o objetivo é aumentar a transparência nas ofertas e garantir mais clareza contratual. No entanto, o texto tem sido alvo de críticas por parte de entidades civis e especialistas que enxergam retrocessos preocupantes.

Segundo a Anatel, a revisão do RGC — em vigor desde 2014 — é resultado de um amplo processo de escuta da sociedade. A agência destaca como principal avanço a criação da “etiqueta padrão”, que deve apresentar de forma simples e objetiva as características essenciais de cada plano ou oferta. Também foram atualizadas normas voltadas ao atendimento digital e à proteção contra fraudes, especialmente em processos de portabilidade e contratação.

“Como parte do processo de revisão regulatória para aprimoramento e modernização das regras do setor, o RGC passou por um extenso percurso de debates, envolvendo vários setores da sociedade para que a nova versão representasse de fato um avanço para os consumidores”, destaca a Anatel.

No entanto, a flexibilização de regras contratuais — como a possibilidade de reajustes durante a vigência do contrato, a migração automática de planos e a cobrança mesmo com o serviço suspenso por inadimplência — tem causado grande repercussão negativa.

Regulamento traz flexibilidade ou insegurança jurídica?

A Anatel defende que os reajustes seguem regras de transparência, podendo ser realizados com base na data da contratação consumidor ou em uma data-base definida pela operadora. A agência explica que o consumidor deverá ser previamente informado, com destaque nos canais de contratação e receber aviso com pelo menos 30 dias de antecedência.

A advogada e diretora jurídica do Instituto de Defesa do Consumidor e do Contribuinte (IDC), Renata Abalém, alerta que tais flexibilizações “diluem a previsibilidade, criando incerteza quanto a preços e planos ao longo do contrato”. Para ela, isso fere o princípio da estabilidade contratual garantido pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC).

“Essas afirmações da Anatel só fazem sentido quanto à obrigatoriedade de faturas detalhadas. No entanto, a flexibilização de cláusulas contratuais como reajustes em prazos aleatórios, migrações automáticas e cobrança durante a suspensão por inadimplência tornam os argumentos risíveis”, afirma Renata Abalém.

Migração automática de planos preocupa consumidor

Outro ponto polêmico no novo regulamento da Anatel é a migração automática de planos ao fim da vigência contratual, mesmo sem manifestação ativa do consumidor. A agência afirma que essa mudança só poderá ocorrer se estiver prevista em contrato e for comunicada previamente, cabendo ao consumidor a decisão de aceitar ou não a nova oferta.

“Nas contratações por meio digital, a ciência será dada antes da celebração do contrato por mecanismo que demande uma ação efetiva do consumidor (checkboxes, radio buttons etc.), devendo a omissão do consumidor implicar na não continuidade da contratação, sendo nula qualquer pré-seleção automática da opção de aceite”, destaca a Anatel.

Mas, para Renata Abalém, a prática pode trazer consequências graves, sobretudo para grupos vulneráveis, como idosos e pessoas com menor letramento digital.

“Essa modalidade que nos será imposta é abusiva. Pode gerar troca para planos mais caros com fidelização automática, redução de benefícios e confusão e desvantagem para pessoas com dificuldade no ambiente digital”, alerta a especialista.

No entanto, a Anatel reforça que “a condição para a migração automática deve ocorrer para oferta sem prazo de permanência e similar à oferta extinta quanto às suas características, inclusive de preço, observados os artigos. 39 e 54 do Código de Defesa do Consumidor”.

A advogada também aponta que a cobrança durante a suspensão dos serviços é incompatível com o princípio básico do CDC de só pagar por serviços efetivamente prestados. “Permitir a cobrança de valores cheios durante a suspensão representa uma vantagem manifestamente excessiva e impõe ao consumidor um pagamento desvinculado da contraprestação”.

Anatel reforça medidas de fiscalização e proteção a consumidor vulnerável

A agência reguladora afirma que o novo RGC mantém o respeito aos princípios do CDC e que adota um modelo de fiscalização responsiva, com foco em educação, prevenção e monitoramento contínuo. Também destaca que o regulamento prevê proteção especial a consumidores vulneráveis, como idosos e pessoas em situação de fragilidade socioeconômica.

“A Anatel permanecerá monitorando o cumprimento das obrigações, com especial atenção às novas regras, a exemplo das ofertas com contratação e atendimento exclusivamente digital e novo modelo de ofertas, em que a transparência ao consumidor foi priorizada”, destaca a agência.

Além disso, a Anatel vem promovendo ações de letramento digital, para capacitar os consumidores no uso de canais digitais e garantir escolhas mais informadas.

Regulamento adiado, mas Anatel não prevê mudanças

Diante da solicitação das empresas prestadoras de serviço, a Anatel adiou a entrada em vigor do novo RGC para setembro de 2025, mas não sinaliza intenção de alterar o texto aprovado.

“As novas regras foram estabelecidas com o objetivo de melhor atender as demandas dos consumidores. Portanto, não se vislumbra, de imediato, qualquer ajuste no texto aprovado”, ressalta a Anatel.

Ainda assim, a especialista cobra manifestações da sociedade civil para chamar a atenção para possíveis mudanças no regulamento.

“Cabe à sociedade civil se indignar e colocar a boca no trombone. Cabe às entidades se prepararem com medidas judiciais, e aos órgãos como o MP e os Procons, realizarem consultas públicas para repensar o regulamento”, defende Renata Abalém.

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