Legislação

Riscos da consulta aos órgãos de proteção ao crédito para contratar

Riscos da consulta aos órgãos de proteção ao crédito para contratar
Crédito: Pixabay

Recentemente, em 27 de maio, este Jornal publicou uma matéria sobre o superávit de 13.492 empregados formais no Estado de Minas Gerais. Após um ano dos impactos da pandemia de Covid-19, o Estado apresenta uma retomada dos negócios com novas contratações. Isso demostra que as empresas retomam os seus processos seletivos de recrutamento e seleção de candidatos. Mas, será que as empresas podem realizar consulta aos órgãos de proteção ao crédito nos seus processos seletivos de recrutamento e seleção? Quais são os riscos dessa consulta?

Primeiramente, vale lembrar que cabe às empresas a assunção dos riscos do negócio e cabe, também, promoverem o processo seletivo de recrutamento e seleção para a contratação de seus empregados, exercendo o poder diretivo para a admissão de pessoas que melhor se enquadrem nas necessidades da empresa e do cargo vago. Mas, será que dentro do seu poder diretivo para admissão de seus empregados, a empresa pode realizar previamente a consulta em órgãos de proteção?

Não, o poder diretivo da empresa encontra limites na Constituição da República e em normas esparsas. A consulta aos órgãos de proteção ao crédito nos processos seletivos de recrutamento e seleção, no nosso entendimento, representa violação da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem (Constituição da República, art. 5º, X), dos princípios da igualdade (CR, art. 5º, I), da dignidade da pessoa humana (CR, art. 1º, III), do valor social do trabalho (CR, art. 1º, IV), bem como da função social da empresa e do direito ao pleno emprego (CR, art. 170, VIII).

Nesse sentido, a restrição caracteriza ato discriminatório, encontrando vedação na Lei 9.029/95 e na Convenção nº 111 da Organização Internacional do Trabalho, sobre discriminação em matéria de emprego e profissão, da qual o Brasil é signatário.

Nessa mesma linha do nosso pensamento, recentemente, em decisão publicada em 14 de fevereiro de 2020, o Tribunal Superior do Trabalho (Processo: RR-14200-19.2008.5.15.0089) decidiu e condenou ao pagamento de indenização uma determinada empresa que realizava consultas aos órgãos de proteção ao crédito em seu processo seletivo de recrutamento e seleção, considerando como uma “conduta ilícita, apta a ensejar a obrigação de não fazer cominada, bem como o pagamento de indenização por dano moral coletivo”.

Lei de Proteção de Dados -E agora, com o início da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), em setembro de 202O e a possibilidade de aplicação de multas pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais a partir deste mês, quais seriam os riscos da consulta aos órgãos de proteção ao crédito nos processos seletivos de recrutamento e seleção em relação à nova legislação?

Para responder essa pergunta temos que observar, primeiramente, os fundamentos da LGPD de proteção dos direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade, o exercício da cidadania pelas pessoas naturais, do artigo 2º, inciso VII e o princípio da não discriminação do artigo 6º, inciso IX. Os mencionados dispositivos têm como objetivo, além da proteção da privacidade e da intimidade, dentro dos seus fundamentos, a proteção da personalidade e da pessoa humana.

Nesse contexto, a LGPD veda o tratamento dos dados de acordo com a classificação para criação de estereótipos, para segregação e realização do tratamento para fins discriminatórios ilícitos ou abusivos. Sendo assim, a consulta aos órgãos de proteção ao crédito nos processos seletivos de recrutamento e seleção poderá ser interpretada pelo Ministério Público do Trabalho, Judiciário e pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados como um tratamento de dados pessoais ilegítimo, por violar os mencionados fundamentos e princípios da LGPD.

Pelo exposto, está claro o alto risco das empresas na consulta aos órgãos de proteção ao crédito nos processos seletivos de recrutamento e seleção. A utilização desses procedimentos na fase pré-contratual poderá ser considerada como ato discriminatório e violador de direitos e princípios constitucionais, ensejando em potencial risco de condenação ao pagamento de indenização por dano moral e material (perda de uma chance) em reclamação trabalhista. Assim como ao pagamento de indenização por dano moral coletivo em ação civil pública, perpetrada pelo Ministério Público do Trabalho e, agora, também ensejar em possível sanção pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados Pessoais.

Por fim, gostaríamos de ressaltar que, no momento atual, a utilização explícita da respectiva consulta poderá gerar muito mais do que multas ou condenações, mas também grande dano reputacional para as empresas, principalmente com veiculação da prática em matérias de jornais, de noticiários e, principalmente, de mídias sociais.

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